sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Por que envelhecemos mais devagar em uma viagem de avião, BBC News FSP

 Chris Lintott

BBC NEWS BRASIL

Um dos meus experimentos científicos favoritos é o em que cientistas levaram quatro relógios a dar a volta ao mundo duas vezes de avião.

Em 1971, os físicos norte-americanos Joseph Hafele (1933-2014) e Richard Keating (1941-2006) levaram relógios atômicos – tão preciso que só atrasam até um segundo a cada 30 milhões de anos - em um avião comercial. Eles voaram ao redor do mundo, primeiro para o oeste e, depois, para leste, até retornarem ao laboratório, em Washington DC, nos Estados Unidos.

Ali, os cientistas compararam a hora dos relógios que fizeram a viagem com outros que permaneceram em terra. E veio a surpresa: os relógios estavam desajustados. A viagem de avião aparentemente alterou a passagem do tempo.

Relógios atômicos levados em viagens de avião mostraram que o tempo passou mais devagar quando a aeronave voava em alta velocidade - Getty Images via BBC

Este experimento foi um teste de um dos princípios fundamentais da teoria da relatividade de Albert Einstein (1879-1955), que afirma que o tempo não é universal. Quanto mais rápido você viajar, mais lentamente o tempo irá passar para você.

O efeito é pequeno. Em um voo transatlântico de Londres para Nova York, seu relógio ficará 10 milionésimos de segundo atrás de outro deixado em terra.

Mas você terá envelhecido uma fração de tempo a menos do que se tivesse ficado em casa. E os relógios de Hafele e Keating conseguiram medir essa diferença.

Outra previsão da lei da relatividade afirma que a gravidade também causa efeitos sobre o tempo. Se você se afastar da atração gravitacional da Terra, o tempo irá se acelerar.

Este fenômeno afeta os nossos corpos – ele faz com que a nossa cabeça seja sempre um pouco mais velha do que os nossos pés. Também neste caso, o efeito é incrivelmente pequeno, mas, em distâncias maiores da Terra, ele ganha importância.

O sistema GPS de que todos nós dependemos para nos locomover, com seus satélites a 20 mil quilômetros de altura em relação à Terra, precisa levar este fenômeno em conta para poder funcionar adequadamente.

Mesmo com todos esses fenômenos, a Terra é apenas um pequeno planeta em um grande Universo. E, entre os buracos negros – objetos imensos com atração gravitacional muito superior à de qualquer planeta –, esses efeitos da relatividade são muito mais pronunciados.

Para entender o porquê, imagine que você está caindo em direção a um buraco negro. Para isso, vamos considerar que você esteja em uma espécie de espaçonave mágica que protege contra a "espaguetificação" – o estiramento mortal que acontece com tudo o que se aproximar demais de um buraco negro.

Durante a queda, você não irá notar nenhuma diferença na passagem do tempo para você ou para o ambiente à sua volta. Olhando para o seu relógio ou sentindo seu pulso, você irá perceber o mesmo batimento estável, segundo após segundo, enquanto se aproxima da catástrofe quase inevitável.

Mas, se os instrumentos da sua espaçonave permitirem olhar para trás e observar o Universo fora do buraco negro, você poderá notar algo de estranho – eventos lá fora que parecem estar se acelerando.

Se fosse possível olhar para a Terra por um telescópio, você veria o futuro do nosso planeta, com seus moradores correndo como em um filme acelerado para sua diversão. Se você pudesse sintonizar os sinais de rádio ou televisão, poderia acompanhar todas as transmissões restantes da humanidade até que o Sol evoluísse e se tornasse uma gigante vermelha que engoliria o planeta – tudo de forma acelerada.

Vamos agora mudar a perspectiva. Imagine que você esteja em uma estação espacial em órbita a uma distância segura do buraco negro, acompanhando a queda de um valente, mas infortunado, colega.

A extremidade do buraco negro é o horizonte de eventos – o ponto em que até os objetos que viajam à velocidade da luz não podem escapar. Parece razoável esperar que o nosso amigo irá atingir esse ponto durante a queda e, então, desaparecer.

Mas o que você realmente observaria é ainda mais estranho. Se ele estivesse acenando para nós, você o veria acenar cada vez mais lentamente, à medida que ele cai no poço gravitacional do buraco negro.

