Genocídio é provavelmente o mais controverso dos tipos penais. Ele gera polêmica desde a primeira tentativa de utilização, no Tribunal de Nuremberg (1945-46). Quem conta maravilhosamente bem essa história é Philippe Sands em "East West Street", livro que já comentei aqui. Por que o enquadramento por genocídio faz tanto barulho? Basicamente, ele leva para os tribunais a distinção entre indivíduo e grupo, ou entre abordagens universalistas e identitárias, que se tornou palco central das guerras culturais.
Quem criou o conceito de genocídio foi Rafal Lemkin, um advogado polonês de origem judaica. A obra em que ele trata do tema é "Axis Rule in Occupied Europe". Lemkin fez um intenso trabalho de lobby com juízes e promotores de Nuremberg para que a cúpula nazista respondesse por genocídio. O termo até apareceu na etapa de indiciamento dos réus, mas, para desgosto de Lemkin, não foi usado nas fases posteriores.
Um dos principais responsáveis para que as acusações de genocídio não prosperassem foi Hersch Lauterpacht, também advogado, também judeu. Lauterpacht admirava o idealismo de Lemkin e partilhava seu objetivo de usar o direito internacional para prevenir massacres, mas não gostava nem um pouco do tipo penal de genocídio, que via como pouco prático (é muito difícil provar a intenção de exterminar um grupo) e politicamente perigoso. Ele preferia usar o conceito de crimes contra a humanidade (que lida com direitos individuais sem referência a grupos e põe menos ênfase na intenção).
Na ponta do lápis, Lauterpacht provavelmente tem razão. É mais fácil condenar algozes por crimes individuais do que entrar em suas mentes para aferir um dolo ultraespecífico. Mas, por razões psicológicas, as pessoas parecem fazer questão não apenas de ver perpetradores condenados, mas condenados pelo "crime certo". E aí genocídio tem muito mais apelo do que homicídios, mesmo que em série.