segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Se as Torres Gêmeas caíssem hoje, Nova York apoiaria Osama bin Laden, João Pereira Coutinho, FSP

 


A idade é um posto. De observação, entenda. Olhando para 2002, consigo ver a reação do mundo à famosa "Carta à América" de Osama bin Laden, no rescaldo do 11 de Setembro.

Ninguém levou a sério. Não interessava se você era de esquerda ou de direita. Não interessava, coisa espantosa, se você era de extrema esquerda ou de extrema direita porque até esses radicais tinham uma reputação a defender.

Osama era um maluco tentando justificar a morte dos "infiéis". Ponto final, parágrafo.

Manhattan ao longe com uma das torres gêmeas já saindo fumaça e sangrando enquanto um avião se dirige para atacar a outra torre.
Ilustração de Angelo Abu para a coluna de João Pereira Coutinho de 20 de novembro de 2023 - Angelo Abu

Ó Deus, éramos felizes e não sabíamos! Quem diria que, duas décadas depois, a carta de Osama à América viraria sucesso no TikTok e restantes redes sociais?

A geração Z está rendida a Osama como seus pais, provavelmente, estavam rendidos a Che Guevara. Não sei se há camisetas em fase de produção, mas eu, se fosse investidor, investia.

O sucesso nas redes foi tanto que o The Guardian teve de remover a carta do seu site. O pessoal estava levando aquilo a sério, sem a necessária "contextualização".

Sem surpresas, a remoção da carta só serviu para reforçar a crença de que a carta era a Verdade (com maiúscula). Caso contrário, para que escondê-la?

Não vamos perder tempo com teorias da conspiração. Exceto para lembrar que a famosa carta tinha duas partes, definidas por duas perguntas.

"Por que estamos lutando e nos opondo a vocês?", eis a primeira pergunta de Osama. "Para que estamos chamando você e o que queremos de você?", eis a segunda. Desconfio que os osametes só leram a primeira.

Entendo. É a parte mais "racional", digamos assim: os ataques terroristas explicam-se com a presença americana no Oriente Médio e com o estado de Israel em terra muçulmana.

Se americanos e israelenses fizessem as malas, aí sim, haveria paz: os jihadistas sairiam das cavernas para abraçarem os irmãos sunitas ou xiitas, sem distinção, porque todos são filhos de Alá.

Com sorte, até a Benetton faria uma campanha publicitária no terreno, com sauditas e iranianos se beijando com alegria

De resto, Osama também justificava a matança de civis americanos com um raciocínio primoroso: são os civis que elegem governos e pagam impostos. Todos são cúmplices. Todos são alvos legítimos.

Aceitar essa premissa seria o mesmo que dizer que não há inocentes em Gaza porque o Hamas venceu as eleições em 2006 —um pensamento grotesco, sobretudo quando nos confrontamos com a inominável tragédia daquele povo martirizado.

Mas a carta tinha uma segunda pergunta, e uma segunda resposta, que não deve fazer o mesmo sucesso entre a geração Z. É aquele momento em que a Al Qaeda faz um ultimato ao Ocidente para que se converta ao Islã.

Isso tem um preço: abandonar as leis humanas e aceitar as leis divinas para a necessária purificação de certos crimes. Quais?

Pode anotar aí: fornicação, homossexualidade, drogas, jogo, feminismo e emancipação feminina.

Naqueles tempos bárbaros, Osama não perdia grande tempo com pronomes ou o gênero dos banheiros. Mas suspeito, sem um conhecimento aprofundado de teologia corânica, que talvez não fosse a sua praia.

Não sei se a geração Z, depois de aceitar o diagnóstico de Osama, estaria disponível para a respetiva terapêutica.

Mas uma coisa eu sei: duas décadas chegaram para que as dissertações de um terrorista se tornassem indistinguíveis do "senso comum" antiocidental que se vende por aí —nas redes, nas escolas, nas universidades e na mídia.

