terça-feira, 19 de abril de 2022

Alvaro Costa e Silva - A bancada do golpe, FSP

 "Há males que vêm pra pior." Lembrei a frase de Millôr Fernandes (aliás, o que o guru do Méier diria sobre o abismo em que nos metemos?) ao descobrir que, além das bancadas da bala, do boi e da Bíblia, prepara-se uma nova para povoar o Congresso: a dos alvos do STF, ou, simplificando, a bancada do golpe. O fato de golpistas assumidos pedirem votos à população não é um paradoxo, é o retrato do Brasil.

Com a cara de pau que Bolsonaro lhes deu, vão se candidatar, entre outros, Zé Trovão, que incentivou caminhoneiros a fechar as estradas do país no golpe fracassado de 7 de setembro; Roberto Jefferson, veterano do mensalão; Otávio Fakhoury, empresário que financia mentiras na rede. O ferrabrás Daniel Silveira aguarda o julgamento na corte para saber se poderá concorrer ao Senado. Vale até revelar podres do ex-chefe, como faz Abraham Weintraub, que mira alto: o governo de São Paulo.

Não são apenas os golpistas que buscam escapar da cadeia adquirindo imunidade parlamentar. A turma da cloroquina também se mobiliza. A médica Nise Yamaguchi, integrante do gabinete paralelo no Ministério da Saúde, sonha com o Senado, e Mayra Pinheiro, ex-secretária da pasta conhecida como Capitã Cloroquina, com a Câmara. O general Eduardo Pazuello, que do desastre na condução do combate à pandemia passou a assessor-fantasma no Planalto, tentará uma cadeira de deputado pelo Rio de Janeiro.

Como na festa de arromba das eleições sempre cabe mais um penetra, Eduardo Cunha está de volta depois da cana. Cuspindo no prato carioca em que se refestelou, ele agora é dono de partido político em São Paulo e, apesar de inelegível, garante que será candidato. Periga até ser presidente da Câmara outra vez. E estou curioso para ver quantos votos terá o Queiroz, com ou sem apoio da família.

Se Bolsonaro não ganhar, mas essa gente se eleger, pense no trabalho que terá o próximo presidente para lidar com o Congresso.

Odorico Paraguaçu e o Viagra de nossos desapetrechados militares, Cristina Serra, FSP

 Exibida 50 anos atrás, a novela "O Bem-Amado", do dramaturgo Dias Gomes, guarda desconcertante correspondência com o Brasil atual. Na pele do excepcional Paulo Gracindo, o prefeito de Sucupira, Odorico Paraguaçu, encarnava a síntese do que hoje se chama necropolítica, quando essa palavra talvez nem existisse.

0
O ator Paulo Gracindo como Odorico Paraguaçu, na novela "O Bem-Amado", de Dias Gomes - Divulgação

A única obra do prefeito é um cemitério, e ele trama o tempo todo a morte de algum cidadão para inaugurá-lo. Odorico manda até roubar vacinas que poderiam evitar uma epidemia. É quase uma profecia do que viria a ser o Brasil sob Bolsonaro.

Dias Gomes nos faz refletir sobre um país violento e autoritário por meio de muitos outros personagens. Tem o empresário que estupra por "diversão" e os playboys que, por "curtição", tocam fogo num homem que dormia na rua.

Em 1997, a realidade superaria a ficção, com o assassinato do líder indígena Galdino Jesus dos Santos, queimado enquanto dormia num ponto de ônibus, em Brasília, por cinco delinquentes de classe média. Barbárie que completa 25 anos nesta quarta-feira e que ainda nos ronda.

O índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, que teve 95% do seu corpo queimado em atentado praticado por estudantes de Brasília, na enfermaria do setor de queimados do Hospital Regional da Asa Norte - Leopoldo Silva - 20.abr.1997/Folhapress

A novela caiu no gosto popular talvez porque o autor, com diálogos cheios de ironia e humor cortante, tenha feito a audiência se olhar no espelho e rir de si mesma. Dias Gomes também sabia iludir a censura. Odorico era tratado pela patente de "coronel". Seu bordão, "Pra frente, Sucupira!", zombava da canção "Pra frente, Brasil!", símbolo da ditadura.

Ao novelista não escapou nem a piada do momento, desde que a imprensa descobriu a compra de Viagra e próteses penianas para militares, com dinheiro público. Em "sucupirês", o coronel Odorico Paraguassu também era "desapetrechado" de potência sexual e recorria a um xarope "revigoratório".

Cabe mencionar ainda a trilha sonora de Vinicius e Toquinho, sob medida para os dias de hoje. A canção "Paiol de pólvora" diz assim: "Estamos trancados no paiol de pólvora/Paralisados no paiol de pólvora/Olhos vendados no paiol de pólvora/Dentes cerrados no paiol de pólvora".

