sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Quando o golpismo está no sangue, Hélio Schwartsman, FSP

 

Por que os militares brasileiros são tão golpistas? Há várias respostas possíveis. Daria até para afirmar que não são, já que não houve ruptura por aqui, apesar dos estímulos do ex-presidente Jair Bolsonaro a uma. Mas, se desta vez as forças castrenses não atravessaram o Rubicão, acho difícil negar que elas tenham nítida predileção por um discurso autoritário de direita e que caminharam perigosamente perto do golpe, ao não rejeitá-lo "ab ovo" como teriam exigido a Constituição e o pudor republicano. Por quê?

Exploro hoje um aspecto quase sempre negligenciado que é a combinação da psique humana com o caráter meio endogâmico das famílias militares. Tudo começa com um processo de autosseleção. No Ocidente, verifica-se um excesso de gente de direita nas carreiras militares, assim como é mais comum ver pessoas de esquerda na academia. Traços de personalidade explicam parcialmente. A abertura ao novo é uma característica valorizada nas universidades que também está mais presente no blend da mentalidade esquerdista. Já a conscienciosidade (gosto por hierarquia e previsibilidade), que ajuda na caserna, aparece com mais destaque nos tipos direitistas.

Destaque para coturnos de militares que fazem a guarda do Palácio do Planalto - Gabriela Biló/Folhapress

Soldados também tendem a casar-se com filhas de soldados (e agora com soldadas) para gerar soldadinhos. Isso não surpreende. É comum que filhos sigam a profissão dos pais. Como resultado, não são poucos os militares de hoje com pai, tios ou avós que também foram militares e serviram nos anos 1960 e 1970. O problema desse elemento dinástico é que ele vem dificultando que as Forças Armadas reconheçam que cometeram crimes na ditadura. Os atuais soldados não querem ver seus parentes como autores de delitos contra a humanidade. Preferem ver vovô e titio como "heróis" que combateram o comunismo.

Nosso erro foi não ter levado a uma justiça de transição os responsáveis pelas torturas assim que reconquistamos a democracia.

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Vicente Barreto é artista que não se repete, FSP

 Sabe-se que todo pássaro é uma ave, mas nem toda ave é um pássaro. Ave é termo utilizado para nos referirmos a todos os animais pertencentes à classe Aves, enquanto pássaro serve para indicarmos indivíduos do grupo, ou melhor, da ordem Passeriforme. Entre as características dessa ordem destaca-se a capacidade de cantar, o que nem toda ave faz.

Da mesma maneira, ao reelaborar sua arte de compor e tocar violão com destreza, o artista Vicente Barreto se diferencia de artesãos, pois sendo artista ele nunca se repete.

Em foto colorida, o compositor, cantor e violonista Vicente Barreto aparece tocando e cantando no show de lançamento do álbum 'Paleolírico', no Sesc Santana, em São Paulo
O compositor, cantor e violonista Vicente Barreto no show de lançamento do álbum 'Paleolírico', no Sesc Santana, em São Paulo - Carlos Bozzo Junior/Folhapress

Há muito o baiano Barreto desmistifica, por meio de bastante trabalho, estudo, pesquisa e dedicação, a malemolência injustamente atribuída a seus conterrâneos. Seus mais de 50 anos de sólida carreira comprovam o fato por meio de seus shows e mais de dez discos lançados.

O mais recente, "Paleolírico", não foge à regra. Tanto o show homônimo quanto o álbum com 11 faixas, lançado recentemente pelo selo Sesc, trazem muita novidade na arte de amealhar os sons.

O show, assistido na última quinta-feira (26) por este repórter no Sesc Santana, em São Paulo, comprova que o disco pode ser reproduzido no palco, mas sem se repetir, pois suas músicas transformam-se quando interpretadas por sua bela voz e maneira única de tocar o violão.

É bom frisar que repetição não faz parte do trabalho de Barreto. Como artista legítimo, o baiano criativo e trabalhador inova a cada disco, mas sem nunca deixar de lado sua essência firmemente moldada pelo bom gosto, suingue e experiências musicais adquiridas, ainda criança, ao ouvir o som da sanfoninha pé de bode na feira de sua cidade. Ou convivendo com o repertório dos bailes em que tocava, gravando com outros músicos ou acompanhando artistas como Tom Zé, de quem também é parceiro.

Parceria também é uma coisa muito respeitada pelo baiano que já compôs com muita gente da antiga e se renova com artistas da atual cena da MPB. Sempre gente de talento como Vinicius de Moraes (1913-1980), Paulo César Pinheiro, Paulinho Pedra Azul, Zeca Baleiro, Alessandra Leão, Rafa Barreto e Manu Maltez, entre outros, além de Alceu Valença, com quem Barreto divide as autorias de "Morena Tropicana", "Cabelo no Pente", "Pelas Ruas que Andei", "Tirana", "Dia de Cão", "Vou pra Campinas" e "Pirapora".

Em foto colorida, a cantora Alessandra Leão, o artista plástico Manu Maltez e o compositor Vicente Barreto aparecem cantando
Da esquerda para a direita, a cantora Alessandra Leão, o artista plástico Manu Maltez e o compositor Vicente Barreto, no show de lançamento do álbum 'Paleolírico', em São Paulo - Carlos Bozzo Junior/Folhapress

No show e no álbum houve a participação da cantora, compositora e percussionista pernambucana Alessandra Leão, destaque em tudo que faz, incluindo a contagiante "Quando Cheguei", composição dela e Vicente Barreto. Tem ainda a presença do artista plástico e compositor Manu Maltez, diretor artístico do disco e parceiro de Barreto em "Paleolírico", "Suçuarana", "Niéde Guidon" e "Sanfoninha Pé de Bode"; de Rafa Barreto (guitarra, sintetizador e coprodutor do disco), filho de Vicente, e parceiro em "Rasante Seco" e "Palavra Vital", além da participação dos músicos Caê Rolfsen (baixo, sintetizador e produtor do disco) Bruno Prado (percussão) e Gustavo Dalua (percussão).

