Os especialistas em saúde mental e os suicidologistas (psicólogos engajados no tema) estão particularmente preocupados nesta semana. Um menino de 14 anos, estudante do nono ano do Colégio Bandeirantes de São Paulo, se matou. Um áudio seu, de despedida, tem sido compartilhado e os motivos para essa tragédia discutidos, buscando-se culpados. Vejo colegas jornalistas em dúvida: devemos, ou não, falar publicamente sobre o assunto?
O ideal é buscarmos esse tipo de resposta na ciência. Naquela esfera que investiga suposições e traz dados para embasar uma orientação.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) confirma que a mídia deve, sim, abordar o assunto. Mas traz importantes ressalvas de como isso deve ser feito para evitar o efeito contágio, chamado de "Efeito Werther". (Veja uma cartilha para a mídia aqui).
O nome do efeito é inspirado no livro do autor alemão Goethe (1749-1832), "Os Sofrimentos do Jovem Werther", escrito em 1774. O protagonista, Werther, morre depois de uma frustração amorosa. O drama incitou uma onda de suicídios com jovens usando a mesma roupa que o protagonista usava e o mesmo método que ele descreve no livro. Naquela época, o livro foi inovador ao provocar uma reflexão sobre os sentimentos, o que não ocorria na literatura, e impulsionou o Romantismo na Europa.
O efeito contágio pode ocorrer quando há descrição do método utilizado, do local escolhido e do ímpeto em buscar culpados. Suicídios são sempre multifatoriais e é por isso que evitamos atribuir a tragédia a uma causa específica. Pessoas diferentes em contextos iguais podem não chegar ao ato de tirar a própria vida. E o sentimento de culpa não recai apenas sobre aqueles que o próprio suicida eventualmente identifica como responsáveis.
É por isso que não se deve compartilhar cartas de despedida, muito menos um áudio. Além de ir contra a recomendação dos especialistas da área, torna ainda mais doloroso o luto da família.
O luto por suicídio tem muitas especificidades que podem impedir com que os sobreviventes (como são chamados os afetados por essa morte) consigam voltar a se adaptar à rotina e ver sentido na vida. Uma dessas características é a culpa e a elucubração de cenários, o "e se".
O detalhamento desse tipo de morte contribui para o julgamento social. Sabendo de detalhes sobre o caso, questiona-se a atuação da família, da escola, dos amigos e não-amigos. Esse tipo de avaliação não contribui para a discussão em si, que é o aumento das taxas de suicídio, principalmente entre jovens. Esse debate não é feito buscando responsabilização de adultos ou crianças. Suicídio é um problema de saúde pública.
Os temas levantados pelo mais recente caso, como racismo e homofobia, são urgentes na nossa sociedade e devem ser endereçados diariamente. Mas não é explorando um caso concreto que envolve várias outras pessoas, também jovens e muito possivelmente também vítimas de bullying, que faremos isso com segurança. Ao procurarmos culpados de forma impulsiva, especialmente quando, como dito, o suicídio não é consequência de uma única causa, podemos colocar outras vidas em risco.
É hora de cautela.
Um conteúdo importante de ser compartilhado são sugestões de ações para quem está preocupado com uma pessoa próxima.
Karen Scavacini, fundadora do Instituto Vita Alere, sugere abordar os fatores de proteção e ações de cuidados com os jovens, ao invés de falarmos apenas de riscos. Os fatores de proteção são: conexões saudáveis, se sentir pertencente, ter acesso aos cuidados de saúde mental, fazer uso saudável de tecnologia, habilidade de resolver problemas, políticas públicas que funcionem para saúde mental, proteção da violência escolar, que significa agir quando se tem um caso de violência escolar. A escola deve ter programas de educação socioemocional, ensinar alunos formas de pertencimento e como lidar com frustrações. Outro fator de proteção é a fala segura sobre saúde mental e o suicídio, sem estigmas sobre procurar ajuda. Há cartilhas sobre isso como a do VitaAlere e as que indico aqui.
Karen oferece conteúdo para quem está preocupado com uma pessoa próxima, que reproduzo abaixo.
SE VOCÊ ESTÁ PREOCUPADO COM ALGUÉM:
A primeira e mais importante ação ao lidar com uma situação de risco de suicídio é mostrar que você se importa. Ouvir com atenção e levar a sério qualquer ameaça de suicídio é essencial. Confie em seu julgamento e intuição para oferecer um apoio genuíno, respeitando os sentimentos da pessoa.
A segunda coisa para se fazer é perguntar sobre o suicídio. Um dos grandes mitos do suicídio é que se alguém perguntar sobre o suicídio, pode colocar essa ideia na cabeça da pessoa, mas se você já desconfia que ela quer se matar, e ela falar algo sobre isso, é porque a pessoa já estava pensando nisso há algum tempo.
