domingo, 13 de novembro de 2022

Elio Gaspari O fim de um ciclo de militares na política, FSP

 Na quarta-feira (9), o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, divulgou o relatório técnico da fiscalização do sistema eletrônico de votação pelas Forças Armadas.

Nele concluiu-se que, nos resultados do primeiro turno em 442 seções eleitorais sorteadas aleatoriamente, bem como em 501 seções do segundo turno, "não se verificou divergências entre os quantitativos registrados no Boletim de Urna afixado na seção eleitoral e os quantitativos de votos constantes no respectivo boletim disponibilizado no site do TSE".

O presidente Jair Bolsonaro em solenidade do Dia do Soldado na concha acústica do Exército
O presidente Jair Bolsonaro em solenidade do Dia do Soldado na concha acústica do Exército - Gabriela Biló - 25.ago.2022/Folhapress

Nesse dia, o presidente eleito Lula circulava por Brasília dispondo-se a recuperar "a harmonia entre os Poderes".

Fechava-se assim um ciclo de tentativas de instrumentalização dos militares na vida política nacional.

Ele foi aberto em abril de 2018 com o infeliz tuíte do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, às vésperas do julgamento de um habeas corpus em benefício de Lula.

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Nesses quatro anos, um presidente que dizia dispor do "meu Exército" tentou instrumentalizar as Forças Armadas no atacado. Não conseguiu.

No varejo, conseguiu alguma coisa. Militarizou de forma desastrada o Ministério da Saúde no pico da pandemia.

A essas instrumentalizações não corresponderam flagrantes quebras da disciplina.

Um comandante como Edson Pujol seguiu a escrita de seu antecessor, Enzo Peri. Enzo quem? Ele comandou o Exército de 2007 a 2015 e não falou de política nesse período nem depois. (Quem não lembra o nome de um general passa-lhe o atestado de silencioso profissionalismo.)

As tentativas de instrumentalização dos militares nos últimos quatro anos foram contidas por oficiais que não falam de política.

Fechou-se esse ciclo e vai para o Planalto um presidente que, em oito anos de poder, nunca se meteu com os quartéis.

MEIRELLES DISSE TUDO

Henrique Meirelles entendeu direito o discurso de Lula da quinta-feira, que derrubou a Bolsa e encareceu o dólar:

"Ele estava no modo campanha."

PLANO DE GOVERNO

De uma víbora:

"Sonhei que Lula passaria os próximos quatro anos viajando gloriosamente pelo mundo por três semanas de cada mês.

Na semana restante, Geraldo Alckmin cuidaria da quitanda."

DE OLHO NO FIES

A turma que enricou com o programa de financiamento para alunos de escolas privadas está sonhando com um ministro da Educação que afrouxe as condições para se obter o empréstimo.

Na sua primeira versão petista, o Fies pagava as anuidades de estudantes matriculados em faculdades privadas sem examinar o cadastro do fiador. Recebia financiamento até o aluno que havia tirado zero na prova de redação do Enem.

O Tribunal de Contas estimou em R$ 20 bilhões o custo da gracinha para a bolsa da Viúva.

Hélio Schwartsman - Autor destrincha os mistérios das células, FSP

 Existem autores cujos livros eu compro e leio sem nem me preocupar em saber do que tratam. Siddhartha Mukherjee ("O Imperador de Todos os Males"; "O Gene") é um deles. Seu mais recente título "The Song of the Cell" (o canto da célula) não decepciona. Aqui, o objeto de investigação é a célula, a menor unidade funcional da vida e a responsável em última instância por todos os processos fisiológicos e patológicos.

A escrita de Mukherjee combina com raro talento histórias humanas, frequentemente com desfecho trágico (ele é oncologista), história da ciência, com atenção para aspectos biográficos dos grandes desbravadores, e ciência (ele é pesquisador). Em "The Song...", ele ainda dá de brinde lições de mitologia hindu. Mas Mukherjee é mesmo o mestre das metáforas. Das mais simples às mais rebuscadas, ele as utiliza o tempo todo, seja esteticamente, para satisfazer pretensões literárias, seja didaticamente, para explicar conceitos complicados. É uma boa linha, considerando que, para uma escola da neurociência, metáforas são a matéria-prima do pensamento.

A ilustração de Annette Schwartsman, publicada na Folha de São Paulo no dia 13 de novembro de 2022, mostra uma imagem psicodélica de formas redondas de tamanhos e cores variadas que lembram células estilizadas.
Ilustração de Annette Schwartsman para coluna de Hélio Schwartsman - Annette Schwartsman

A crítica que faço a "The Song..." é que a ligação entre as partes ficou meio desconjuntada. Célula é uma noção ampla demais, que comporta tudo. Minha sensação é que Mukherjee só empilhou os temas de que gosta mais. Nada contra. A parte sobre o sistema imunológico, por exemplo, é um primor. Mas também teria sido possível, sob a mesma chave, montar um livro inteiramente diferente. Os planos-mestres das obras anteriores me pareceram mais coerentes.

Por fim, vale destacar algumas das inquietações bioéticas do autor. Ele sustenta que a tecnologia médica já permite intervenções com vistas não só a curar doenças mas também a aperfeiçoar o ser humano. Nem sempre as fronteiras entre os dois são nítidas. Mukherjee não acha que devemos nos abster de buscar avanços por medo de entrar em território proibido. Seriam os novos humanos?