segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Marcus André Melo - República, Democracia, Parlamento: Lideranças parlamentares fazem falta hoje, FSP

 Ao saber da Proclamação da República no Brasil, Rojas Paúl, então presidente da Venezuela exclamou: "Foi-se a única república da América do Sul". Paradoxo? Não! Quando se fala por aqui de venezuelização, observamos grande desconhecimento da história.

Para ficarmos apenas na questão da liberdade de expressão — que é central na agenda pública atual — provavelmente o Brasil seria o país onde ela era mais efetiva na região. Joaquim Nabuco não exagerava quando disse que dom Pedro 2º era orgulhoso de sua própria tolerância. Paúl tinha isto em mente quando fez aquela declaração; e também o funcionamento ininterrupto do Parlamento imperial desde sua instalação.

Quadro 'A Pátria', de Pedro Bruno - Museu da Republica

O legado institucional de um país é importante preditor da qualidade institucional futura. Dahl, o mais importante teórico da democracia no século 20, analisou a democratização como um movimento paulatino em duas direções: inclusão e liberalização/institucionalização. Assim, o jogo da democracia evoluiu no sentido de inclusão de todos os adultos e da institucionalização da política competitiva, que são internalizadas pelos participantes.

Dahl argumentou que a democracia se consolida mais facilmente quando a liberalização precede a inclusão; quando a sequência é: regimes hegemônicos (autocracias) para oligarquias competitivas/regimes semi-competitivos e então as democracias. A sequência permite que as elites políticas se socializem nas regras do jogo da disputa eleitoral e da barganha parlamentar antes da participação ampla. Quando ela se completa com o sufrágio universal, o impacto não é disruptivo (e.g Reino Unido etc).

A República Velha foi nosso regime semi-competitivo. Enquanto a Venezuela era tiranizada por Gómez por quase quatro décadas, a nossa elite política se socializava gradativamente nas regras parlamentares.

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Em suas memórias (1964), Afonso Arinos antecipou a intuição de Dahl: "Muitas vezes tenho perguntado a mim mesmo se não é esta tradição parlamentar, transmitida de homens a homens, de geração a geração, desde 1823, e sempre subsistente apesar de poucas interrupções, que faz o Brasil tão diferente dos vizinhos da América Latina".

Arinos se referia ao papel central de alguns notáveis na redemocratização após o Estado Novo: "Estes três principais pilotos da nau parlamentar vinham dos velhos tempos, anteriores a revolução e à ditadura: conheciam os homens, sabiam as praxes, dominavam bem a máquina. A eles deveu o Brasil a rapidez e a naturalidade com que as instituições legislativas — base da vida constitucional nas democracias — se restauraram aos 15 anos de interrupção". Fazem muita falta hoje, com certeza.

Comitê de campanha de Bolsonaro vê 'digital' do presidente na derrota para Lula, g1

 


Presidente Jair Bolsonaro neste domingo (31), no local onde votou no Rio de Janeiro — Foto: REUTERS/Ricardo Moraes

Presidente Jair Bolsonaro neste domingo (31), no local onde votou no Rio de Janeiro — Foto: REUTERS/Ricardo Moraes

Concluída a apuração dos votos neste domingo (30) e confirmada a eleição de Lula (PT) como novo presidente do Brasil, integrantes da campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) passaram a apontar culpados pela derrota. E chegaram à conclusão de que a "digital" de Bolsonaro está presente no resultado.

Na condição de anonimato, esses integrantes também avaliaram à GloboNews que o tom defendido pela "ala radical" prevaleceu sobre as estratégias pensadas pela ala política, o que levou Bolsonaro a cometer "sucessivos erros", que o afastaram dos eleitores vistos como moderados.

Conforme a apuração do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Lula recebeu 60,3 milhões de votos (50,9%), enquanto Bolsonaro obteve 58,2 milhões de votos (49,1%).

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Avaliação do comitê de campanha

Entre os "erros" vistos pelos integrantes da campanha, está o episódio em que Bolsonaro disse que "pintou um clima" com adolescentes venezuelanas.

No entanto, para esses mesmos integrantes, outros dois episódios foram os "definidores" do que chamaram de "trapalhadas da campanha":

Um dos integrantes da campanha resumiu: "As trapalhadas dos 'Fábios' [Faria, ministro das comunicações; e Wajgarten, integrante da campanha] foram tão visíveis que as rádios desmentiram, o TSE também [desmentiu] e de forma clara. O Fábio Faria teve que voltar atrás", disse.

Na parte "matemática", da contagem do esforço pelos apoios, a campanha avaliou que falhou em Minas Gerais em São Paulo, que os aliados não conseguiram angariar os votos prometidos e que a campanha do PT se esforçou mais e teve estratégias mais efetivas.