A música "Flor de Cimento", parceria de Vicente Barreto com Zeca Baleiro, traz a voz e trechos do poema "Quantos Sacos de Cimento Há em Ti São Paulo" do poeta pernambucano João Flávio Cordeiro da Silva, conhecido pelo pseudônimo de Miró da Muribeca (1960-2022). Simplesmente arrebatadora, a canção remete a uma espécie de lamento, ou melhor, a um triste aboio urbano.

Enquanto "Rebatida", do próprio Barreto, ocupa o lugar de única instrumental do álbum e do show, "Forrózim", em parceria com Paulinho Pedra Azul, é a que finaliza o espetáculo, fazendo com que o público repita seu delicioso refrão: "É o vai e vem/ É o vem e vai/ É no forró que a gente dança, mas não cai".

Talvez a única repetição que cause enfado ao público que conhece Vicente Barreto, e ao próprio artista -que chegou a comentar no show- é o fato de as pessoas conhecerem suas músicas, mas não o conhecerem.

No entanto, há uma máxima que serve para tirar de seus fãs e do profícuo artista o aborrecimento que os molesta: "Pelas obras e não pelo vestido, é o homem conhecido".

Acordo obtido pelo MPSP permitirá recuperar mais de R$ 220 mi no caso Maluf, MPSP

 O MPSP e o município de São Paulo assinaram nesta terça-feira (24/1) um acordo que prevê a devolução aos cofres públicos de aproximadamente R$ 223 milhões desviados em esquema que teve a participação do ex-prefeito Paulo Maluf. O pacto estabelece ainda o pagamento de cerca de R$ 117 milhões em despesas e custos de processos existentes em Jersey e Ilhas Virgens Britânicas, paraísos fiscais para onde parte do montante obtido foi ilicitamente enviado.

Assinaram o acordo os membros do MPSP Silvio Marques, Karyna Mori e José Carlos Blat, todos da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, assim como a procuradora-geral do município de São Paulo, Marina Magro Beringhs Martinez, a empresa brasileira Eucatex e as “offshore" Kildare, Durant e MacDoel, com a interveniência do Banco BTG Pactual. Trata-se de ajuste firmado no âmbito da ação civil pública proposta em 2009 contra Maluf e outros. O processo diz respeito a desvio de verbas das obras da Avenida Jornalista Roberto Marinho e Túnel Airton Senna, entre 1993 e 1998.

Pelo acordo, o Banco BTG Pactual, que é apenas adquirente e não tem nenhuma relação com os fatos investigados, vai adquirir ações ordinárias e preferenciais da Eucatex e créditos discutidos nos autos. O banco pagará o equivalente a R$ 270 milhões, enquanto a Eucatex repassará cerca de R$ 35 milhões. Além disso, o município receberá valores depositados em duas ações judiciais em São Paulo, com o total de R$ 35 milhões, que pertenciam a uma das empresas “offshore”.

A ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público de São Paulo após intensas investigações nacionais e internacionais iniciadas em 2001. Segundo o apurado pela Promotoria, Paulo Maluf e outras pessoas desviaram mais de 300 milhões de dólares de verbas municipais, enviando valores para contas localizadas nos Estados Unidos, na Suíça, Inglaterra, em Jersey e outros países. Uma parte do total “lavado” no exterior foi remetida para contas de um banco na Ilha de Jersey. Entre 1999 e 2000, as empresas “offshore” Durant e Kildare, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, adquiriram debêntures da Eucatex meio de “trusts” e fundos controlados por Flávio Maluf e irmãos. Essas debêntures foram depois convertidas em ações ordinárias e preferenciais da companhia. Portanto, houve aplicação do dinheiro desviado do município de São Paulo para investimentos na Eucatex, controlada pela família Maluf.

Caso seja homologado, o acordo assinado acarretará a exclusão da Eucatex, Durant, Kildare e MacDoel do processo. Além disso, levará à extinção de ações existentes na Ilha de Jersey e Ilhas Virgens Britânicas, onde deverá ser extinta a liquidação das empresas Durant e Kildare, com pagamento de volumosos custos processuais fixados judicialmente.

De acordo com os promotores do caso, mais de 1 milhão de libras frutos dos desvios foram recuperadas entre 2010 e 2013. Já em 2014, acordos firmados pela Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social, Prefeitura de São Paulo e quatro bancos internacionais permitiram a devolução de 55 milhões de dólares, valor que ajudou na viabilização do Parque Augusta. Em 2020, foi possível repatriar 8,4 milhões de dólares mediante adiantamento feito pelos liquidantes nomeados em Jersey e nas Ilhas Virgens Britânicas.

As investigações do Ministério Público Federal e Ministério Público de São Paulo levaram a investigações nos Estados Unidos, em Jersey, na França e Suíça, além do Brasil. Nos Estados Unidos, Paulo e Flávio Maluf tiveram prisão decretada. Na França, Paulo, Flávio e Sylvia Maluf receberam condenação a três anos de prisão e multa de 1,8 milhão de euros. No Brasil, Paulo Maluf foi condenado a penas de prisão de sete anos e nove meses de prisão, mais multa.