domingo, 17 de abril de 2022

A terceira via é um deserto de ideias, Elio Gaspari, FSP

 Quatro partidos buscam um candidato de consenso para marcharem unidos na eleição presidencial. Parece piada. Consenso em relação a quê? O PSDB fez uma prévia vencida pelo governador João Doria. O MDB tem uma candidata na rua e boa parte de sua caciquia na sala dos jantares de Lula. O União Brasil (ex-DEM, ex-PFL, ex-PDS e ex-Arena) tem no doutor Luciano Bivar um candidato de fantasia.

Doria ganhou a prévia, mas Eduardo Leite não saiu do páreo. Simone Tebet sabe, desde o primeiro momento, que suas dificuldades estão numa caciquia que não pretende descolar de Lula. Cada um dos candidatos da terceira via não tem consenso a começar no próprio partido.

Os presidenciáveis João Doria (PSDB) e Simone Tebet (MDB) durante encontro em SP, em dezembro de 2021
Os pré-candidatos à Presidência João Doria (PSDB) e Simone Tebet (MDB) durante encontro em São Paulo, em dezembro de 2021 - @Conjuntura Online no Twitter

Isso não se deve à falta de conversas. É por falta de ideias que seus candidatos não conseguem chegar ao segundo dígito. O país parece estar saindo de uma pandemia que matou mais de 600 mil pessoas, na qual milhões foram salvas pelo SUS.

Os planos de saúde ameaçam com um aumento histórico. No início da pandemia, recusaram-se a cobrir os custos de testes. Alguém ouviu uma palavra dos candidatos da terceira via sobre a saúde pública? Inflação? Desemprego?

O pessoal que busca o candidato que evitará a polarização Bolsonaro x Lula pratica um jogo de cubos que até agora rendeu noticiário, e só. Isso está estatisticamente demonstrado pelas pesquisas. Não falam para o andar de baixo e quem vive nele não mostra interesse pelas suas ilustres figuras.

Lula e Bolsonaro têm penetração no andar de baixo, cada um à sua maneira, e por isso a eleição está polarizada.

Até meados de maio a turma da terceira via e do consenso buscará um sabor comum a dois punhados de areia, um pedaço de melancia, e meio bife. Podem até se unir em torno de um candidato que cresça, mas dificilmente irão juntos até a eleição.

ENCRENCA

Partidários do presidente Bolsonaro estão colocando cartazes em pequenas cidades do interior do Nordeste dizendo que lá Lula não é bem-vindo.

Os termos usados são grosseiros e agressivos.

SILÊNCIO

No entorno de Bolsonaro admite-se a hipótese de ele não participar de debates durante a campanha eleitoral.

Em 2018, tendo sofrido um atentado, ele tinha motivo.


Má sorte de Moro é exemplo para quem sonha ser salvador da pátria

Queria ser presidente, topou disputar o Senado e acabou conformando-se na posição de puxador de votos

  • SALVAR ARTIGOS

    Recurso exclusivo para assinantes

    ASSINE ou FAÇA LOGIN

Em 2004 o juiz Sergio Moro escreveu um artigo louvando a ação da magistratura italiana com a Operação Mãos Limpas. Viu nela "uma das mais exitosas cruzadas judiciárias contra a corrupção política e administrativa".

De fato, a faxina da "Mani Pulite" gerou um hiato histriônico com o governo de Silvio Berlusconi, mas a política italiana hoje tem Mario Draghi como primeiro-ministro e Sergio Mattarella como presidente. Dois homens limpos.

Dez anos depois da publicação do artigo, Moro tornou-se o centro da Operação Lava Jato. Patrocinou a maior faxina da história e o maior desastre sofrido pela bandeira da moralidade. Fez isso tropeçando em diversos episódios e em duas desastrosas oportunidades.

O ex-juiz Sergio Moro (União Brasil), em depoimento a Comissão de Constituição e Justiça do Senado - Evaristo Sá - 31.mar.2020/AFP

A primeira, dias antes do primeiro turno de 2018, quando divulgou a escalafobética colaboração do comissário petista Antonio Palocci. A segunda, confirmando a primeira, quando aceitou o cargo de ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro.

Pulou da magistratura para o governo e dele para a política. Nela, foi para o Podemos como candidato à Presidência. Pulou do Podemos para o União Brasil. Enfurecia-se quando ouvia que poderia desistir da disputa.

Queria ser presidente, topou disputar o Senado e acabou conformando-se na posição de puxador de votos na chapa de candidatos a deputado federal. Em 2018 essa posição foi ocupada, com sucesso, por Eduardo Bolsonaro. Ele conseguiu 1,8 milhão de votos.

A desdita de Moro é um exemplo para quem sonha, ou diz que sonha, ser um salvador da pátria.

LIÇÃO JAPONESA

Enquanto um pedaço da casa real inglesa vive atolada em fofocas e banalidades, a monarquia japonesa dá mais uma lição de serenidade ao andar de cima mundial.

A princesa Mako, sobrinha do imperador Naruhito, decidiu casar com um plebeu, dispensou as mordomias de seu título, virou Sra. Komuro e foi morar em Nova York.

Ela acaba de se empregar, sem salário, no museu Metropolitan. Mako está organizando a exibição de pinturas de um monge budista do século XIII.