Quebre o silêncio. Diferente do mito, perguntar diretamente e de maneira gentil sobre os pensamentos pode ser um alívio para aqueles que estão em perigo. Participar de uma conversa aberta pode fazer a diferença. Aborde o tema diretamente, mas com empatia, criando um espaço seguro e acolhedor para a conversa.
Você não precisa ter todas as respostas ou soluções. O objetivo é ouvir, acolher e avaliar a gravidade da situação discutindo pensamentos, planos e possíveis meios de suicídio. Tomar medidas é crucial e não deve-se prometer confidencialidade. Em muitos casos, é fundamental envolver outras pessoas e profissionais de saúde mental.
Conheça os fatores de risco e os sinais de alerta. Indivíduos com histórico de tentativas de suicídio e depressão correm mais risco.
Sua atenção e apoio podem desempenhar um papel ajudando alguém a explorar caminhos e recuperar a esperança. Mas não seja o único responsável por ela, inclua outras pessoas no cuidado.
OPÇÕES DE LOCAIS PARA BUSCAR AJUDA:
Abrases - Associação brasileira dos sobreviventes do suícídio
Abeps - Associação Brasileira de estudos e Prevenção do Suicídio
Outros textos do blog:
Como ajudar uma pessoa que está pensando em suícidio
RESPOSTA DO COLÉGIO BANDEIRANTES
O Morte sem Tabu entrou em contato com o Colégio Bandeirantes, que enviou uma carta de posicionamento. Segue, na íntegra:
O Colégio Bandeirantes, com profundo pesar, lamenta o falecimento de um estudante do 9º ano do Ensino Fundamental, ocorrido nesta segunda-feira, fora das dependências da escola. A direção e toda a comunidade escolar estão profundamente abaladas por essa perda irreparável. Neste momento, a prioridade do colégio é oferecer todo o apoio e assistência necessários à família do aluno e aos colegas e amigos impactados por essa tragédia.
A instituição reforça seu compromisso com o bem-estar emocional de todos, destacando o trabalho realizado na área de Convivência Positiva, por meio:
• do desenvolvimento de competências socioemocionais, em aulas semanais de Convivência e de maneira transdisciplinar,
• da formação continuada de professores e funcionários,
• do acompanhamento dos alunos e famílias pela equipe de Orientação Educacional,
• de programas de protagonismo de alunos como as Equipes de Ajuda, compostas por estudantes do Ensino Fundamental formados para apoiar seus colegas em momentos difíceis, e o C.A.R.E. (Comissão de Apoio Racional e Emocional), composto por jovens voluntários do Ensino Médio que oferecem suporte emocional e promovem a integração entre os alunos. Os dois programas são supervisionados por profissionais especializados.
Tais iniciativas visam criar um ambiente acolhedor e seguro para todos.
Em respeito à família, não serão divulgados detalhes adicionais sobre o ocorrido.
NOTA DO INSTITUTO VITA ALERE SOBRE O CASO
Aproveito para divulgar, abaixo, a nota do Instituto Vita Alere, especializado em prevenção e posvenção do suícidio e onde buscar ajuda:
Diante da recente tragédia envolvendo um aluno do Colégio Bandeirantes em São Paulo, é essencial reforçar a importância de abordar o tema do suicídio com extrema responsabilidade e cuidado. O fato de um áudio de despedida deste jovem estar sendo amplamente compartilhado nas redes sociais é profundamente preocupante. A circulação de conteúdos como esse pode ter efeitos devastadores, especialmente em adolescentes vulneráveis, gerando gatilhos que podem agravar o sofrimento e até incentivar comportamentos autodestrutivos.
É crucial lembrar que o suicídio é uma questão multifatorial, resultante de uma complexa interação de fatores psicológicos, sociais e biológicos. Buscar uma causa única ou simplificar o entendimento do suicídio pode ser prejudicial e desrespeitoso com a complexidade da situação. Cada caso é único, e a responsabilidade ao abordar o tema deve refletir essa realidade.
Falar sobre suicídio de maneira segura não significa esconder ou silenciar o assunto, mas sim tratá-lo com a seriedade e o respeito que ele merece, sempre com o objetivo de proteger e acolher aqueles que estão em risco. Nesse contexto, é fundamental respeitar a privacidade e o luto das famílias e comunidades afetadas, que já estão muito expostas e enfrentando uma dor imensa.
Recomendamos que todos acessem os materiais disponíveis pelo Instituto Vita Alere, que oferecem orientações detalhadas sobre como falar de maneira segura sobre o suicídio. Além disso, para quem se deparar com conteúdos sensíveis ou prejudiciais nas redes sociais, é importante utilizar os canais de denúncia disponíveis para reportar esses materiais e impedir que continuem sendo disseminados.
Por favor, reflitam e pensem nas possíveis consequências perigosas antes de compartilhar informações desse tipo. Se você ou alguém que conhece está passando por um momento difícil, busque ajuda imediata.
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