sábado, 23 de abril de 2022

Alvaro Costa e Silva As duas faces do general, FSP

 Você lembra que Hamilton Mourão era o Mozão? Foi no início do governo, quando ele, em público e sobretudo no trato com a imprensa, assumiu ares de homem cordial e ganhou o apelido que desfazia a imagem de general linha-dura. O candidato a vice-presidente —que antes falava em "autogolpe" para evitar a "anarquia generalizada"— passou a representar o poder moderador, a sombra de um estadista preocupado com os destinos do país, garantia de que a presença do Exército no Palácio do Planalto iria conter a natureza autoritária de Bolsonaro. Era uma farsa. Quem acreditou nela dorme todos os dias com a ameaça do golpe batendo à porta.

O que Mourão diz hoje, quando de novo é candidato (irá disputar uma vaga no Senado pelo Rio Grande do Sul), mostra quem é o verdadeiro Mozão. Só seus cabelos negros como a asa da graúna não mudaram.
Sua atuação era digna de aplausos. Se durante a pandemia, o presidente exibia a carantonha limpa, o vice cobria o rosto com a máscara do Flamengo, democrático, povão. O general se apresentava como alguém dotado de cérebro. Se Bolsonaro dizia que "o nazismo era um movimento de esquerda", ele rebatia: "De esquerda era o comunismo". Homem sem ódios ou ressentimentos, tirou uma foto sorrindo ao lado de FHC nos EUA, para provocar o atrito ensaiado com a chamada ala ideológica. O filho 02 disse que Mourão queria derrubar o pai, e o deputado Marco Feliciano chegou a entrar com pedido de impeachment contra ele.

São uns artistas. Quando presidia o Clube Militar e tramava com seus pares entrar para a política aproveitando a onda bolsonarista, Mourão já exaltava o Golpe de 64 e o coronel Brilhante Ustra. Não surpreende que faça piada com tortura.

"Eu não posso usar meu Viagra, pô?" Nem no Posto Seis de Copacabana, onde se reúnem os generais de pijama para jogar dama, a frase teria graça. Bolsonaro e Mourão governam o Brasil no modo esculacho.

Hélio Schwartsman - Guerra na Rússia e Covid na China dão alento a discurso pró-democracia, FSP

 


Os últimos anos foram de recessão democrática no Ocidente. Vários países, inclusive os EUA, tiveram de lidar com lideranças populistas, que enfraqueceram quando não solaparam as instituições. Paralelamente, nações autocráticas pareciam fazer progressos em várias áreas. O caso mais notável é o da China, que tirou centenas de milhões da pobreza, vai se saindo muito melhor do que democracias no controle da pandemia e avança até no gerenciamento da crise climática. Muitos se perguntavam se era assim tão ruim viver num regime autoritário.

A Guerra da Ucrânia e os surtos de ômicron na China jogam um pouco de água no moinho da democracia. Se a Rússia fosse uma democracia, reza o argumento, não teria invadido o país vizinho. Concordo. Penso que, se Vladimir Putin não vivesse numa bolha informacional, onde só ouve aquilo que quer ouvir, não teria entrado nessa furada. A guerra está se provando muito mais difícil do que o Kremlin antecipava, e as consequências econômicas, mais avassaladoras. Se Putin tivesse de prestar contas à população, estaria sob risco de destituição.

O caso da epidemia na China me parece menos convincente. É difícil entender por que Pequim ainda insiste na política de Covid zero. Ao que tudo indica, o vírus veio para ficar e será impossível manter-se livre do patógeno sem incorrer em custos exorbitantes. Mas, mesmo que se considere que as autoridades chinesas estejam agora errando com a ômicron, elas ainda poderiam errar muito mais sem nem chegar perto do péssimo desempenho de nações ocidentais na gestão da doença.

Meu ponto, porém, é que não me parece que a democracia deva ser defendida em termos apenas instrumentais. Há situações em que as ditaduras serão mesmo mais eficientes. O que torna as democracias superiores, penso, é que, nelas, direitos humanos têm valor intrínseco. Elas também se saem melhor na autocorreção, o que as torna mais sustentáveis.