Justiça aceita recurso de Aras contra Conrado Hübner Mendes, Mônica Bergamo, FSP

 A Terceira Turma da Justiça Federal da 1ª Região (TRF-1) aceitou nesta terça-feira (19), por dois votos a um, um recurso apresentado pelo Procurador-Geral de República, Augusto Aras, em ação contra o professor da USP e colunista da Folha Conrado Hübner Mendes.

O PGR pede que Mendes seja condenado pelos crimes de calúnia, injúria e difamação. Ele cita postagens de redes sociais e uma coluna de sua autoria, publicada na Folha, intitulada "Aras é a antessala de Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional".

O professor de direito da USP e colunista da Folha Conrado Hübner Mendes - Zo Guimaraes - 19.nov.2019/Folhapress

A queixa-crime havia sido rejeitada em agosto do ano passado pela juíza federal Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, que posteriormente também indeferiu um recurso apresentado pelo PGR contestando sua decisão.

Nesta terça, porém, os juízes federais Marllon Sousa e Maria do Carmo Cardoso votaram a favor de Aras. O voto contrário foi da juíza Olívia Merlin Silva.

Com isso, o processo retornará à primeira instância da Justiça Federal, onde poderá ser instaurada uma ação penal para apurar as ofensas —resultando na condenação ou absolvição do professor da USP. Cabe recurso à decisão da Terceira Turma.

Relator do processo, Marllon Sousa sustentou que uma rejeição neste momento seria prematura e citou a "alta graduação" de Mendes e seu "profundo conhecimento jurídico" como motivos para que o teor das expressões utilizadas em suas publicações "pudesse ser melhor medido". "Eu entendo que esse caso merece apuração", disse Sousa.

"Se eu digo a prima face que isso não é de forma alguma ofensivo à honra, eu estou, ao me ver, também tolhendo, de uma forma absurda, a acusação de pode comprovar. Porque seria uma prova diabólica. A acusação sempre vai ter que trazer, em crimes contra a honra, uma prova cabal de que o dolo existiu? Ou eu tenho que trazer elementos que causam dúvidas de que o dolo existiu?", continuou.

Marllon Sousa ainda afirmou que as declarações não foram feitas em ambiente acadêmico, mas em um jornal de grande circulação em que Mendes fala "como um expert em algum assunto", além do uso particular das redes sociais.

Em postagens feitas, o professor chamou Aras de "Poste Geral da República" e "servo do presidente". Ele ainda classificou o PGR como o "grande fiador" da crise sanitária vivida no Brasil durante a epidemia de Covid-19.

A juíza federal Maria do Carmo Cardoso votou com o relator. "Eu até também fiquei bastante preocupada em saber a qualificação do querelado [Conrado Hübner Mendes]. Se for uma pessoa sem capacidade de conhecimento de normas legais, uma pessoa com pouca instrução, que tenha feito algum tipo de assertiva dessa natureza, ainda assim poderia considerar. Mas aí eu fui fazer realmente um levantamento da vida do querelado, professor universitário, uma vasta carreira inclusive internacional", afirmou.

"Você pode se expressar, sim. Você tem o direito de criticar, sim, mas com o mínimo de fundamento e de respeito às instituições. O que se tem hoje é falta de respeito às instituições", continuou Cardoso.

A magistrada disse ainda ter verificado "críticas ácidas, totalmente sem fundamento" nos textos de Mendes.

No ano passado, ao rejeitar a queixa-crime de Aras, a juíza federal Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves afirmou que não houve ofensa à honra do PGR e que a liberdade de expressão e a imprensa livre são pilares de uma sociedade democrática, aberta e plural.

"O direito de liberdade de expressão dos pensamentos e ideias consiste em amparo àquele que emite críticas, ainda que inconvenientes e injustas. Em uma democracia, todo indivíduo deve ter assegurado o direito de emitir suas opiniões sem receios ou medos, sobretudo aquelas causadoras de desconforto ao criticado", disse na ocasião.

Alves ainda destacou que aqueles que exercem função pública estão expostos a publicações que citem seu nome, sejam elas positivas ou negativas.

O professor chegou a ser citado em representação feita por Augusto Aras junto à Comissão de Ética da USP, mas o colegiado rejeitou a denúncia em decisão unânime.

O parecer destacou que os artigos e pronunciamentos mencionados são compatíveis com a atuação de Conrado Hübner Mendes enquanto pesquisador e especialista em direito constitucional e em teorias da democracia e da Justiça, que incluem a análise das decisões do Ministério Público contra o interesse público.

"A Comissão de Ética considera estar diante de debates públicos que, como tais, garantem o direito à resposta pública e para os quais não se aplicam penalizações de natureza ética", afirmou a comissão.

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH