sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Genocídio é tipo penal que gera grandes controvérsias, Hélio Schwartsman, FSP

 

Genocídio é provavelmente o mais controverso dos tipos penais. Ele gera polêmica desde a primeira tentativa de utilização, no Tribunal de Nuremberg (1945-46). Quem conta maravilhosamente bem essa história é Philippe Sands em "East West Street", livro que já comentei aqui. Por que o enquadramento por genocídio faz tanto barulho? Basicamente, ele leva para os tribunais a distinção entre indivíduo e grupo, ou entre abordagens universalistas e identitárias, que se tornou palco central das guerras culturais.

Quem criou o conceito de genocídio foi Rafal Lemkin, um advogado polonês de origem judaica. A obra em que ele trata do tema é "Axis Rule in Occupied Europe". Lemkin fez um intenso trabalho de lobby com juízes e promotores de Nuremberg para que a cúpula nazista respondesse por genocídio. O termo até apareceu na etapa de indiciamento dos réus, mas, para desgosto de Lemkin, não foi usado nas fases posteriores.

Yanomamis fazem fila para receber cestas básicas distribuídas por militares em ação conjunta do Exército e da Força Aérea Brasileira - Divulgação/Comando Militar da Amazônia (CMA)

Um dos principais responsáveis para que as acusações de genocídio não prosperassem foi Hersch Lauterpacht, também advogado, também judeu. Lauterpacht admirava o idealismo de Lemkin e partilhava seu objetivo de usar o direito internacional para prevenir massacres, mas não gostava nem um pouco do tipo penal de genocídio, que via como pouco prático (é muito difícil provar a intenção de exterminar um grupo) e politicamente perigoso. Ele preferia usar o conceito de crimes contra a humanidade (que lida com direitos individuais sem referência a grupos e põe menos ênfase na intenção).

Na ponta do lápis, Lauterpacht provavelmente tem razão. É mais fácil condenar algozes por crimes individuais do que entrar em suas mentes para aferir um dolo ultraespecífico. Mas, por razões psicológicas, as pessoas parecem fazer questão não apenas de ver perpetradores condenados, mas condenados pelo "crime certo". E aí genocídio tem muito mais apelo do que homicídios, mesmo que em série.

MOTORES GLOBAIS, EDITORIAL fsp

 Com alta de 2,9% no quarto trimestre, em número anualizado, a economia americana encerrou 2022 com crescimento de 2,1% e continua dando sinais de robustez, desafiando prognósticos mais pessimistas de uma recessão iminente.

O que há até o momento é uma bem-vinda moderação que ajuda a reduzir pressões inflacionárias. O consumo e o investimento domésticos subiram 2,2% no ano passado, bem abaixo da tórrida expansão de de 8,1% em 2021.

Setores mais sensíveis ao aumento de juros promovido pelo Fed, o banco central americano, já mostram comportamento diverso. A construção civil tem apresentado queda anualizada superior a 20%, e parece diminuir a demanda interna por bens e serviços.

É um resultado desejável, diante da necessidade de fazer a inflação ao consumidor cair dos 6,4% de 2022 para algo mais próximo da meta de longo prazo de 2% num horizonte não muito distante.

Os dados mais recentes caminham nessa direção, e por isso os mercados financeiros já se mostram mais confiantes de que o rápido ciclo de alta do custo do dinheiro se encerre em breve, com juros na casa de 5% ou um pouco mais.

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A principal incerteza ainda está no mercado de trabalho. Com taxa de desemprego de 3,5%, não distante da mínima histórica, os salários ainda sobem de 4,5% a 5% ao ano, muito acima da produtividade e do que seria compatível com a meta de inflação. Daí o desejo da autoridade monetária por uma contenção, que talvez não possa ser obtida sem um período recessivo.

Nos últimos meses, entretanto, os dados caminharam na direção mais vantajosa, e este 2023 se inicia com uma combinação benigna —a perspectiva de estabilização dos juros e menos inflação nos Estados Unidos pode viabilizar o desejado pouso suave.

Há outros fatores globais promissores no curto prazo. O abandono da política de Covid zero na China prenuncia forte aumento da demanda no gigante asiático, e alta do Produto Interno Bruto de pelo menos 4,5%, ante 3% em 2022.

Uma aceleração desse tipo sempre resulta em impulso para o restante do mundo, em particular para países emergentes que dependem da exportação de matérias-primas, caso do Brasil.

Melhores notícias também aparecem na Europa, com menos risco de recessão em razão da diminuição dos preços de energia.

Para nós, os ventos externos ainda são favoráveis. Preços de commodities elevados, maior demanda chinesa, queda do dólar e impulso a fluxos de capitais para emergentes sugerem menos pressão para que o governo indique logo o rumo a seguir na economia. Não convém contar com a sorte, porém.

editoriais@grupofolha.com

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Filme antigo, editorial FSP

 

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursa em encontro com empresários durante a Celac, em Buenos Aires - Agustin Marcarian/Reuters

Que o Brasil tornou-se um pária internacional sob o governo Jair Bolsonaro (PL) —pretensão anunciada com orgulho por seu delirante chanceler Ernesto Araújo— não é segredo para ninguém.

Assim, a reestreia de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no palco internacional como presidente veio carregada de expectativa, dada a energia dedicada por ele à área externa nos dois mandatos anteriores.

Simbolicamente, ela ocorreu numa reunião da Celac, clube de países latino-americanos e caribenhos abandonado por Bolsonaro. Se o Brasil quer ser o líder regional digno de suas dimensões econômica e demográfica, obviamente precisa estar em contato com os vizinhos.

A oportunidade, contudo, foi gasta com retórica. Lula levou consigo um arsenal de fórmulas vencidas e um discurso retrógrado, remanescentes do contexto das gestões da década retrasada.

Ali, impulsionado pela fome por commodities de uma China em ascensão, o petista lançou diversos mecanismos para promover o que chamava de diplomacia Sul-Sul, em oposição ao tradicional eixo com a Europa e os Estados Unidos.

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Algumas iniciativas até faziam sentido naquele momento, como o bloco Brics, que reunia também China, Rússia, Índia e, depois, África do Sul. Outras eram natimortas, como a Unasul, uma tentativa de ampliar o cambaleante Mercosul.

Agora, é tudo história. Cada nação do Brics tem uma realidade geopolítica divergente da dos colegas, e a recente pressão uruguaia para fazer um acordo de livre comércio com os chineses relembra os limites do clube meridional.

Mais preocupante do que o saudosismo é o risco da volta de práticas desastrosas, encarnadas na renovada aliança com a Argentina do malogrado Alberto Fernández.

Se é claro que o Brasil deveria retomar laços rompidos pelo governo anterior, o pacote de boas-vindas de Lula tem elementos que causaram fiascos no passado.

À sugestão irrealista de uma moeda comercial comum com Buenos Aires, onde quase ninguém aceita o peso nacional para transações triviais, soma-se a ideia quixotesca de que o BNDES poderá voltar a financiar projetos regionais, como o gasoduto de Vaca Muerta.

Ligando o Brasil a uma província de gás de xisto, cuja exploração é criticada por dez entre dez ambientalistas, a obra tem tudo para repetir calotes dados por amigos como a Venezuela no banco brasileiro.

Temperando tudo, a contumaz incapacidade petista de criticar as ditaduras de esquerda, como os regimes autoritários de Caracas e Havana —para Lula, eles merecem "carinho". O mundo, como explicitou o presidente de centro-direita do Uruguai em seu discurso na Celac, é bastante diferente hoje.

editoriais@grupofolha.com