Defendi aqui, duas semanas atrás, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enquadrasse os militares. Disse que seria preferível fazê-lo sem alarde, contornando crises, mas não foi possível. Quanto mais escarafunchamos as movimentações golpistas do bolsonarismo, mais evidentes ficam as omissões, ambiguidades e insubordinações da cúpula militar. E isso é intolerável.
Na democracia, exércitos precisam sujeitar-se às autoridades eleitas. Em hipótese nenhuma determinam o que o governo pode ou não fazer. Se, para fazer-se obedecer, o presidente precisar passar para a reserva cada um dos generais de quatro estrelas e sucedâneos, que o faça. É improvável que, descendo na escala hierárquica, não se encontrem oficiais verdadeiramente comprometidos com os valores democráticos.
E reintroduzir os princípios da legalidade e da devida obediência na linha de comando é só uma das tarefas urgentes diante do novo governo. É preciso também, entre várias outras medidas, avançar na despolitização dos quadros castrenses. Limitar severamente sua participação em cargos na administração me parece um imperativo. O melhor jeito de comprar a "lealdade" de uma pessoa é arranjar-lhe uma boquinha, o que recomenda acabar com elas.
Não acho que Lula deva torturar (no sentido figurado) os militares, mas não precisa temer que façam cara feia. Se havia uma chance de embarcarem numa aventura golpista, ela ficou muito reduzida após o fim do mandato de Jair Bolsonaro e a patacoada do dia 8 de janeiro.
O Exército é provavelmente a única força com capacidade de impor-se ao país pelas armas, mas o custo político de fazê-lo é tão alto que gera um delicioso paradoxo. Governos têm motivos para temer certas categorias profissionais. Se lixeiros e caminhoneiros param, sobrevém o caos; se policiais fazem operações-padrão, idem. Mas, se o Exército se embrenhar em algo parecido, ninguém vai perceber. Meios-fios mal pintados?