E um relógio instalado no lado externo da sua espaçonave iria parecer andar mais devagar, em comparação com outro instalado com segurança na nossa estação.

Este efeito é explorado no filme Interestelar (2014). Nele, os astronautas que exploravam um planeta perto de um buraco negro emergem em um Universo alterado que evoluiu sem eles.

O filme deixa claro que não faz sentido perguntar se o tempo que passa perto ou longe do buraco negro é o tempo "correto". Afinal, a teoria da relatividade nos ensina que isso não existe.

Nunca conseguiremos observar este fenômeno do lado externo, mas o nosso viajante acabará cruzando o horizonte de eventos do buraco negro – a fronteira além da qual nada, nem mesmo a luz, consegue escapar.

Este é o ponto de não retorno. Além dele, o viajante seria levado à força em direção ao centro do buraco negro.

Com isso, sua experiência do tempo pode ser completamente alterada – e ele pode até conseguir se mover para frente e para trás no tempo. Por que isso acontece?

Na nossa vida comum e segura fora do buraco negro, nós podemos nos mover como bem entendermos nas três dimensões do espaço, mas somos obrigados a nos movimentar incessantemente para frente na quarta dimensão: o tempo.

Ocorre que, dentro do horizonte de eventos de um buraco negro, tudo anda para trás. Ali, o astronauta seria forçado a viajar incessantemente no espaço, em direção ao centro do buraco negro. Isso faz com que algumas pessoas acreditem que ele seria capaz de se movimentar no tempo.

Neste sentido, os buracos negros podem agir como uma máquina do tempo, permitindo que qualquer pessoa com coragem suficiente para entrar neles viaje para épocas muito anteriores ao momento em que ela cruzou o horizonte de eventos – até chegar à própria criação do buraco negro.

O único detalhe é que, até onde sabemos, não haveria forma de sair do buraco negro. Por isso, nenhum viajante do tempo do futuro pode usar este artifício para vir nos visitar aqui na superfície da Terra do século 21.

Mas compreender as possibilidades – e analisar como os buracos negros manipulam o espaço e o tempo à sua volta – pode oferecer aos físicos os testes mais precisos sobre as teorias de Einstein e levar a uma compreensão mais profunda daquilo que chamamos de tempo.

Certamente é melhor do que dar em volta ao mundo em um avião, com um relógio atômico preso ao assento vizinho.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

Chris Lintott é professor de astrofísica da Universidade de Oxford e do Gresham College, no Reino Unido, e coapresentador do programa de TV "The Sky at Night", da BBC. Seu recente livro "Our Accidental Universe: Stories of Discovery from Asteroid to Aliens" ("Nosso Universo acidental: histórias de descoberta, de asteroides até alienígenas", em tradução livre) será lançado em breve

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Senado aprova PEC que interfere no STF após ofensiva de Pacheco; texto vai para Câmara, FSP

 João Gabriel

BRASÍLIA

Senado aprovou na noite desta quarta-feira (22) a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que limita as decisões individuais de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), após uma ofensiva encampada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Foram 52 senadores a favor, 18 contra e nenhuma abstenção, tanto na votação do primeiro como do segundo turno. O texto segue agora para análise da Câmara dos Deputados.

A tramitação da PEC com apoio de Pacheco tem sido vista por parlamentares ouvidos pela Folha como uma movimentação do grupo de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que pretende se candidatar ao comando da Casa e busca se aproximar de bolsonaristas ligados à pauta anti-STF.

Parlamentares da oposição comemoram a aprovação da PEC no Senado, nesta quarta (22) - Pedro Ladeira/Folhapress

A PEC define que as chamadas decisões monocráticas não podem suspender a eficácia de uma lei ou norma de repercussão geral aprovada pelo Congresso e sancionada pela Presidência da República —para isso, obriga que haja decisões colegiadas.

Foram ajustados alguns trechos do texto original, com a retirada, por exemplo, de um ponto que limitava o pedido de vistas em julgamentos —uma vez que a ex-ministra Rosa Weber já alterou o regimento do Supremo para restringir este dispositivo, que acabava postergando as decisões da corte.

Outra mudança que atenuou a proposta original foi a exclusão do escopo da PEC das decisões da Presidência da República, como decretos ou nomeações, que estavam previstas inicialmente.

