quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Não reformar a instituição mais covarde será uma forma de anistia, Conrado Hübner Mendes, FSP

 Há pouca dúvida de que militares da ativa e da reserva cometeram crimes e infrações legais no dia 8 de janeiro de 2023. E no dia 7 de setembro de 2022. E na gestão da pandemia. E na gestão da Amazônia e de terras indígenas. E nas motociatas. E nos comícios. E nos quatro anos de governo Bolsonaro. Nem se fale dos crimes contra a humanidade do passado.

Na intentona de 8 de janeiro, depois de semanas protegendo e instigando, em território militar, acampamentos que pediam o fim da democracia, militares teriam impedido a polícia de realizar prisões em flagrante de pessoas que depredaram a Esplanada. Permitiram detenções só no dia seguinte, quando muitos já teriam escapado.

Lula tem dado alguns sinais de que está disposto a escancarar a ameaça militar no Brasil. E assim desencadear algum processo de mudança. Diante desses gestos, textos jornalísticos não hesitaram em dizer que "generais se irritam" ou "Lula queima pontes" com militares.

Acampamento golpista em Brasília antes da posse do presidente Lula, em janeiro - Gabriela Biló 29.dez.22/Folhapress

Não são descrições neutras de fatos. Carregam suposições normativas escondidas. Segundo essas suposições, um presidente da República deve tratar militares como bichos de pelúcia. Deve se esforçar para "construir pontes" e se atentar para a irritabilidade de generais. Essas suposições, claro, vão de encontro ao lugar que a Constituição lhes atribuiu. A escolha das palavras e das metáforas diz muito sobre a naturalização de ator político ilegítimo.

As Forças Armadas não são Poder de Estado. Executivo, Legislativo e Judiciário são Poderes independentes. O Ministério Público, o Banco Central e as agências reguladores são instituições autônomas. As Forças Armadas, não. Nem independentes, nem autônomas. Têm atribuição institucional delimitada. Devem formular e executar política pública subordinada a autoridades democráticas. Fora desse terreno, sua presença se torna espúria.

A sociologia política chama de "institucionalização dissonante" o descompasso entre imagens conflitantes que uma sociedade faz de si mesmo e seu reflexo nas instituições. A dissonância entre a realidade e a autoimagem e status constitucional das Forças Armadas brasileiras é exemplo gritante desse fenômeno. Formalmente e retoricamente, são uma coisa. Informalmente, são outra.

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Vendem-se como instituição marcada pela obediência, hierarquia, disciplina, decência ética e neutralidade política. Entregam desobediência, insubordinação, delinquência, obscenidade, sectarismo e fisiologismo.

E ainda alimentam, em fraude hermenêutica dolosa do artigo 142 da Constituição, a noção de "poder moderador", relíquia do constitucionalismo imperial. Naquele modelo peculiar de separação de poderes, a instituição do imperador pairava acima dos outros poderes. Podia interferir se os mal-comportados precisassem de tutela.

Como escreveu Edson Rossi, as Forças Armadas não só mataram mais patriotas que estrangeiros em sua história, como gastam, hoje, na folha de pagamentos, mais que saúde e educação juntas. E ainda têm mais de 1.600 agentes recebendo acima de R$ 100 mil.

Mal-armados de integridade institucional, mal-armados de vocação democrática, mal-armados de argumentos, mal-armados de história digna de respeito, ainda exibiram uma apoteose de incompetência técnica nos cargos do governo Bolsonaro. Negacionistas pandêmicos e climáticos, cínicos sobre soberania nacional, liberaram a Amazônia para o crime organizado e retiraram dos hospitais de Manaus o oxigênio. Por exemplo.

Militares aplicaram golpe, implantaram ditadura, torturaram mulheres nuas na frente dos filhos. Anistiados, dizem-se injustiçados pela falta de reconhecimento do serviço que teriam prestado. Não bastasse, continuam a conspirar. E a tuitar para intimidar juízes.

O país poderia discutir quais Forças Armadas precisa ter. Se uma que conspira contra a democracia e violenta cidadãos a pretexto de combater inimigos internos; se uma que se sente livre para invocar competências constitucionais que não tem; se uma que ensina em suas escolas que a tortura foi meio legítimo de combater o "comunismo", ou uma que serve à defesa da liberdade e da cidadania.

Punir militares individualmente envolvidos no atentado de 8 de janeiro seria passo importante. Sem anistia. Mas não reformar as Forças Armadas e as relações civil-militares é outra forma de anistia. E mais grave.

Abriu-se rara oportunidade de trazer a instituição mais covarde do Estado brasileiro para a democracia. Se não agora, quando?

