A mobilização pró-democracia em resposta às investidas do presidente Jair Bolsonaro (PL) contra o sistema eleitoral une dois nomes que, há pouco tempo, estavam em polos opostos da história política nacional. Miguel Reale Júnior, autor do processo que levou ao afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) do cargo, se uniu a José Eduardo Cardozo, que foi o advogado da petista durante o impeachment, para elaborar a carta de apoio à democracia.
Não é apenas que os dois assinam a nova “carta aos brasileiros”, que circula no meio jurídico, artístico e empresarial. Reale Júnior e Cardozo, ex-ministros da Justiça dos governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Dilma, respectivamente, estão nos bastidores da articulação do movimento e da busca de adesões de peso à carta.
“Há um objetivo central único, que une todas as linhas diversas, que é a proteção da democracia e da justiça e a proteção das instituições. Porque o Bolsonaro veio ao longo de seus anos de governo desconstruindo a República, suas instituições, solapando a participação da sociedade civil”, afirmou Reale Júnior.
“Bolsonaro tem sempre a ideia do complô, do inimigo. Estamos todos exaustos, desassossegados, é um excesso de exaustão que une todas as pessoas. Diante das ameaças dele de não aceitar as eleições, porque (Bolsonaro) exige voto impresso e ataca ministros, nos colocamos juntos em defesa da democracia”, disse o jurista, que também é professor titular sênior da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
No plenário da Câmara dos Deputados, em 2016, os dois rebateram os argumentos um do outro. Reale Júnior falou pela acusação e Cardozo, então advogado-geral da União, acusou o processo de impeachment contra a então presidente de ser um golpe. Mas, no governo Bolsonaro, não é a primeira vez que os dois se unem. Em maio de 2020, eles assinaram um manifesto de profissionais da área jurídica que pedia que as Forças Armadas respeitem a democracia.
“Independentemente de divergências políticas, das visões ideológicas, há uma questão maior em jogo que é a defesa da democracia. Há um movimento para que todos somemos esforços para defender a democracia contra a visão autoritária do presidente Bolsonaro”, afirmou Cardozo.
Para articulação da carta, os dois contaram ainda com outros nomes que agiram nos bastidores, como do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, que foi uma ponte com o empresariado.
Os signatários da carta vieram a público nesta terça-feira, 26. A chamada “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito” contém mais de 3 mil assinaturas.
A iniciativa uniu tucanos, petistas, procuradores que trabalharam na Lava Jato, o advogado que ajudava a campanha do ex-juiz Sérgio Moro, ex-ministros de FHC, Lula, Dilma e Temer, empresários, economistas liberais, uma ex-assessora de Paulo Guedes e João Doria, a coordenadora de programa de Simone Tebet (MDB) e uma série de outras personalidades. O manifesto foi criado na Faculdade de Direito da USP.
Entre banqueiros e empresários estão Roberto Setubal, Candido Bracher e Pedro Moreira Salles, do Itaú Unibanco, Pedro Passos e Guilherme Leal, da Natura, Walter Schalka, da Suzano, Eduardo Vassimon (Votorantim), Horácio Lafer Piva (Klabin).
O deputado Rui Falcão (PT), coordenador de comunicação da campanha de Lula, assina a carta junto com Joaquim Falcão, que cuidava da parte jurídica da campanha de Moro. Vanessa Canado, advogada e professora do Insper, ex-integrante da equipe de Guedes e ex-articuladora do plano econômico de João Doria (PSDB), também subscreve. Elena Landau, economista à frente do programa de Simone Tebet (PMDB), se une ao grupo.
A lista de economistas inclui ainda Edmar Bacha, que participou da formulação do Plano Real, Samuel Pessoa, Demosthenes Madureira de Pinho Neto, José Marcio Rêgo, Luiz Gonzaga Beluzzo e outros.Há ex-ministros do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), como José Carlos Dias, José Gregori, Pedro Malan e Miguel Reale Júnior e o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. Dos ex-ministros dos governos petistas Lula e Dilma (PT), estão José Eduardo Cardozo, Tarso Genro e Renato Janine Ribeiro. Aloysio Nunes (PSDB), foi ministro nos governos FHC e Michel Temer e também subscreve o texto, assim como Raquel Dodge, que foi procuradora-geral da República na gestão do emedebista.
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