terça-feira, 23 de agosto de 2022

Sobre ditadores e superávits comerciais, Paul Krugman, FSP

 


De acordo com uma nova pesquisa da NBC News, os eleitores dos Estados Unidos agora consideram "ameaças à democracia" a questão mais importante que o país enfrenta, o que é perturbador e um sinal bem-vindo de que as pessoas estão prestando atenção.

Também vale a pena notar que esse não é um problema apenas norte-americano. A democracia está se desgastando em todo o mundo. Segundo a última pesquisa da Economist Intelligence Unit, existem hoje 59 regimes totalmente autoritários, que abrigam 37% da população mundial.

Desses 59, no entanto, apenas dois –China Rússia– são poderosos o suficiente para representar grandes desafios à ordem internacional.

O presidente russo Vladimir Putin e o presidente chinês Xi Jinping - Kremlin via Reuters

As duas nações são, é claro, muito diferentes. A China é uma verdadeira superpotência, cuja economia, em certas medidas, ultrapassou a dos Estados Unidos. A Rússia é uma potência de terceira categoria em termos econômicos, e os acontecimentos desde 24 de fevereiro sugerem que suas forças armadas eram e são mais fracas do que a maioria dos observadores imaginava. No entanto, possui armas nucleares.
Uma coisa que China e Rússia têm em comum, entretanto, é que ambas têm superávits comerciais muito grandes. Esses excedentes são sinais de força? São evidências de que a autocracia funciona?

Não, em ambos os casos os superávits são sinais de fraqueza. E a situação atual oferece um corretivo útil para a ideia comum –favorecida por Donald Trump, entre outros– de que um país que vende mais do que compra é de alguma forma um "vencedor".

Comece com a Rússia, cujo superávit comercial disparou desde que Vladimir Putin invadiu a Ucrânia. O que causou isso? A resposta é que é em grande parte o resultado das sanções econômicas ocidentais, que foram surpreendentemente eficazes –embora não da maneira que muitos esperavam.

Quando a invasão começou, houve pedidos generalizados de embargo às exportações russas de petróleo e gás. Na realidade, porém, a Rússia teve poucos problemas para manter suas exportações de petróleo; está vendendo petróleo com desconto, mas os altos preços globais significam que muito dinheiro continua entrando. E embora tenha havido uma queda acentuada das exportações de gás russo para a Europa ela reflete os esforços do regime Putin para pressionar o Ocidente, mais que o contrário.

O que as sanções fizeram, em vez disso, foi minar a capacidade da Rússia de importar, especialmente sua capacidade de comprar insumos industriais cruciais. Um exemplo do problema: há relatos de que as companhias aéreas russas estão aterrando alguns de seus aviões para canibalizá-los por peças de reposição que não podem mais comprar no exterior.

Portanto, o superávit comercial da Rússia é, na verdade, uma má notícia para Putin, um sinal de que seu país está tendo problemas para usar seu dinheiro para comprar bens de que precisa para manter seu esforço de guerra.

O problema da China é diferente: seu superávit comercial é resultado de antigos problemas internos que podem, finalmente, estar chegando ao ponto crítico.

Observadores externos há muito notam que muito pouco da renda nacional da China chega ao público, de modo que os gastos do consumidor permanecem fracos, apesar do rápido crescimento econômico. Em vez disso, o país manteve mais ou menos o pleno emprego canalizando crédito barato para investimentos cada vez menos produtivos, principalmente um mercado imobiliário inchado, sustentado por dívidas privadas cada vez maiores.

A China conseguiu manter esse jogo insustentável por um tempo notavelmente longo. Neste ponto, porém, o mercado imobiliário chinês aparenta estar em colapso e a demanda do consumidor parece despencar. Isso está reduzindo as importações do país –o que aumenta seu superávit comercial. Novamente, um excedente pode ser um sinal de fraqueza, não de força.

Mais dois pontos sobre a China. Primeiro, sua economia também está sofrendo com a recusa do governo em rever uma estratégia fracassada de Covid, que conta com vacinas domésticas relativamente ineficazes e uma política disruptiva de bloqueios draconianos para conter a pandemia.

Em segundo lugar, nas condições atuais, a fraca demanda chinesa é, sem querer, uma bênção para o resto do mundo.

Doze anos atrás, a economia mundial sofria de demanda inadequada, e os superávits comerciais chineses agravaram o problema, sugando o poder de compra do resto do mundo. Hoje, no entanto, a economia mundial sofre com a oferta inadequada, o que causou alta inflação em muitos países. Nesse contexto, a fraqueza chinesa é realmente boa para o resto do mundo: a queda na demanda chinesa está colocando um limite nos preços do petróleo e de outras commodities, reduzindo a pressão inflacionária global.

Então, o que podemos aprender com os ditadores e seus superávits comerciais?

Como eu disse, estamos recebendo uma demonstração de que exportar mais do que importar não significa que você esteja ganhando: de maneiras diferentes, os superávits comerciais da Rússia e da China representam fracasso, e não sucesso.

E, em um nível mais amplo, estamos vendo o problema das ditaduras, onde ninguém pode dizer ao líder quando ele está errado. Putin parece ter invadido a Ucrânia em parte porque todos tiveram muito medo de avisá-lo sobre os limites do poderio militar russo. A resposta da China à Covid passou de modelo a história de advertência, provavelmente porque ninguém ousa dizer a Xi Jinping que suas políticas não estão dando certo.

Portanto, a autocracia pode estar avançando, mas não porque funcione melhor que a democracia. Não funciona.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Por que trabalho remoto pode ser 'tortura' para quem pensa demais, BBC News, FSP

 

Bryan Lufkin
BBC NEWS BRASIL

Qualquer pessoa pode sofrer com o isolamento causado pelo trabalho remoto.

Até para as pessoas menos sociáveis, passar os dias de trabalho com apenas uma webcam ou uma plataforma de mensagens para fazer contato com as mesmas pessoas que antes elas viam todos os dias pode acabar sendo prejudicial.

Mas esse isolamento pode ser particularmente difícil para um tipo de profissional: o que "pensa demais". São indivíduos que tendem a analisar excessivamente os eventos à sua volta e precisam ser frequentemente tranquilizados de que tudo está correndo bem.As pessoas podem pensar demais em qualquer ambiente que abra espaço para a incerteza, como nas relações sciais ou no ambiente de trabalho. 

Mas os especialistas afirmam que o trabalho remoto pode piorar a tendência a pensar demais, pois a falta de comunicação presencial entre os colegas aumenta a ambiguidade e a incerteza.

Esses fatores podem acionar espirais de pensamento excessivo, como "o que quer dizer aquele e-mail de uma linha, vou ser demitido na reunião por Zoom desta tarde?"

É claro que as pessoas podem tomar medidas para tentar evitar esses pensamentos intrusivos. Mas os gerentes também precisam comunicar-se melhor, para que os funcionários estejam a par do seu desempenho e não fiquem sozinhos, tentando imaginar uma situação.

'PESSOAS QUE PRECISAM MUITO SABER DAS COISAS'

Os psicólogos afirmam que as pessoas que pensam demais se preocupam obsessivamente com coisas que podem dar errado. Mas pensar demais pode também ter seu lado bom.

"As pessoas que pensam demais tendem a ser superconscienciosas, tendem a ser indivíduos altamente responsáveis e um pouco perfeccionistas", afirma Craig Sawchuk, psicólogo da Clínica Mayo, uma das maiores organizações de pesquisa médica dos Estados Unidos. "Eles têm cuidado com o seu trabalho e realmente querem fazê-lo bem feito."

Eles também tendem a ser "emocionalmente muito antenados", segundo Jeffrey Sanchez-Burks, cientista do comportamento da Escola de Negócios Ross da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.

