O PGR pede que Mendes seja condenado pelos crimes de calúnia, injúria e difamação. Ele cita postagens de redes sociais e uma coluna de sua autoria, publicada na Folha, intitulada "Aras é a antessala de Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional".
A queixa-crime havia sido rejeitada em agosto do ano passado pela juíza federal Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, que posteriormente também indeferiu um recurso apresentado pelo PGR contestando sua decisão.
Nesta terça, porém, os juízes federais Marllon Sousa e Maria do Carmo Cardoso votaram a favor de Aras. O voto contrário foi da juíza Olívia Merlin Silva.
Com isso, o processo retornará à primeira instância da Justiça Federal, onde poderá ser instaurada uma ação penal para apurar as ofensas —resultando na condenação ou absolvição do professor da USP. Cabe recurso à decisão da Terceira Turma.
Relator do processo, Marllon Sousa sustentou que uma rejeição neste momento seria prematura e citou a "alta graduação" de Mendes e seu "profundo conhecimento jurídico" como motivos para que o teor das expressões utilizadas em suas publicações "pudesse ser melhor medido". "Eu entendo que esse caso merece apuração", disse Sousa.
"Se eu digo a prima face que isso não é de forma alguma ofensivo à honra, eu estou, ao me ver, também tolhendo, de uma forma absurda, a acusação de pode comprovar. Porque seria uma prova diabólica. A acusação sempre vai ter que trazer, em crimes contra a honra, uma prova cabal de que o dolo existiu? Ou eu tenho que trazer elementos que causam dúvidas de que o dolo existiu?", continuou.
Marllon Sousa ainda afirmou que as declarações não foram feitas em ambiente acadêmico, mas em um jornal de grande circulação em que Mendes fala "como um expert em algum assunto", além do uso particular das redes sociais.
Em postagens feitas, o professor chamou Aras de "Poste Geral da República" e "servo do presidente". Ele ainda classificou o PGR como o "grande fiador" da crise sanitária vivida no Brasil durante a epidemia de Covid-19.
A juíza federal Maria do Carmo Cardoso votou com o relator. "Eu até também fiquei bastante preocupada em saber a qualificação do querelado [Conrado Hübner Mendes]. Se for uma pessoa sem capacidade de conhecimento de normas legais, uma pessoa com pouca instrução, que tenha feito algum tipo de assertiva dessa natureza, ainda assim poderia considerar. Mas aí eu fui fazer realmente um levantamento da vida do querelado, professor universitário, uma vasta carreira inclusive internacional", afirmou.
"Você pode se expressar, sim. Você tem o direito de criticar, sim, mas com o mínimo de fundamento e de respeito às instituições. O que se tem hoje é falta de respeito às instituições", continuou Cardoso.
A magistrada disse ainda ter verificado "críticas ácidas, totalmente sem fundamento" nos textos de Mendes.
No ano passado, ao rejeitar a queixa-crime de Aras, a juíza federal Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves afirmou que não houve ofensa à honra do PGR e que a liberdade de expressão e a imprensa livre são pilares de uma sociedade democrática, aberta e plural.
"O direito de liberdade de expressão dos pensamentos e ideias consiste em amparo àquele que emite críticas, ainda que inconvenientes e injustas. Em uma democracia, todo indivíduo deve ter assegurado o direito de emitir suas opiniões sem receios ou medos, sobretudo aquelas causadoras de desconforto ao criticado", disse na ocasião.
Alves ainda destacou que aqueles que exercem função pública estão expostos a publicações que citem seu nome, sejam elas positivas ou negativas.
O professor chegou a ser citado em representação feita por Augusto Aras junto à Comissão de Ética da USP, mas o colegiado rejeitou a denúncia em decisão unânime.
O parecer destacou que os artigos e pronunciamentos mencionados são compatíveis com a atuação de Conrado Hübner Mendes enquanto pesquisador e especialista em direito constitucional e em teorias da democracia e da Justiça, que incluem a análise das decisões do Ministério Público contra o interesse público.
"A Comissão de Ética considera estar diante de debates públicos que, como tais, garantem o direito à resposta pública e para os quais não se aplicam penalizações de natureza ética", afirmou a comissão.
com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH