sábado, 23 de abril de 2022

Marcos Mendes O contrato social está no limite, FSP

O contrato social desenhado após a redemocratização está se esgotando. As condições de governabilidade estão se deteriorando. Isso sinaliza problemas institucionais à frente.

Um alto grau de conflito distributivo é inerente a uma sociedade desigual, como a brasileira. No topo da pirâmide há pessoas com poder político e econômico para usar o Estado a seu favor, por meio de políticas como crédito subsidiado provido por bancos públicos, proteção contra a concorrência de produtos importados ou contratos privilegiados com a administração pública. No outro extremo, há uma grande pobreza a demandar políticas de assistência social.

Terreno fértil para o populismo redistributivista entrar em choque com a preservação de privilégios. O resultado é instabilidade política, um roteiro conhecido na história da América Latina.

Fotografia mostra close no rosto de Jair Bolsonaro; ele tem cabelo curto grisalho, colocado para o lado, e sorri para a foto
Jair Bolsonaro durante evento do dia do Exercito em Brasília - Adriano Machado - 19.abr.22/Reuters

O contrato social da redemocratização brasileira procurou amenizar esse conflito usando o Estado para atender a todos ao mesmo tempo. Foram preservados e ampliados privilégios da elite e se instaurou ampla política de benefícios aos mais pobres e à classe média. O Estado brasileiro distribui para todos: do Bolsa Empresário ao Bolsa Família. O que os grupos de pressão pedem ao Congresso, levam: pisos salariais, subsídios setoriais, alíquotas preferenciais.

Com todos atendidos, diminuiu a tensão social. O custo, porém, é o crescimento da carga tributária, da dívida pública e da despesa com juros. Ademais, políticas para favorecer grupos geram perda de eficiência econômica, reduzindo o potencial de crescimento. O cobertor fica curto e não dá para continuar distribuindo a todos.

As manifestações de 2013, cuja principal característica foi juntar diversos grupos que pediam mais do Estado, já foi um sinal de estresse.

Desde os anos 1990 já se percebeu a insustentabilidade desse modelo. Diferentes governos tentaram limitar o acesso aos cofres e a distorção das decisões regulatórias do Estado, por meio de reformas institucionais.

Para fazer essas reformas avançarem, e manter as finanças públicas sob controle, contava-se com uma divisão de poderes em que o Executivo era forte e tinha instrumentos para manter uma coalizão majoritária no Congresso, facilitando a aprovação de seus projetos. Instrumentos tortos, como a liberação de emendas em troca de votos, somavam-se ao poder de agenda (Medidas Provisórias) e de veto.

Porém, a força do Executivo vem sendo desidratada. A governabilidade, que sempre foi precária, está se tornando impossível.

As MPs, que podiam ser livremente editadas e reeditadas, foram limitadas pelo STF e são frequentemente alteradas ou rejeitadas pelo Congresso. Vetos presidenciais, que não eram contestados, agora caem frequentemente. Projetos de lei do Executivo encalham e as iniciativas dos parlamentares prosperam. Agências reguladoras, instituições de Estado, estão sendo loteadas entre políticos.

As emendas parlamentares se tornaram obrigatórias, perdendo poder de cooptação. Foi necessário criar outra modalidade de emenda, a de relator, para usar como instrumento de cooptação. Com isso, as emendas deixaram de consumir uma franja do orçamento e já representam 24% da despesa não obrigatória, engessando o espaço fiscal do Executivo.

A multiplicação de partidos, financiados por régias transferências públicas, pulverizou a representação política e dificultou ainda mais a formação de coalizões.

Frente às limitações fiscais, as lideranças do Congresso transformaram o modelo de distribuir para todos em distribuir prioritariamente para eles mesmos: financiamento de campanhas eleitorais, dos partidos e das emendas orçamentárias paróquias. Ao fazê-lo, desmoralizam o sistema político e alimentam o discurso de que democracia não dá certo.

Qualquer presidente que assuma em 2023 terá dificuldade em recuperar o controle do orçamento e da agenda política. Em ambiente polarizado, não será fácil redesenhar o contrato social sem maiores turbulências.

Tive o prazer e o privilégio de trabalhar com Eduardo Guardia. Se tivesse lido esta coluna, ele me diria: "Marcos, você sempre pessimista. Vamos trabalhar e melhorar esse país!". Edu, obrigado. 

Hotéis e sites de locação temporária apostam no trabalho híbrido, FSP

 SÃO PAULO

A gerente de operações Priscilla Sun, 30, acaba de se mudar pela oitava vez desde o início da pandemia. Entre moradias temporárias desde que deixou sua casa, em Belo Horizonte, ela passou por seis estados e trocou o emprego em uma empresa de tecnologia mineira pelo trabalho remoto para uma companhia do Vale do Silício, nos Estados Unidos.

"Sempre gostei de estar perto da natureza, e desde que voltei de uma viagem de estudos na Holanda priorizei destinos ligados ao ecoturismo. Quando voltei para o Brasil, fiquei com vontade de explorar esse tipo de lugar", conta ela, que morou em Alter do Chão (PA) e em Pipa (RN).

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Foto de chamada de vídeo de Priscilla Sun, 30, que trocou o emprego em BH por uma vaga remota
Priscilla Sun, 30, que trocou o emprego em BH por uma vaga remota - Gabriel Cabral/Folhapress

"Quando decidi virar nômade, deixei minha casa alugada e comecei a procurar opções, como o Airbnb. Com o tempo, meu namorado e eu começamos a desenvolver uma rede de contatos, que acaba indicando lugares para ficar. Nem penso em voltar a ter residência fixa por agora."

Seja por meio dos profissionais nômades —que conseguem manter o emprego mudando de cidade em cidade—, seja por meio dos trabalhadores que foram para cidades menores durante a quarentena e agora têm de voltar aos grandes centros por alguns dias, com a volta parcial ao escritório, hotéis, empresas de locação temporária e flats têm tentado recuperar as perdas da pandemia e se inserir nas novas rotinas de trabalho.

Na rede Accor, que detém os hotéis Ibis, por exemplo, parte dos quartos foi transformada em escritório para profissionais que trabalham remotamente, e o grupo passou a ofertar no Brasil em janeiro o Wojo Spot, sistema em que o consumidor pode usar a conexão de internet gratuitamente nas áreas comuns dos hotéis (lobby, bares e restaurantes), mesmo sem estar hospedado.

"Globalmente, o mercado corporativo vem devagar, mas estamos otimistas para voltar em 2022 quase ao patamar de 2019", diz Olivier Hick, vice-presidente-executivo das marcas de médio padrão e econômicas da Accor Brasil.

"Nossa marca de coworking tem hoje mais de 150 pontos de serviços no Brasil. Nos últimos três meses, foram quase 50 mil conexões dentro dos hotéis."

Segundo o executivo, o objetivo é disponibilizar um ambiente próximo de casa, para que o cliente possa usar a internet dos restaurantes dos hotéis para trabalhar. "As estatísticas que temos hoje são de pessoas que vão trabalhar até quatro dias por semana de dentro dos hotéis, sozinhos ou para fazer reuniões."

A rede diz que o serviço, mesmo sendo gratuito, traz a vantagem de movimentar os restaurantes e as áreas comuns das unidades em horários geralmente de baixa circulação.

Amanda Amorim, gerente-geral do Ibis Budget São Paulo Jardins, diz que tem ocorrido uma mudança no perfil de usuários do serviço. "Durante a pandemia, quando tudo estava fechado, percebemos um aumento na busca, principalmente por pessoas que precisavam de um ambiente tranquilo para trabalhar. Hoje, com a volta dos escritórios, a busca maior é de empreendedores de médio e pequeno portes."

Um deles é Renato Lins, 39. Formado em direito, ele se viu sem clientes durante a pandemia e resolveu abrir um negócio virtual de venda de artigos hospitalares, que acabou dando certo. Ele agora diz frequentar o espaço de trabalho em um hotel na região central de São Paulo uma vez por semana.

"Usamos as plataformas de grandes varejistas para ganhar clientes, mas é preciso fazer reuniões com fornecedores, e não tenho espaço em casa."

A reportagem testou dois desses espaços, em uma quarta-feira, em São Paulo. O movimento era fraco, o que permitiu trabalhar e fazer reuniões virtuais sem tanto barulho ou interrupções. O sinal de wi-fi foi suficiente para mandar emails, usar ferramentas de troca de mensagens e assistir a vídeos, mas começou a falhar durante as reuniões e foi preciso desligar a câmera para seguir usando os aplicativos.