Lula troca comando da PF em 18 estados e dispensa 26 superintendentes da PRF, FSP

 Fabio Serapião

BRASÍLIA

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) promoveu nesta quinta-feira (19) uma grande mudança no comando da Polícia Federal nos estados, trocando 18 superintendentes regionais. Também foram dispensados 26 superintendentes da Polícia Rodoviária Federal.

Um dos nomeados na PF é o delegado Leandro Almada, que vai assumir a superintendência regional no Rio de Janeiro. Ele foi escolhido pelo novo diretor-geral, Andrei Rodrigues.

Almada está na PF desde 2008, tem experiência em investigações e em cargos de chefia e, recentemente, foi o responsável pelo inquérito sobre a tentativa de obstrução da apuração da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

Na Polícia Rodoviária Federal, um dos dispensados é Virgílio de Paula Tourinho, da unidade da Bahia. Ele chegou a ser intimado pela Justiça Eleitoral, durante o segundo turno das eleições, por causa das operações que dificultaram o voto de eleitores no estado, que é um reduto petista.

O delegado federal Leandro Almada será o novo superintendente da PF no Rio de Janeiro
O delegado federal Leandro Almada será o novo superintendente da PF no Rio de Janeiro - Divulgação

As mudanças foram publicadas em edição extra do Diário Oficial da União na noite de quarta-feira (18). As portarias são assinadas pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa.

Almada vai assumir o Rio de Janeiro, que no governo de Jair Bolsonaro (PL) esteve no centro das suspeitas de interferência denunciadas pelo ex-juiz Sergio Moro.

A investigação conduzida por ele no caso da tentativa de obstrução sobre a morte de Marielle concluiu que o policial militar Rodrigo Ferreira, conhecido como Ferreirinha, e a advogada Camila Nogueira eram parte de uma organização criminosa que tentou atrapalhar as apurações.

Antes do Rio, o delegado foi superintendente no Amazonas e na Bahia. Após o caso Marielle, ele atuou na coordenação de apuração sobre vacinação clandestina contra a Covid em Belo Horizonte.

Para São Paulo, maior superintendência do país, o escolhido foi o delegado Rogério Giampaolli, que já foi chefe do COT (Comando de Operações Táticas) e, atualmente, estava na chefia da PF em Sorocaba (SP).

Ele vai substituir o delegado Rodrigo Bartolamei, indicado no governo Bolsonaro.

Para comandar a superintendência na Paraíba, a escolhida foi a delegada Christiane Correa Machado.

A investigadora comandou em parte do governo Bolsonaro a Cinq (Coordenação de Inquéritos Especiais), responsável pelos casos que envolvem pessoas com foro especial nas cortes superiores.

Ela participou, por exemplo, da investigação sobre as acusações do ex-ministro Moro contra Bolsonaro por interferência na PF.

Christiane é vista como discreta e linha dura, já foi chefe da divisão antiterrorismo por cinco anos e coordenou a proteção a ataques terroristas na Copa do Mundo de 2014 e nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro.

Lula já havia promovido a troca do superintendente da PF no Distrito Federal, no dia seguinte aos atos golpistas de 8 de janeiro, que terminaram com a invasão e vandalismo no Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal.

Na ocasião, o Ministério da Justiça minimizou a troca e afirmou que a mudança já estava programada e inserida no plano de mudanças gerais nas superintendências.

O delegado Cézar Luiz Busto de Souza foi o escolhido para comandar a PF no Distrito Federal, no lugar de Victor Cesar Carvalho dos Santos.

O investigador chegou a ser o diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado, setor mais sensível da PF, na gestão Bolsonaro.

Ele foi indicado por Rolando de Souza, segundo dos quatro diretores-gerais do governo anterior.

A Polícia Rodoviária Federal manteve um laço próximo com o ex-presidente, que sempre prestigiou os eventos da corporação e costumava ir para a beira de estradas, acompanhado pelos agentes, para acenar para eleitores

Como mostrou a Folha, o ministro da Justiça do governo Lula, Flávio Dino, afrouxou as regras para nomeações na PF.

A alteração nas regras para nomeação foi publicada no Diário Oficial da União na quarta-feira (4). Pela portaria de 2018, só poderia ser diretor o delegado da classe especial, com mais de dez anos de exercício no cargo e com passagem por posto em comissão do "Grupo Direção e Assessoramento Superior —DAS 101.3 ou superior por, no mínimo, um ano".

Dino reduziu os requisitos necessários e, a partir de agora, o delegado precisa apenas ser da classe especial para ser indicado para uma diretoria. O mesmo critério passou a valer para a nomeação do corregedor do órgão.