quinta-feira, 28 de julho de 2022

Piada de cientista, Álvaro Machado Dias, FSP

 Diz que o físico falou para o neurocientista: nada é mais complexo do que o universo, origem de tudo o que existe, ao que o outro retrucou: exceto a massa de células que lhe permite concebê-lo. O economista que cruzava a praça não teve dúvidas: eis aí dois agentes racionais, maximizando capital social; enquanto o antropólogo pedia que não atrapalhasse o debate, de interesse etnográfico.

Imagem da Nebulosa Carina, a 7.600 anos-luz da Terra, em foto divulgada pela Nasa e tirada pelo telescópio Webb - Nasa - 12.jul.22/Xinhua

Enquanto uns clamam pela eliminação dos tapumes entre as áreas, outros argumentam que são a essência do progresso. Porém, uma coisa une as partes, nessa praça sempre em obras: ciência é difícil, mas também incrivelmente divertida. E ela vem de berço, antes de qualquer treinamento.

A atribuição mais humana do nascimento é inaugurar a prática de confrontar o desconhecido. Cedo em nossa vida, a ciência chega junto, não como método, mas como desígnio: mundo, quais seus sentidos? Conta aqui seus segredos. Seu mote é a liberdade de fazer perguntas ingênuas.

Com o tempo, a gente assume que ciência é apenas coisa séria, mas a verdade é que ela depende do espírito livre originário, também indispensável para a saúde mental da cultura.

Muito além da profissão de cientista, a ciência é parte dum movimento contínuo de ressignificação. Quem não fica numa boa frente ao desconhecido sente-se profundamente ressentido e, sempre que a conjuntura permite, declara guerra santa. Quem você pensa que é para questionar minha goiabeira?

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De que valem seus frasquinhos de antígenos, sob a burrama dos coturnos e uma revoada de haters? Calma, não se preocupe, eles não valem tanto assim; eis porque não insistimos para que você mude de opinião. É seu direito acreditar num mundo alheio a evidências e também à interpelação.

Aliás, se formos na linha do biólogo evolucionário que chegou à praça, isso pode ser até bom.


Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Hélio Schwartsman cedeu seu espaço hoje para o professor Álvaro Machado Dias, neurocientista, professor da Unifesp


GUITA GRIN DEBERT E JORGE FÉLIX Precisamos quebrar o silêncio e politizar o cuidado de idosos, FSP

 A quase dois meses da eleição, a sociedade brasileira conhece muito pouco das propostas dos candidatos a presidente acerca de uma questão comum em grande parte dos domicílios do país: como atender às demandas por cuidados de pessoas idosas?

Esse desafio tornou-se muito maior com a chamada Covid longa, que atingiu tantos idosos. Até agora, os políticos brasileiros se calam, sem constrangimentos, sobre esse tema.

Idosos do Lar Bezerra de Menezes, em Sobradinho, região administrativa próxima à Brasília, fazem atividades manuais e de musicoterapia - Folhapress

Essa omissão, por incrível que pareça, é amparada por nossa Constituição, que na onda da redução do papel do Estado, no fim dos anos 1980, delegou o cuidado dos idosos dependentes à esfera privada, ao acrescentar ao artigo 230 um aposto que diz que isso se dará "preferencialmente em seus lares". Esse aposto dilui a responsabilidade do Estado e pode amparar o descaso com a velhice.

Os políticos brasileiros deveriam se inspirar no texto da proposta da nova Constituição do Chile, divulgado há poucos dias. O texto chileno, que irá a referendo popular, é um marco na história do país ao enterrar os resquícios da ditadura militar e garantir amplos direitos e igualdades em um dos países mais desiguais da OCDE.

No que diz respeito à velhice, o artigo 10 da proposta já evidencia o "envelhecimento digno" como garantia do Estado, assim como tratar a família "em suas diversas formas, expressões e modos de vida, sem restringi-los a laços exclusivamente filiais ou consanguíneos". Um avanço em relação ao conceito de "envelhecimento ativo", criticado por seu caráter produtivista.

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No capítulo de direitos fundamentais, o texto inclui o preconceito por idade no artigo 25 e diz que caberá ao Estado reduzir todo tipo de discriminação. No artigo 33, o Estado assume compromisso com os tratados internacionais e estabelece prioridade com a autonomia e independência da pessoa idosa e com sua inclusão digital.

No artigo 44, o Chile cria o seu SUS (universal, público e integrado) e, no 45, o Estado retorna ao sistema de previdência social, decretando o fim da barbárie causada pela privatização do sistema de aposentadoria e adoção do modelo de capitalização que levou milhões de "aposentados" chilenos a viver abaixo da linha de pobreza.

Todavia, é nos artigos 49 e 50 que o Chile oferece uma lição maior, ao reconhecer o trabalho doméstico e de cuidado como fundamental para "a sustentabilidade da vida e para a atividade econômica".

Diz o texto: "O Estado é obrigado a fornecer os meios para garantir que os cuidados sejam dignos e realizados em condições de igualdade e corresponsabilidade". A proposta é criar um Sistema de Atenção Integral, estatal, paritário, solidário e universal para atender bebês, crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, em situação de dependência e com doenças graves ou terminais.

O Brasil tem um marco regulatório avançado para a população idosa. No entanto, o envelhecimento cobra a ampliação das políticas públicas —ou seja, uma Política Nacional de Cuidados. Outros países estão, ao menos, discutindo a questão.

