terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Hélio Schwartsman - Lula precisa enquadrar os militares- FSP

 Defendi aqui, duas semanas atrás, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enquadrasse os militares. Disse que seria preferível fazê-lo sem alarde, contornando crises, mas não foi possível. Quanto mais escarafunchamos as movimentações golpistas do bolsonarismo, mais evidentes ficam as omissões, ambiguidades e insubordinações da cúpula militar. E isso é intolerável.

Na democracia, exércitos precisam sujeitar-se às autoridades eleitas. Em hipótese nenhuma determinam o que o governo pode ou não fazer. Se, para fazer-se obedecer, o presidente precisar passar para a reserva cada um dos generais de quatro estrelas e sucedâneos, que o faça. É improvável que, descendo na escala hierárquica, não se encontrem oficiais verdadeiramente comprometidos com os valores democráticos.

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Militares posicionados durante solenidade alusiva ao Dia do Soldado, na Concha Acústica do Exército, em Brasília, com a presença do presidente Jair Bolsonaro - Gabriela Biló - 25.ago.22/Folhapress

E reintroduzir os princípios da legalidade e da devida obediência na linha de comando é só uma das tarefas urgentes diante do novo governo. É preciso também, entre várias outras medidas, avançar na despolitização dos quadros castrenses. Limitar severamente sua participação em cargos na administração me parece um imperativo. O melhor jeito de comprar a "lealdade" de uma pessoa é arranjar-lhe uma boquinha, o que recomenda acabar com elas.

Não acho que Lula deva torturar (no sentido figurado) os militares, mas não precisa temer que façam cara feia. Se havia uma chance de embarcarem numa aventura golpista, ela ficou muito reduzida após o fim do mandato de Jair Bolsonaro e a patacoada do dia 8 de janeiro.

O Exército é provavelmente a única força com capacidade de impor-se ao país pelas armas, mas o custo político de fazê-lo é tão alto que gera um delicioso paradoxo. Governos têm motivos para temer certas categorias profissionais. Se lixeiros e caminhoneiros param, sobrevém o caos; se policiais fazem operações-padrão, idem. Mas, se o Exército se embrenhar em algo parecido, ninguém vai perceber. Meios-fios mal pintados?

Lula assume comando das Forças, Cristina Serra _FSP

 Lula tem feito apelos à pacificação do país e é um conciliador. Mas esse perfil não pode ser confundido com falta de autoridade. Foi o que o presidente deixou claro ao assumir seu papel de comandante supremo das Forças Armadas e determinar a exoneração do general Júlio César de Arruda da chefia do Exército.

Arruda dera seguidas mostras de insubordinação à autoridade presidencial, desde que impedira o desmonte do acampamento de terroristas em frente ao QG do Exército, na noite de 8 de janeiro, com a segurança do DF já sob intervenção federal. Arruda esticou a corda e peitou Lula, achando que ficaria por isso mesmo. Não ficou.

O general Júlio César de Arruda, demitido do cargo de comandante do Exército por Lula - Divulgação/Comando Militar do Leste/Arquivo 2019

Lula o substituiu pelo general Tomás Ribeiro Paiva, comandante militar do Sudeste. Na quarta-feira (18), com a crise em torno de Arruda em ponto de fervura, Paiva aproveitou cerimônia interna com a tropa para fazer uma defesa da legalidade e do respeito às eleições (o discurso foi divulgado nas redes sociais do comando). Três dias depois, Paiva seria nomeado o sucessor de Arruda.

A defesa da legalidade é bem-vinda, mas só pode ser considerada extraordinária diante do cenário de anômala partidarização das Forças Armadas no Brasil. Convém lembrar que Paiva foi chefe de gabinete de Eduardo Villas Bôas, o general tuiteiro que, em abril de 2018, pressionou o STF na véspera da votação do habeas corpus de Lula. O resto você sabe.


Defender a legalidade, a democracia e a normalidade institucional é obrigação de qualquer militar decente e comprometido com seu país. Paiva terá que investigar a cadeia de comando permissiva (ou cúmplice?) diante do assalto terrorista ao Planalto, que envolve o Batalhão da Guarda Presidencial e o Comando Militar do Planalto.

Também terá que decidir sobre a reversão da nomeação do office boy de Bolsonaro para o comando de unidade militar estratégica, em Goiânia. Tais tarefas exigirão bem mais do que a já conhecida loquacidade do novo comandante.

Meus heróis morreram de overposting, Manuela Cantuária, FSP

 Quando digo heróis, não me refiro ao arquétipo do semideus com uma espada em punho, e sim aos seres humanos que admiro. Quando digo overposting, é meio que isso mesmo, não tem mistério. Literalmente.

Uma das minhas pessoas favoritas não tem nenhum perfil nas redes sociais. Talvez por isso seja uma das minhas pessoas favoritas: porque não tenho acesso à sua versão virtual desesperada por atenção em uma saga para transformar sua vida em entretenimento barato.

Quando dizem que as redes sociais são tóxicas, sempre lembro daquele slogan da Kodak: "Você aperta o botão, nós fazemos o resto". Sim, as redes sociais são todas pensadinhas para viciar como crack, mas quem aperta o botão somos nós.

Ilustração de uma mão segurando um celular e deste saindo várias fotinhos como se fossem posts de Instagram, por cima de uma nuvem com as cores do logo Instagram: rosa, amarelo, laranja
Ilustração de Silvis para a coluna de Manuela Cantuária de 23.jan.2023 - Silvis

É uma curtição em que ninguém parece estar curtindo de verdade: a pessoa infeliz edita e publica um conteúdo para provar para outra pessoa que está feliz, daí essa outra pessoa se pergunta por que não está tão feliz quanto a pessoa que parece estar feliz mas não está e, se sentindo infeliz, agora também quer mostrar que está feliz mesmo que não esteja e assim por diante.

Recentemente, fiz um detox de posts de amigos e alguns chegaram a me perguntar: "por que você não me curte mais?". Respondi que não era nada pessoal, o que foi a forma mais educada que encontrei de dizer que não vou permitir que a versão virtual dele se coloque no meio da nossa amizade.

Pois quando minha pessoa favorita, sem arroba, chique até dizer chega, pediu meu celular para stalkear nossos amigos em comum, eu já sabia o que ia acontecer.

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Vi o brilho dos seus olhos se esvair quando descobriu que um deles tinha um feed conceito (lê-se: polui o planeta fotografando em 35mm o que há de mais desinteressante com a pretensão de parecer uma pessoa interessante); outro reproduzia trends do Tik Tok (lê-se: sem qualquer pretensão de parecer uma pessoa interessante e/ou com excesso de tempo livre), outro era um lacrador compulsivo que não conseguia postar uma foto de pet sem cunho político; outro, uma metralhadora giratória de selfies que pesava a mão no filtro ao ponto se tornar irreconhecível.

Todos, na verdade, eram irreconhecíveis em relação às suas versões humanas. Talvez porque quando a gente se esforça demais para parecer uma versão melhor de nós mesmos, essa acaba sendo a nossa pior versão.