Lula vai recriar ministérios, mas diz que não quer governo ‘requentado’, OESP

 BRASÍLIA - O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vai montar uma equipe com mais ministros, mas disse que seu terceiro mandato não será “requentado”. O plano de Lula é chamar nomes em ascensão na política e na economia para integrar o seu ministério. A estratégia não significa, porém, fechar as portas para o Centrão, grupo associado à prática do “toma lá, dá cá”.

A negociação com partidos do bloco que hoje dá sustentação ao presidente Jair Bolsonaro, principalmente com o PP, o PL e o Republicanos, é vista como fundamental para construir acordos no Congresso, que terá maioria conservadora a partir de 2023. Convencido de que não conseguirá acabar com o orçamento secreto tão cedo, o petista tentará um arranjo para que deputados e senadores direcionem os recursos a uma lista de projetos prioritários do governo.

A nova configuração da Esplanada prevê o aumento dos atuais 23 ministérios para 34. Trata-se de uma conta preliminar, que pode sofrer alterações com a criação de secretarias especiais.

A entrada da senadora Simone Tebet (MDB-MS) no primeiro escalão é dada como certa. Ela saiu da disputa presidencial em terceiro lugar e, três dias depois, aderiu à campanha de Lula. A senadora gostaria de comandar a Educação, pasta que sempre foi cobiçada pelo PT. O presidente eleito já disse, porém, que seu partido terá de abrir mão de assentos na Esplanada para a “frente ampla”.

Participação de Simone Tebet é vista como certa no novo governo
Participação de Simone Tebet é vista como certa no novo governo  Foto: Carla Carniel/REUTERS

Lula desmembrará o Ministério da Economia, e a ideia é rebatizá-lo como Fazenda. Com a divisão, serão recriados Planejamento e Gestão, além de Indústria e Comércio. Ex-governador do Maranhão, o senador eleito Flávio Dino (PSB) pode ficar com Justiça, que, se tudo correr como o roteiro previsto, será separada de Segurança Pública.

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O novo governo terá ainda o Ministério dos Povos Originários, e há projetos para refundar Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Cultura, Cidades, Igualdade Racial, Pesca, Direitos Humanos e Mulheres – os dois últimos em outro formato.

Na avaliação de Lula, a equipe econômica deve ser comandada por um político. Foi assim que Antonio Palocci, ex-prefeito de Ribeirão Preto, acabou alçado à Fazenda no primeiro mandato do petista, em 2003, e chegou à Casa Civil sob Dilma Rousseff, em 2011, até cair em desgraça, no rastro de escândalos.

O teto de gastos será revogado e a nova âncora fiscal em estudo prevê a retomada do superávit primário como novo balizador das contas públicas. Desta vez, porém, é provável que a meta seja flexível, combinada com uma “licença” para gastar e cumprir compromissos, como o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600. Pelos cálculos de economistas consultados pelo presidente eleito, o rombo a ser herdado ficará na casa de R$ 400 bilhões.

“É impossível detalhar a nova âncora fiscal sem as contas na mão”, disse o deputado Alexandre Padilha (PT), ex-ministro da Saúde no governo Dilma. “Não temos o diagnóstico definitivo da tragédia de Bolsonaro para o País”, argumentou ele.

Flávio Dino é um dos nomes cotados para o Ministério da Justiça
Flávio Dino é um dos nomes cotados para o Ministério da Justiça Foto: MARCOS CORRÊA/PR

COTADOS

Padilha é um dos nomes cotados para comandar a Economia. Constam ainda da lista, o ex-prefeito Fernando Haddad, que perdeu a disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, o senador eleito Wellington Dias e o governador da Bahia, Rui Costa, todos do PT. O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, presidente do Banco Central na gestão Lula, poderá ocupar outro cargo, ainda não definido. O secretário da Fazenda de São Paulo, Felipe Salto, deve ir para o Tesouro.

O desenho da Casa Civil está em estudo. Haddad também é lembrado para essa cadeira se a pasta tiver perfil mais técnico, como era quando Dilma foi ministra. Lula ainda não escolheu quem será o articulador político do governo.

Há nomes que o presidente eleito vê como curingas. Além de Haddad, este é o caso de Wellington Dias, que administrou duas vezes o Piauí; do governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB); da deputada eleita Marina Silva (Rede), ex-ministra do Meio Ambiente; e dos senadores Jaques Wagner (PT) e Randolfe Rodrigues (Rede).

Dois xarás com grafias diferentes também estão no xadrez de Lula: o ex-chanceler Aloysio Nunes, primeiro nome do PSDB a apoiar o petista, e o ex-coordenador do programa de governo Aloizio Mercadante (PT), que foi ministro da Educação, da Ciência e Tecnologia e da Casa Civil na gestão Dilma. Mas o presidente eleito avisou a aliados que, antes de definir posições nesse jogo, precisa pôr a lupa sobre o resultado das eleições nos Estados.