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Antes da votação, Pacheco negou que a movimentação fosse uma perseguição contra a corte. "Não é resposta, não é retaliação, não é nenhum tipo de revanchismo. Não temos nem motivo para isso", disse.

"É a busca de um equilíbrio entre os Poderes, que passa pelo fato de que as decisões do Congresso Nacional, quando faz uma lei que é sancionada por um presidente da República, podem ter declaração de inconstitucionalidade, mas que o seja pelos 11 ministros, e não individualmente por um", completou.

Pacheco disse ainda que conversou com Alexandre de Moraes na terça (21) e que o ministro do STF "compreende as circunstâncias do Parlamento".

A votação da PEC estava prevista para terça, mas acabou adiada para esta quarta diante do baixo número de senadores na sessão, o que trazia o risco de derrota.

"Não estou dizendo que ele é a favor da PEC, isso tem que ser indagado a ele, mas certamente ele compreende que a nossa intenção, por mais que eventualmente ele discorde, é de aprimorar o sistema Judiciário e melhorar a relação entre os Poderes", disse Pacheco.

No entanto, segundo interlocutores, Moraes afirmou a Pacheco que é contra a PEC. O ministro disse a aliados, porém, que não entraria em conflito com o presidente do Senado em razão do assunto.

A tramitação da proposta foi tomada por sinalizações eleitorais.

A ofensiva contra o STF sempre foi uma pauta de senadores aliados a Jair Bolsonaro (PL), mas ganhou tração justamente a partir de uma articulação entre o Senado e a ala opositora na Câmara, impulsionada pela bancada ruralista, a mais forte do Congresso no momento.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) já chegou a pedir o microfone do plenário para "fazer público esse agradecimento mais uma vez à vossa excelência, o presidente Rodrigo Pacheco".

"Isso é uma questão muito mais ampla que qualquer interesse eleitoral, meu ou de qualquer outro", rebateu Pacheco, após ser questionado pela Folha.

Alcolumbre é um dos possíveis candidatos à presidência do Senado em 2025.

Chamou a atenção de parlamentares o fato de o líder do PSD, Otto Alencar (BA), ter liberado a bancada, mesmo ele sendo do mesmo partido de Pacheco —ele foi favorável à matéria na votação.

Na análise de membros da oposição, ficou demonstrada uma movimentação eleitoral de Alencar, que é, por outro lado, um possível concorrente contra Alcolumbre pelo posto mais alto do Senado e do Congresso.

A interlocutores Otto disse que, caso tivesse sentido que a maior parte da bancada de seu partido seria contra a PEC, teria orientado o grupo desta forma.

Uma possível derrota na votação seria um grande revés para Pacheco e Alcolumbre.

"Rodrigo Pacheco está vinculado espiritual e politicamente aos conceitos dessa proposta", chegou a dizer o relator da matéria, Esperidão Amim (PP-SC).

Só PT e MDB, entre os partidos, orientaram contra a PEC, e o PSB, além do já citado PSD, liberou sua bancada. Todos os outros foram favoráveis, e o governo não orientou sua bancada.

Dentre os nomes que se posicionaram contra a proposta, apenas Romário (PL-RJ) e Leila Barros (PDT-DF) não são petistas, do MDB ou do PSD.

O PT de Lula somou 7 votos contra e o PSD de Pacheco, 4.

Eram necessários 49 votos para aprovação da PEC. Na terça, foi votado o chamado calendário especial —medida que permite que esse tipo de proposta tenha seus dois turnos de votação realizados no mesmo dia.

A deliberação do calendário teve 48 votos, suficiente para esse essa medida, mas menos do que seria necessário para o mérito do texto.

Nos bastidores, senadores ouvidos pela Folha reclamaram, ainda, também sob reserva, que houve pressão de membros do STF contra a PEC. Já nomes aliados ao governo Lula afirmam que a falta de mobilização é que provocou a mudança de planos.

Ministros do Supremo e aliados de Lula dizem acreditar que o texto terá tramitação mais lenta na Câmara.

Deputados próximos do presidente da Casa, o deputado Arthur Lira (PP-AL), não veem o tema como uma das prioridades dele no momento. E o próprio deputado sinalizou a magistrados do Supremo que não daria celeridade à proposta.

Parlamentares, porém, admitem que a ala da oposição deve fazer forte pressão para que a proposta avance e temem que o presidente da Câmara ceda.