Um dos segmentos mais afetados pelas medidas de distanciamento impostas pela pandemia, o setor hoteleiro tenta se reerguer. Após a forte queda causada pela pandemia, iniciada em março de 2020, a taxa de ocupação de hotéis em São Paulo foi crescendo ao longo do ano passado, apenas registrando alguns repiques, que coincidiam com o aumento de casos pelas novas variantes do coronavírus, segundo pesquisa do Fohb (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil).

Área do hotel Ibis, que liberou internet para não hospedes trabalharem
Área do hotel Ibis, que liberou internet para quem não é hospede - Danilo Verpa/Folhapress

A partir de agosto, a ocupação em São Paulo voltou a subir, mas permanecia, em janeiro deste ano, 12% abaixo do mesmo mês de 2019 e registrou duas novas quedas, em janeiro (-23%) e fevereiro (-32%).

Em relação ao valor das diárias, as da capital paulista ainda estavam 22% abaixo do patamar pré-pandemia, de 2019. Das cidades acompanhadas pela pesquisa, apenas no Rio de Janeiro e em Goiânia as diárias conseguiam acompanhar a variação da inflação pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).

Em março, as reservas de hotéis já estavam em nível superior ao de 2019, tanto em São Paulo quanto no Brasil, segundo o site de reservas Omnibees.

De acordo com William Astolfi, fundador da empresa de gestão de imóveis em plataformas B.Homy, a ocupação vem aumentando mês a mês e o movimento é percebido em regiões próximas a escritórios e lajes corporativas, como o Brooklin e a Vila Olímpia, na zona sul de São Paulo.

Ele ressalta um aumento no perfil de consumidores que moravam na cidade, se mudaram para o interior ou para o litoral durante a quarentena e agora se veem obrigados a trabalhar do escritório por alguns dias da semana. A opção de locação temporária de um apartamento inteiro acabou agradando a esse profissional híbrido, diz.

De acordo com pesquisa da Robert Half de novembro passado, o modelo híbrido deve ser usado por 48% das quase 400 empresas entrevistadas, enquanto 38% devem retornar ao sistema totalmente presencial, 3% devem ficar somente com o home office e o restante ainda não tinha um plano definido.

Uma pesquisa interna feita em 11 países, do Airbnb, que não divulgou dados sobre aumento de procura por hospedagem, também apontou que o número de pessoas que reservam estadias prolongadas na plataforma para levar um estilo de vida nômade cresceu de 9% para 12% entre 2020 e 2021.

Além disso, um levantamento realizado pela Ipsos em outubro de 2021, a pedido do Airbnb, revelou que 82% dos brasileiros desejam manter algum tipo de trabalho remoto pós-pandemia e 60% pretendem ser mais flexíveis em relação às datas de viagem pós-pandemia.

"As ocupações nas regiões que têm perfil de hóspede mais ligado ao trabalho do que ao lazer estavam bem abaixo de outros bairros da cidade, mas agora estão próximas, sobretudo em dias de semana —no ano passado, a ocupação estava na faixa de 60% e agora já está em cerca de 85%", acrescenta Astolfi. "O trabalho híbrido veio para ficar. Se as empresas não tiverem essa opção, o profissional vai buscar outro emprego."

Reportagem recente do jornal The New York Times mostrou que um movimento semelhante está ocorrendo nos Estados Unidos e na Europa, em que grandes redes de hotelaria têm promovido descontos e tarifas especiais para o trabalhador híbrido.

Desde o segundo semestre do ano passado, a Nomah, startup de locação flexível, também tem notado uma volta da demanda por hospedagem durante a semana. Em 2022, a tendência é de aumento de preços, represados durante a pandemia.

"O perfil de hóspedes em dias úteis se divide entre os empreendedores individuais que vão a São Paulo com frequência e, de forma mais expressiva, entre aqueles que vêm por meio de empresas. As companhias também têm feito mais acordos de tarifas preestabelecidas", diz Thomaz Guz, fundador da empresa, que faz a gestão de mais de mil unidades.

Ele completa que o nível de procura, no entanto, ainda não está no nível pré-pandemia, dado que o home office e as reuniões virtuais se tornaram mais comuns nos últimos dois anos. A expectativa é de uma recuperação apenas em 2023. "Mas pessoas que hoje moram próximas a São Paulo e precisam ir até o escritório em dias específicos acabam ajudando a movimentar o mercado durante a semana."