sábado, 29 de outubro de 2022

ERNANI RODRIGUES DE CARVALHO NETO Estas são as eleições mais importantes desde a redemocratização? NÃO, FSP

 Desde a Proclamação da República temos eleições para presidente do Brasil. A primeira por sufrágio direto foi a de 1894, que elegeu Prudente de Moraes com 80,12% votos; a última foi em 2018, conquistada por Jair Bolsonaro (55,13%). No total, foram 23 eleições por sufrágio direto, divididas em três blocos: República Velha (1891-1930), República Nova (1945-1964) e Nova República (1989-2022), com diferenças significativas de acesso ao voto.

Na Nova República tivemos nove eleições presidenciais: apenas duas foram vencidas no primeiro turno, o que totalizam 15 turnos eleitorais para o mandatário do país.

Os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) disputam neste domingo (30) o segundo turno das eleições presidenciais - Miguel Schincariol/AFP e Carl de Souza/AFP

A questão que se coloca é se as eleições de 2022 são as mais importantes dessa série. A resposta é não!

É preciso compreender, em primeiro lugar, qual métrica utilizo. Sob os holofotes do hoje, a verdade histórica parece algo bem distante. A importância está diretamente vinculada à conjuntura do momento, salvo melhor juízo. Nestes termos, as eleições de 19891994 e 2002 são finalistas em um duelo de importância —se é que é possível argumentar assim sem violar a indiscutível proeminência dos outros pleitos. Mas deixe-me discorrer com mais vagar as proposições dessa inusitada competição entre eleições.

Em 1989, tínhamos um Brasil recém-saído de uma ditadura militar, havia um clima de liberdade —votei naquela eleição pela primeira vez para presidente junto com os meus pais, que nunca haviam sufragado voto. Aquela eleição foi um verdadeiro exercício de pedagogia cidadã entre gerações. A qualidade e a quantidade de candidatos e ideias, o nível dos debates. Era tudo muito novo, era o encantamento democrático. Ademais, em seu encalço havia, claramente, o temor de um retrocesso autoritário.

Em 1994, a eleição foi uma experiência de construção de um consenso, ainda abalado por um impeachment recente. Um arranjo político entre partidos de centro-direita permitiu derrotar a pior chaga da sociedade naquele momento, a inflação. Aquela disputa legou mudanças que até hoje estão enraizadas, como responsabilidade fiscal, institucionalização de diversos setores do Estado, melhorias no acesso à Justiça, todas as crianças na escola; foi um período de grande estabilidade proveniente do Plano Real.

Em 2002, a eleição elevou o Brasil à categoria de democracia estável e sustentável, quando permitiu a transição de poder entre polos antagônicos sem a quebra da institucionalidade. Na época, o fantasma do retorno dos militares ao poder ainda alimentava o medo. Trouxe consigo um período de prosperidade com políticas públicas certeiras que erradicaram a fome e ampliaram o leque de oportunidades aos brasileiros.

Difícil escolher entre elas. Se eu fosse obrigado, ficaria com a de 1989, pela energia democrática exalada, pelo desenho institucional construído em 1988. Dito isto, a atual eleição se enquadra, no meu modo de ver, em um misto de crise institucional e ressaca democrática que se inicia em 2014 e se arrasta até hoje.

A ressaca é relativa às promessas não cumpridas da democracia, alerta feito por Norberto Bobbio, e se aplica a boa parte das nações democráticas hoje. Há grande má vontade com os políticos e as instituições (antissistema). Creio que estas eleições são uma negação das outras aqui citadas no que diz respeito à confrontação de ideias, ao fair play e ao respeito ao eleitor, mas aposto que o espírito democrático de 1989 está vivo e voltará a reinar entre nós, propiciando paz e prosperidade.


Bolsonaro, a era das trevas de 2018-2022 e depois, VTF FSP

 Aos trancos e barrancos, formou-se uma frente de apoio a Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Não era a "frente ampla". É uma frentinha, até porque não havia como fazer mais. Não há partidos ou movimentos sociais e políticos grandes e organizados que pudessem se aliar a Lula, mesmo que Lula e o PT tivessem feito um esforço mais intenso de firmar alianças.

Seja qual for o resultado da eleição, a situação política depois dos anos de catástrofe e trevas (2018-2022) será um problema grave, tanto para um governo prestante ou, no caso de acontecer o pior, como para uma tentativa de evitar o desfazimento autoritário do país.

Jair Bolsonaro durante campanha em Nova Jerusalém, 40 km from Brasilia - Evaristo Sá - 24.out.22/AFP

A frente eleitoral pró-Lula é precária principalmente porque não havia partidos para uma aliança que fosse além da esquerda ou similar (toda de partidos muito pequenos ou minúsculos). A maioria do Congresso é de partidos compostos de gente de extrema direita, direita dura ou direita negocista.

O centro, algo como o velho PSDB e aliados próximos, evaporou. Além da esquerda, os aliados políticos ou parlamentares de Lula são lideranças regionais, que aderiram por interesse eleitoral imediato (Nordeste) e também orientado por decisões relativas a disputas de oligarquias locais. Há até gente do PP e do PL circunstancialmente pró-Lula.

Simone Tebet juntou-se a Lula mas não é o MDB (ninguém é o MDB, ora também pequeno), embora possa ser uma líder da reinvenção centrista. Levou consigo muitos dos seus quadros e partidários qualificados. Outros, algo parecido com a velha guarda tucana, também aderiram, assim, como a elite econômica civilizada.

Embora Tebet e essas pessoas sejam apoio importante, em especial porque qualificado, não são partido e nem mesmo um movimento organizado e duradouro.

Mas, caso eleito, Lula poderia contar com essas pessoas se fizesse oferta clara, mais ou menos explícita, de aliança. Pode ser embrião de algo maior e até facilitar acordos no Congresso, onde a vida será mais difícil.

O negocismo leva muito parlamentar a aderir a governo, óbvio. No entanto, este Congresso tem muito parlamentar comprometido com seu eleitorado conservador, reacionário ou francamente antidemocrático. Assim, um projeto de conciliação (não significa concessão sem mais), de pacificação e de acordos sociais e programáticos extra-Congresso torna-se mais importante.

Pacificação e estabilização deveriam ser os motes do governo, da política à economia. Há muito trabalho urgente de reconstrução. Procuradoria-Geral, Receita, Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), Polícia Federal, órgãos ambientais, educação, diplomacia, Forças Armadas, proteção de "minorias", quase tudo precisa de refazimento. O SUS precisa de reforma e ampliação urgentes.

Não vai ser possível dar início ao processo de isolamento dos adeptos do projeto autoritário se não houver paz entre as pessoas de boa vontade, estabilização, refazimento e volta do crescimento.

É muito difícil, hoje, imaginar como pode se aglutinar um grupo centrista, quiçá um partido, mesmo reformando uma legenda existente. Falta gravidade para juntar os pedaços: perspectiva de poder, nomes de peso na articulação, líderes, movimento social importante que o impulsione.

Um governo Lula esperto poderia até dar um auxílio para a formação desse aliado, por meio de interlocução privilegiada, agregação de quadros e compartilhamento de poder. A perspectiva é ruim, pois a ultradireita é um partido grande e socialmente enraizado. Sobra pouco espaço no meio.

No entanto, é difícil imaginar outro caminho de refazimento do país. Um eventual governo Lula terá não apenas de juntar uma frente ampla. Terá de ajudar a inventa-la.