A idade é um posto de observação —para o passado, mas também para o presente. Se as Torres Gêmeas fossem derrubadas agora, não seria de excluir que Nova York ou Londres irrompessem em festejos, com cartazes de apoio a Osama bin Laden.

Teremos salvação? Mistério. Mas, se a salvação vier, será pela voz dos perseguidos, não pela indulgência da idiotia ocidental

Recentemente, no programa 60 Minutes, assisti a uma entrevista notável à ativista iraniana e defensora dos direitos das mulheres Masih Alinejad, que encontrou asilo nos Estados Unidos.

Nem aí está a salvo: a última tentativa do regime dos aiatolás para sequestrá-la envolvia o seu transporte por lancha até à Venezuela e posterior voo para Teerã.

Entre lágrimas, dizia Alinejad: se eu criticar o governo iraniano, sou morta; se um americano criticar o governo dos Estados Unidos, é normal. Suas lágrimas e suas palavras são o melhor retrato do nosso manicômio.

Juliano Spyer - Dois livros sobre maconha baseados em fatos reais, FSP

 Na semana passada, mergulhei em dois livros sobre maconha: o recém-lançado "As Flores do Bem", do neurocientista Sidarta Ribeiro, e "A Cannabis e o Cristão" (tradução livre), do teólogo estadunidense Todd Miles. Ambos utilizam extensivamente dados de pesquisas científicas, muitas vezes os mesmos dados, para chegarem a conclusões opostas. Enquanto um destaca os benefícios do uso recreativo, o outro considera as virtudes da planta insuficientes diante dos riscos do consumo.


Antes de prosseguir, esclareço que esta reflexão não abrange as relevantes aplicações do canabidiol para tratamentos médicos. Apenas argumento que o antídoto para anular as estratégias baseadas no medo não reside em retratar a maconha como uma solução universal, mas sim em examinar de forma desapaixonada os riscos do consumo recreativo.

O neurocientista Andrew Huberman, da Escola de Medicina de Stanford, poderia aderir à onda da legalização irrestrita, dada sua formação acadêmica e o contexto tolerante da Califórnia, o estado em que reside. No entanto, sua abordagem é ponderada. Ao contrário do teólogo Todd Miles, Huberman afirma que é relativamente seguro para adultos consumirem cannabis recreativamente, podendo, inclusive, trazer benefícios para aqueles que buscam relaxar.

0
Plantação interna de cannabis da Cannasure, empresa israelense de maconha medicinal - Lalo de Almeida -3.mar.20/Folhapress

Entretanto, há riscos associados ao consumo recreativo da maconha, especialmente durante a adolescência, quando a pressão social para transgredir pode ser mais forte. O consumo até os 25 anos aumenta significativamente a probabilidade de surtos psicóticos irreversíveis. "O principal efeito da cannabis é direcionar a atenção e o foco," explica Huberman. "O problema é que ela não atua como um filtro muito eficaz. Dessa forma, as pessoas podem concentrar-se exclusivamente em videogames ou em sua ansiedade, se já estiverem ansiosas." O perigo cresce em razão da potência muitas vezes superior das variedades vendidas atualmente em comparação com a planta encontrada na natureza.

Sidarta argumenta corretamente que a maconha foi demonizada para justificar a repressão a certos grupos da sociedade, especialmente de pretos pobres no Brasil. Contudo, "As Flores do Bem" incorre no mesmo problema de "A Cannabis e o Cristão": estabelecer uma conclusão previamente e dar ênfase às evidências que sustentam seu argumento.

O caminho para ressignificar a maconha não é negar o que foi dito sobre ela, retratando-a como um elixir universal para a felicidade, mas sim apresentar com clareza as possíveis contraindicações para o uso recreativo. E junto com isso, examinar em que medida o "uso recreativo" é uma maneira de se automedicar para tratar a ansiedade.