Em vez disso, o Brasil assiste a retrocessos, como foi o veto presidencial à regulamentação da profissão de cuidador de idosos, ou a equívocos, como ocorre agora no Congresso Nacional em relação à regulamentação da profissão de gerontólogo, igualando o bacharel ao técnico.

O nosso desafio é quebrar o silêncio e politizar o cuidado. O Chile avança promovendo a corresponsabilidade social e de gênero e implementando mecanismos de redistribuição do trabalho doméstico e de cuidado, de modo que este não represente uma desvantagem para quem o exerce.

Reale Jr. e Cardozo, acusador e defensor de Dilma, se unem a favor da democracia, OESP

 A mobilização pró-democracia em resposta às investidas do presidente Jair Bolsonaro (PL) contra o sistema eleitoral une dois nomes que, há pouco tempo, estavam em polos opostos da história política nacional. Miguel Reale Júnior, autor do processo que levou ao afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) do cargo, se uniu a José Eduardo Cardozo, que foi o advogado da petista durante o impeachment, para elaborar a carta de apoio à democracia.

Não é apenas que os dois assinam a nova “carta aos brasileiros”, que circula no meio jurídico, artístico e empresarial. Reale Júnior e Cardozo, ex-ministros da Justiça dos governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Dilma, respectivamente, estão nos bastidores da articulação do movimento e da busca de adesões de peso à carta.

José Eduardo Cardozo cumprimenta o advogado de acusação, Miguel Reale Júnior, no quinto dia de julgamento final do impeachment de Dilma, no Senado.
José Eduardo Cardozo cumprimenta o advogado de acusação, Miguel Reale Júnior, no quinto dia de julgamento final do impeachment de Dilma, no Senado. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

“Há um objetivo central único, que une todas as linhas diversas, que é a proteção da democracia e da justiça e a proteção das instituições. Porque o Bolsonaro veio ao longo de seus anos de governo desconstruindo a República, suas instituições, solapando a participação da sociedade civil”, afirmou Reale Júnior.

“Bolsonaro tem sempre a ideia do complô, do inimigo. Estamos todos exaustos, desassossegados, é um excesso de exaustão que une todas as pessoas. Diante das ameaças dele de não aceitar as eleições, porque (Bolsonaro) exige voto impresso e ataca ministros, nos colocamos juntos em defesa da democracia”, disse o jurista, que também é professor titular sênior da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

No plenário da Câmara dos Deputados, em 2016, os dois rebateram os argumentos um do outro. Reale Júnior falou pela acusação e Cardozo, então advogado-geral da União, acusou o processo de impeachment contra a então presidente de ser um golpe. Mas, no governo Bolsonaro, não é a primeira vez que os dois se unem. Em maio de 2020, eles assinaram um manifesto de profissionais da área jurídica que pedia que as Forças Armadas respeitem a democracia.

“Independentemente de divergências políticas, das visões ideológicas, há uma questão maior em jogo que é a defesa da democracia. Há um movimento para que todos somemos esforços para defender a democracia contra a visão autoritária do presidente Bolsonaro”, afirmou Cardozo.

Para articulação da carta, os dois contaram ainda com outros nomes que agiram nos bastidores, como do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, que foi uma ponte com o empresariado.

Os signatários da carta vieram a público nesta terça-feira, 26. A chamada “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito” contém mais de 3 mil assinaturas.

A iniciativa uniu tucanos, petistas, procuradores que trabalharam na Lava Jato, o advogado que ajudava a campanha do ex-juiz Sérgio Moro, ex-ministros de FHC, Lula, Dilma e Temer, empresários, economistas liberais, uma ex-assessora de Paulo Guedes e João Doria, a coordenadora de programa de Simone Tebet (MDB) e uma série de outras personalidades. O manifesto foi criado na Faculdade de Direito da USP.

Entre banqueiros e empresários estão Roberto Setubal, Candido Bracher e Pedro Moreira Salles, do Itaú Unibanco, Pedro Passos e Guilherme Leal, da Natura, Walter Schalka, da Suzano, Eduardo Vassimon (Votorantim), Horácio Lafer Piva (Klabin).

O deputado Rui Falcão (PT), coordenador de comunicação da campanha de Lula, assina a carta junto com Joaquim Falcão, que cuidava da parte jurídica da campanha de Moro. Vanessa Canado, advogada e professora do Insper, ex-integrante da equipe de Guedes e ex-articuladora do plano econômico de João Doria (PSDB), também subscreve. Elena Landau, economista à frente do programa de Simone Tebet (PMDB), se une ao grupo.

A lista de economistas inclui ainda Edmar Bacha, que participou da formulação do Plano Real, Samuel Pessoa, Demosthenes Madureira de Pinho Neto, José Marcio Rêgo, Luiz Gonzaga Beluzzo e outros.Há ex-ministros do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), como José Carlos Dias, José Gregori, Pedro Malan e Miguel Reale Júnior e o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. Dos ex-ministros dos governos petistas Lula e Dilma (PT), estão José Eduardo Cardozo, Tarso Genro e Renato Janine Ribeiro. Aloysio Nunes (PSDB), foi ministro nos governos FHC e Michel Temer e também subscreve o texto, assim como Raquel Dodge, que foi procuradora-geral da República na gestão do emedebista.