domingo, 12 de novembro de 2023

Ruy Castro Nenhum deles, "MPB", FSP

 


No domingo (5), meti-me numa discussão sobre o rótulo "MPB", criado pelas gravadoras nos anos 1960 para classificar um tipo de música que estava surgindo, difícil de definir, que não era bossa nova, samba, sertanejo ou rock. Se "MPB" tivesse se limitado a isso, tudo bem. O problema é que o rótulo logo passou a se aplicar a toda a música popular brasileira, analfabetizando o público quanto à riqueza rítmica dessa música. E com isso deixamos de notar que:

"A Banda", "Alegria, Alegria" e "Pra Frente, Brasil" não eram "MPB", eram marchas. "Máscara Negra" e "Bandeira Branca", marchas-rancho. "Atrás do Trio Elétrico", marcha-frevo. "Ponteio" e "Domingo no Parque", baiões. "Louvação", samba-baião. "Travessia", "Viola Enluarada", "Andança" e "Sabiá", toadas. "Disparada", moda de viola. "Caminhando", guarânia.

Os sucessos do iê-iê-iê —perdão, da Jovem Guarda—, como "Festa de Arromba", "O Calhambeque", "Vem Quente Que Eu Estou Fervendo" e "Mamãe Passou Açúcar em Mim", se tocados em versão apenas instrumental, sem aquelas letras debiloides e com arranjos vibrantes de Erlon Chaves, soariam como temas do swing, o ritmo das big bands americanas dos anos 1940, acredita? Falando nisso, "Rua Augusta" era um twist.

Já houve tempo em que balada era um ritmo, não sinônimo de farra, vide "Eu e a Brisa". "Roda Viva" era uma ciranda. "...das Rosas", uma valsa. "Ronda", "Carolina", "Ligia", "Até Quem Sabe", "Beijo Partido", "Folhas Secas", "As Rosas Não Falam" e dezenas de outros, sambas-canção.

E o que eram "Diz Que Fui Por Aí", "Quem Te Viu, Quem Te Vê", "Aquele Abraço", "Mudando de Conversa", "Pressentimento", "Sei Lá, Mangueira", "Você Abusou", "Tarde em Itapoã", "Apesar de Você", "País Tropical", "Foi um Rio que Passou em Minha Vida", "Águas de Março" e muitos e muitos mais? Sambas, grandes sambas.

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Nenhum deles, "MPB".

As cantoras Cynara e Cybele interpretam "Sabiá", de Chico Buarque de Hollanda e Tom Jobim, e levam o prêmio Galo de Ouro, durante o Festival Internacional da Canção, no Maracanãzinho, em 1968 - Folhapress

Lula, Lira e liderança, FSP


Fábio Pupo

Cobre economia pela Folha desde 2019. Especializado em jornalismo financeiro pela City, University of London

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), enviou ao governo o recado de que não será possível decidir o futuro da meta para as contas públicas de forma a eliminar as consequências em caso de descumprimento.

Lira lembrou o texto do novo arcabouço fiscal, que prevê a aplicação de sanções caso as contas do governo fiquem abaixo do piso inferior do objetivo traçado.

A principal delas é que as despesas devem crescer, no ano seguinte ao do descumprimento, abaixo de seu potencial máximo. De forma específica, também ficam proibidas iniciativas como concursos, contratações, reajustes salariais, criação de gastos obrigatórios e concessão ou ampliação de benefícios tributários.

O presidente Lula e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, durante posse de Barroso no STF - Pedro Ladeira/Folhapress

Lira quer ir além e mudar a Constituição para fazer uma reforma administrativa, inclusive ensaiando usar um texto nascido na gestão Bolsonaro e com o qual o governo não concorda nem um pouco.

A pressão de Lira pelo lado das despesas se fortalece enquanto perde força o objetivo do governo de perseguir receitas, missão cada vez mais isoladamente a cargo do ministro Fernando Haddad. Após Lula dizer que é desnecessário zerar o déficit no ano que vem, fica com menos tração o conjunto de propostas.

Entre elas, aquelas referentes à taxação de offshores e fundos exclusivos, usados tradicionalmente pelos mais ricos. Com isso, o país vai perdendo a oportunidade de discutir medidas que deveriam estar no alvo de um governo que se diz preocupado com a desigualdade no país.

Até porque o governo mesmo ressalta que grande parte da população ainda depende do Orçamento, por causa do Bolsa Família, do SUS, da educação pública e de outros exemplos –que demandam avaliação e revisão contínuas, tarefas que também vêm sendo deixadas em segundo plano pela gestão petista.

Ao subestimar a agenda de reequilíbrio fiscal, Lula pode ver a discussão ser imposta e liderada por outros agentes políticos. E com desfechos com os quais não concorda.

 

Inflação em baixa, Editorial FSP

 A inflação proporcionou uma nova surpresa positiva em outubro. A variação do IPCA, índice de preços ao consumidor que serve de referência para o Banco Central, foi de 0,24%, enquanto as expectativas rondavam 0,29%. Em 12 meses, a taxa caiu de 5,2%, medidos em setembro, para 4,8%.

A tendência de redução deve continuar nos próximos meses. As projeções atuais de analistas indicam que o IPCA deve encerrar este ano e o próximo com altas de 4,6% e 3,9%, respectivamente.

Mais importante, o comportamento dos itens com pressões de preços mais persistentes, como serviços, mostra sensível melhora, o que certamente agrada ao BC.

Em suas comunicações recentes, a autoridade monetária vem destacando que o processo de desinflação no Brasil seguirá dois estágios.

O primeiro, já em grande medida completo e independente da política de juros, incorpora a normalização das condições de oferta e demanda legados pela pandemia e a dissipação dos efeitos de conflitos geopolíticos nos preços globais das matérias-primas.

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A preocupação do BC, repetida nos últimos meses, diz respeito à segunda fase, mais vinculada às condições domésticas.

De um lado, a forte expansão de gastos públicos e a postura leniente do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em relação aos compromissos de controle orçamentário tendem a impulsionar a inflação.

Em contrapartida, os juros ainda muito elevados e o esperado esfriamento da economia nos próximos meses sugerem desaceleração dos preços, mesmo diante de riscos internacionais salientados pelo BC —como persistência dos juros internacionais em alta, novos conflitos geopolíticos e renovadas pressões nas matérias-primas.

É notável, ademais, que a inflação no Brasil seja hoje próxima ou até inferior à observada em países desenvolvidos, evidência clara do sucesso obtido pelo BC a despeito das críticas ligeiras e imprudentes de parte do governo e do PT.

Diante desses resultados, fica preservado o espaço para a continuidade do ciclo de cortes da taxa de juros nos próximos meses, talvez para 9% até meados de 2024.

O alívio significativo do torniquete monetário é essencial para que se possa antever um cenário econômico mais promissor. Contribuir para que tal cenário se realize é tarefa essencial do Executivo —que tem falhado na missão de restabelecer a segurança fiscal.

editoriais@grupofolha.com.br