sábado, 21 de janeiro de 2023

A miragem do 'Sul Global', Demetrio Magnoli, FSP

 

Abril, nas estimativas da ONU, é o mês da ultrapassagem. No final de 2023, a Índia terá 1,428 bilhão de habitantes, contra 1,426 da China. Mais que um número, é um sinalizador. A população chinesa logo começará a decrescer, enquanto a indiana só atingirá o ápice (1,7 bi) em 2064. A China encara o "fenômeno 4-2-1": uma única criança para dois pais e quatro avôs; na Índia, pelo contrário, expande-se a parcela da população em idade ativa.

As tendências demográficas oferecem vantagem à Índia, num horizonte de décadas. Imediatamente, a ultrapassagem confere-lhe um triunfo simbólico, com impactos psicológicos sobre uma crônica rivalidade geopolítica.

Nos idos de 1955, o "espírito de Bandung", da conferência inaugural do Movimento dos Países Não-Alinhados, anunciou uma aproximação sino-indiana. Durou pouco: a guerra de fronteira de 1962 abriu uma funda ferida, deslocando a Índia para a cooperação econômica e militar com a URSS e selando a aliança sino-paquistanesa.

O indiano Narendra Modi em visita a Pequim, em 2015 - Greg Baker - 15.mai.15/AFP

Três décadas mais tarde, após o fim da Guerra Fria e a implosão do Estado soviético, esboçou-se uma efêmera reaproximação. O movimento, porém, foi interrompido com a operação militar dos EUA no Afeganistão. A derrubada do regime do Talebã, aliado do Paquistão, estreitou as relações indo-americanas. Em 2007, a Índia ingressou no Quad (Diálogo de Segurança Quadrilateral), uma aliança forjada por EUA, Japão e Austrália como contraponto à influência chinesa no Indo-Pacífico.

A ascensão de Xi Jinping, em 2012, marcou um salto nas ambições chinesas. China First –a política externa do novo Grande Timoneiro estruturou-se sobre duas estratégias contraditórias. Globalmente, sob o conceito da Diplomacia de Grande Potência, a Índia deveria ser cortejada como parceira prioritária e afastada das iniciativas geopolíticas dos EUA no Indo-Pacífico. Regionalmente, sob a Estratégia de Vizinhança, destinada a converter a China em liderança asiática inconteste, a Índia precisaria se dobrar à hegemonia chinesa. O dilema, que segue sem resolução, envenenou as relações bilaterais.

Mais ou menos congelado desde 2008, o Quad reativou-se em 2017 e, quatro anos depois, numa mensagem direta a Xi Jinping, declarou como suas metas "um Indo-Pacífico livre e aberto" e "uma ordem marítima baseada em regras nos mares da China Oriental e Meridional". A adesão do governo nacionalista hindu de Narendra Modi ao comunicado assinalou uma nítida ruptura com a tradicional política indiana de não-alinhamento.

Meses antes do comunicado, em meados de 2020, confrontos na linha contestada de fronteira do Ladakh e do Tibete reacenderam a fogueira da rivalidade sino-indiana. No remoto vale do Galwan, junto à imponente cordilheira de Karakoram, escaramuças entre soldados deixaram 20 indianos e quatro chineses mortos. O incidente foi provocado pela construção de estradas e infraestruturas militares chinesas na faixa fronteiriça do Aksai Chin, uma "área sob disputa reconhecida", segundo a curiosa fórmula do jargão bilateral.

A China fala em isolar as disputas na fronteira da relação mais ampla entre os dois países. Entretanto, do ponto de vista da Índia, a estabilização fronteiriça é definida como condição indispensável para a normalização das relações. Depois dos confrontos, Modi baniu aplicativos controlados pelo vizinho e bloqueou vultosos investimentos chineses da chamada Nova Rota da Seda. No final de 2022, forças da Índia e dos EUA conduziram exercícios conjuntos no estado de Uttarakhand, nas cercanias do Tibete chinês.

Nos círculos de política externa do governo Lula prevalece a visão romanceada do eixo Sul-Sul, uma tentativa ilusória de atualização das doutrinas terceiro-mundistas do passado. Contudo, o "Sul Global" deve ser descrito como miragem: um campo de competição entre China e Índia, separadas por um abismo geopolítico


Rodrigo Zeidan - Imposto de Renda injusto, FSP

 As distorções de impostos de renda no Brasil são imensas, tanto na pessoa física quanto na jurídica. Contudo, a falta de atualização da tabela do Imposto de Renda não é uma delas; quando um governo não a atualiza, está simplesmente aumentando impostos para os brasileiros assalariados.

Como grande parte do sistema de impostos no Brasil, as regras do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) estão recheadas de penduricalhos. A maioria é distribuição de benesses que podem até fazer sentido à primeira vista, mas são inerentemente injustas em um dos países mais desiguais do mundo.

Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo em 12 de abril de 2017 - Dário Oliveira - 12.abr.2017/Folhapress

Dois dos principais penduricalhos feitos com boas intenções, mas que deveriam ser revistos, são a isenção de Imposto de Renda sobre aposentadorias para portadores de doença grave e a falta de limite nas deduções com gastos de saúde da base de cálculo do imposto.