Por isso, funcionários que pensam demais podem ser um trunfo no ambiente de trabalho. Eles são diligentes, trabalhadores e conscientes dos sentimentos dos demais; e, como passam muito tempo pensando no seu desempenho e no que as pessoas pensam deles, podem ser profissionais dedicados e comprometidos. "É realmente um ponto forte", afirma Sawchuk.

Mas, se a ansiedade tomar conta, esse ponto forte pode virar uma fraqueza —e estudos indicam que a ruminação, especificamente, pode trazer efeitos prejudiciais até para a saúde física e mental das pessoas.

Sawchuk afirma que, quando essas pessoas começam a se preocupar, elas tendem a seguir um dentre dois caminhos. Ou elas se desconectam da situação, ou se dedicam a ela excessivamente, para ter reafirmações constantes de que os seus temores são infundados.

As pessoas que pensam demais "são do tipo de pessoa que 'precisa muito saber das coisas'". Quando estão preocupadas com algo ou sentem que uma situação é incerta, elas desejam 100% de confirmação de que tudo está bem. "Essa incerteza é o combustível que mais alimenta a ansiedade", segundo ele.

Um exemplo de pensar demais no ambiente de trabalho pode ser uma pessoa que se senta em frente a um colega, observa seu rosto fechado e começa a imaginar se o problema é com ela, ou se o colega está trabalhando mais do que ela. Mas pode não ser o caso —"talvez o colega esteja jogando paciência no computador", afirma Melanie Brucks, professora de marketing de negócios da Columbia Business School, em Nova York (Estados Unidos).

Quando as pessoas que pensam demais ficam obcecadas por esses pensamentos, elas "não estão fazendo isso para se sentir bem —elas estão fazendo isso para sentir-se menos mal", segundo Sawchuck.

E, mesmo se os profissionais receberem a reafirmação temporária de que precisam —abordando aquele chefe de expressão fechada para saber como ele está, por exemplo—, "a dúvida volta: 'será que ele estava apenas sendo gentil comigo?' Ou 'agora provavelmente ele me acha estranho porque fui falar com ele para tentar esclarecer'."

AS DIFICULDADES DO TRABALHO REMOTO

Quando as equipes de trabalho se mudaram do escritório para o ambiente remoto durante a pandemia, as pessoas que pensam demais perderam muitas das pequenas coisas que podiam refrear suas preocupações.

No ambiente de trabalho físico, as pessoas que pensam demais podem observar com mais facilidade as indicações da linguagem corporal ou aproximar-se para fazer uma pergunta a um colega quando estão inseguras sobre uma situação. Mas o trabalho remoto eliminou essas possibilidades.

Sanchez-Burks afirma que os profissionais que pensam demais "podem ser os que estão tendo mais dificuldades" na era do trabalho remoto, pois eles "dependem muito do contexto".

O trabalho remoto aumenta a ambiguidade. Muita coisa passa despercebida durante um dia de trabalho típico em ambiente remoto — quem está se reunindo com quem, os projetos em que os demais estão trabalhando, o que os colegas estão dizendo para o chefe.

Para um profissional que pensa demais e fica preocupado, isso pode gerar um "ciclo de ruminação", que pode fazer com que ele "releia trocas de emails diversas vezes" para decifrar as entrelinhas, explica Sawchuk. Ou, se um gerente se esquecer inocentemente de adicioná-lo a um convite para uma reunião pelo Zoom, ele começa a pensar o pior.

Depender apenas de emails e salas de bate-papo pode piorar o problema. Para Sanchez-Burks, "o texto é realmente uma forma pobre de comunicação". Ele afirma que, nas comunicações digitais, pode haver uma distância substancial entre o que as pessoas querem dizer e como os demais interpretam a mensagem. Por isso, um e-mail que pareça ser muito breve pode causar ruminação em quem o recebe.

Já no escritório, podemos interromper esse ciclo de pensar demais com uma simples conversa.

"Talvez estejamos nos sentindo um pouco ansiosos, até que encontramos [aquela pessoa] no bebedouro ou no caminho para o banheiro. E temos aquele momento, aquele sorriso ou [ouvimos] 'como vai você?' e você pode sentir o calor humano", afirma Brucks.

Mas, no mundo do trabalho em casa, isso não é fácil.

É claro que, embora o trabalho remoto possa exacerbar as tendências a pensar demais, trabalhar pessoalmente não é a panaceia para esses pensamentos nocivos. Ainda existem muitos cenários ambíguos no escritório que podem acionar espirais de pensamento excessivo. Mas a ambiguidade maior do trabalho remoto traz o potencial de fazer as pessoas pensarem demais.

'CURTO CIRCUITO' DE PENSAMENTOS INTRUSIVOS

Seja no ambiente remoto ou no presencial, pensar demais pode prejudicar o bem-estar do profissional.

Ciclos de pensamento negativo e preocupação sobre possíveis resultados ruins podem abrir as portas para mecanismos de defesa desajustados, incluindo o abuso de substâncias. E um estudo com mais de 32 mil participantes em 172 países demonstrou que concentrar-se demais em eventos negativos é o maior indicador de depressão e estresse.

Mas existem ações que as pessoas que pensam demais podem tomar para livrar-se dos pensamentos obsessivos.

Quando alguém ficar preso em um ciclo excessivo de pensamentos, pode ser útil dar um passo atrás e observar a situação objetivamente, para fazer um "curto-circuito" dos padrões de pensamentos intrusivos, segundo Sawchuk.

Ele sugere que as pessoas escrevam seus medos e dúvidas sobre a situação e perguntem "existe uma forma diferente de olhar para isso? Existe uma forma menos ruim em que isso pode suceder? Eu acho que isso é verdade ou eu sei que isso é verdade? Tenho alguma prova objetiva que confirme?"

Aqui, o objetivo, segundo ele, é "questionar os pensamentos" que o fazem pensar demais

MAIS E MELHOR COMUNICAÇÃO

Mesmo com o trabalho remoto, os profissionais podem programar conversas mais informais com os chefes e os colegas. Eles podem criar janelas para possibilitar comunicações mais contextualizadas (como uma ligação telefônica ou chamada de vídeo), que oferecem uma melhor leitura do humor da outra pessoa para reduzir a ambiguidade, que é a geradora da ansiedade.

Mas os especialistas também afirmam que os gerentes remotos precisam comunicar-se com mais eficiência, para eliminar qualquer ansiedade que venha a prejudicar os funcionários.

"Mesmo antes da pandemia, os gerentes superestimavam sua clareza e o volume das suas comunicações", afirma Jeffrey Sanchez-Burks. Ele explica que, se os gerentes não fizerem contato com os funcionários — especialmente os remotos — com mais frequência, podem causar sentimentos corrosivos entre os profissionais, como o de não pertencimento ao grupo.

Os gerentes precisam realmente "aumentar sua comunicação para poder comunicar-se o suficiente", orienta Sanchez-Burks.

Para Melanie Brucks, a forma como as pessoas se comunicam por texto também pode ser melhorada. Agora é o momento de alterar as normas e "inserir [na comunicação por texto] mais informações e reduzir a ambiguidade".

As equipes remotas devem comunicar-se não apenas com mais frequência, mas de maneira mais informativa do que emails bruscos de uma linha. E estudos demonstram que até os emojis podem ajudar nesta tarefa.

Mas, ainda que as comunicações possam sempre ser melhoradas, as pessoas que pensam demais precisam ter um lugar onde possam fazer as pazes com a ambiguidade — especialmente nos tempos atuais.

"Uma das consequências" do trabalho remoto, segundo Craig Sawchuk, "é que nós também trouxemos mais incertezas ao cenário."