Nos dois casos, o problema não é fraude, que deve existir, mas é o fato de que o Estado não deve, ao mesmo tempo, oferecer sistema de saúde universal e subsidiar indiretamente quem não for usá-lo. E não, não vale o argumento de "eu não me incomodaria de pagar imposto se o recebesse de volta". Em qualquer país há contribuidores líquidos e recebedores líquidos de impostos. Normalmente, quem reclama que paga muito Imposto de Renda está na faixa dos mais ricos do país. Nem no Brasil, nem na Dinamarca, nem em Plutão alguém que está entre os mais ricos de uma sociedade deve receber de volta o que paga em impostos.

Minha sogra tem a benesse de não pagar Imposto de Renda na sua aposentadoria por ter tido um câncer, apesar de ter sido curada (há 20 anos!) e não ter nenhuma sequela da doença. Isso é um absurdo.

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Parece maldade discutir isenções e abates com gastos de saúde em um país no qual os hospitais públicos deixam muito a desejar. Mas uma coisa não tem a ver com outra. A maioria dos brasileiros não tem como pagar por plano de saúde privado. Quem tem e quiser pagar, ótimo. Mas não pode receber dinheiro público por isso.

"Ah, mas os gastos de saúde do meu pai são imensos". Sim, essa é a realidade de muitos brasileiros, ricos e pobres. Por que o Estado deve subsidiar o seu pai mas não o pai de alguém que recebe salário mínimo? Essa é uma jabuticaba brasileira. Em nenhum outro país com sistema universal de saúde quem escolhe o sistema privado recebe subsídio do Estado. E, com certeza, se há limite para gastos com educação, deveria também existir um para gastos com saúde.

Mas essa é a realidade do país: educação não importa tanto, mesmo que não haja sistema de ensino superior universal. Essa escolha revela a prioridade de políticas públicas no Brasil: desvalorizamos tanto a educação que isso aparece no código tributário.

Discutir essas distorções não significa que elas são as únicas que devam ser modificadas, nem que devam ser as primeiras. Também são politicamente delicadas, pois já pagamos muitos impostos e cobrar mais dos mais velhos ou daqueles com doenças graves parece maldade. Mas não é. É buscar uma sociedade justa para todos, na qual cada um contribui de acordo com sua faixa de renda e as regras de isenção devem ser justas com aqueles que também não as recebem.

Sim, é injusto que o sistema de saúde público seja ruim e que muitas famílias tenham que buscar o sistema privado. Mas é mais injusto fazê-lo com dinheiro de todos, inclusive dos mais pobres.


'Tem que respeitar o resultado da urna', diz comandante militar do Sudeste, FSP

 O general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, comandante militar do Sudeste, disse, em discurso na quarta-feira (18) durante uma cerimônia no QGI (Quartel-General Integrado), em São Paulo, que o resultado das urnas deve ser respeitado, independentemente do presidente exercendo o mandato.

O evento foi realizado em homenagem aos militares mortos em 12 de janeiro de 2010 durante um terremoto no Haiti e que integravam o 11º contingente da Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti).

O general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, ex-chefe de gabinete do general Villas Bôas e comandante militar do Sudeste
O general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, ex-chefe de gabinete do general Villas Bôas e comandante militar do Sudeste - Divulgação - 26.jul.21/Exército Brasileiro

Sem citar o nome do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o comandante afirmou que "não interessa quem está no comando, a gente vai cumprir a missão do mesmo jeito". Disse também que ainda que houvesse um "turbilhão, terremotos, tsunamis", continuarão coesos, respeitosos e garantindo a democracia.

Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva afirmou que a "democracia pressupõe liberdade, garantias individuais" e alternância do poder, devendo a instituição e seus membros respeitarem o resultado da urna "mesmo que a gente não goste".

"Ser militar é isso. É ser profissional. É respeitar a hierarquia e disciplina. É ser coeso. É ser íntegro. É ter espírito de corpo. É defender a pátria. É ser uma instituição de Estado. Apolítica, apartidária", disse ele.

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Em outro trecho, afirmou: "Quando a gente vota, tem que respeitar o resultado da urna. Não interessa. Tem que respeitar. É isso que se faz. Essa é a convicção que a gente tem que ter. Mesmo que a gente não goste. Nem sempre a gente gosta. Nem sempre é o que a gente queria. Não interessa. Esse é o papel de quem é instituição de Estado. Instituição que respeita os valores da pátria, como de Estado".

A sede do Comando Militar do Sudeste foi um dos palcos de acampamento promovidos por manifestantes golpistas após o segundo turno da eleição presidencial, em outubro.

No dia da posse de Lula e do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), bolsonaristas que permaneciam no local apelavam para que os acampados não fossem embora. "QG, QG, QG. Ninguém sai daqui", gritavam eles, que também pediam intervenção militar. Na data, o principal alvo dos ataques era o novo presidente, manifestantes chegaram a entoar em um megafone: "Lula, ladrão, seu lugar é no caixão".

A área em frente à unidade militar, próxima ao parque Ibirapuera, só foi desocupada no último dia 9, após ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

O Comando Militar do Sudeste, que abrange apenas o estado de São Paulo, é um dos oito que compõem o Exército Brasileiro e é integrado por 132 organizações militares.