Do outro lado do mundo, o príncipe William é atazanado pelas fofocas de que teria uma ligação com a ex-modelo casada Rose Hanbury. Ela é dois anos mais nova que Kate Middleton, duquesa de Cambridge. Lá atrás, foram muito amigas.

Weintraub deveria seguir protocolo de ministro demitido por Vargas

Baiano Simões Filho disse a jornalistas que tinha perdido o ministério, mas não a educação

  • SALVAR ARTIGOS

    Recurso exclusivo para assinantes

    ASSINE ou FAÇA LOGIN

Abraham Weintraub, ministro da Educação de Bolsonaro, perdeu a cadeira em 2020 e ganhou um prêmio de consolação no Banco Mundial. Voltou ao Brasil, quer ser governador de São Paulo e atirou no chefe.

Contou que Bolsonaro lhe disse que "você vai ter que entregar o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para o Centrão." Sempre de acordo com sua versão, Weintraub reclamou e procurou adiar a entrega, até que foi "expulso" do ministério.

0
Abraham Weintraub, então ministro da Educação, durante audiência na Comissão de Educação do Senado Federal - Pedro Ladeira - 11.fev.2020/Folhapress

Antes de sua saída eram públicas as benevolências do FNDE. Enquanto esteve no governo notabilizou-se por querer mandar para a cadeia ministros do Supremo. Nunca mencionou larápios que bicavam no Fundo.

Ele e todos os doutores que saem do governo, sem apresentar fatos que justifiquem seus descontentamentos, deviam seguir o protocolo do baiano Simões Filho.

Ele era ministro da Educação e estava na França em 1953, quando foi demitido por Getúlio Vargas. De volta ao Brasil, foi cercado por jornalistas interessados em pescar queixas.

Repeliu-os com uma lição: "Eu perdi o ministério, mas não perdi a educação".

Não é fácil matar uma rainha, FSP

 Deu no Twitter e em tudo o que é canto. A Folha matou a rainha Elizabeth 2ª, "aos XX anos", em uma desastrosa publicação na manhã de segunda-feira (11). A ressuscitação levou absurdos 25 minutos, que em tempo de internet é eternidade multiplicada, como anos de cachorro. O jornal apontou para um erro técnico em seu pedido de desculpas. Explicou também que é prática do jornalismo ter obituários prontos. Apanhou feio.

Se a leitora e o leitor acham impróprio o verbo "matar", o ombudsman comete a indiscrição de revelar que é assim que as Redações inapropriadamente descrevem o ato de anunciar a morte de alguém famoso. Não por sadismo ou ato falho, apenas por ser direto e configurar responsabilidade: é preciso muita segurança para dizer que alguém morreu.

Não é a primeira vez que a Folha mata alguém antes da hora. Caso rumoroso foi o de Romeu Tuma, o chefe da Polícia Federal durante a ditadura militar, depois deputado e senador com discurso de ordem, espécie de piloto que deu origem à série. O anúncio equivocado, em 2010, resultou em demissões e muitas pauladas neste diário, ainda que as redes sociais de então vivessem outra era geológica.

Antes da rainha, foi o rei. Ninguém menos do que Pelé já foi levado desta para melhor algumas vezes, por CNN, O Globo e outros veículos. Na onda mais recente, em fevereiro, o próprio foi ao Instagram fazer troça: "Estão dizendo por aí que eu não estou bem. Vocês não acham que eu estou bonitão?", indagou o craque, em pose de pugilista.

Alguns erros passam batido. Os da Folha, dificilmente. Concorrentes noticiam a derrapada, detratores à esquerda e à direita achincalham, Gregorio Duvivier faz piada ("Que fofo a Folha não querer revelar com quantos anos a rainha morreu"). The Guardian não faz graça, mas lembra algumas que circularam, como "God save the Folha". O jornal britânico também contextualiza a situação do país, lembrando que a maioria das críticas partiram de apoiadores de Jair Bolsonaro, que "frequentemente ataca a Folha, assim como seu ícone político, Donald Trump, ataca a CNN".

Ilustração de uma coroa com uma coroa menor em cima dela e uma menor em cima das duas.
Carvall

Argumentar que houve um erro técnico parece esquiva e lembrar que obituários são feitos com antecedência é o mínimo. A Folha tem em torno de 200 artigos desse tipo prontos ou encaminhados. Alguns personagens, pela importância, tem edições preparadas. Longevo, Oscar Niemeyer obrigou a Redação a reeditar seus textos várias vezes, assim como a apresentação gráfica, por mais de uma década. Michael Jackson, no outro extremo, pegou o mundo de surpresa. Em 2021, a Folha publicou o obituário de Carlos Menem escrito por Clóvis Rossi, morto dois anos antes. A correspondente Sylvia Colombo atualizou o original.

Vale tudo, só não vale matar antes. Aí é vexame. Bom jornalismo se faz com antecedência, planejamento e, evidentemente, sem erros. Apresentar material digno à magnitude de uma figura pública, localizar e discutir seu legado, é papel básico da imprensa, o chamado registro histórico.

Porém, as horas de ruminação que o impresso às vezes permitia, a depender do horário de chegada da má notícia, não existem mais. No site, pronto é um apertar de botão, tornando cada vez mais sedutora a ideia de notícia feita em linha de montagem, eficiente na corrida por audiência até a próxima falha, técnica ou não. Mas jornalismo não é fábrica.

Vida longa à rainha. E ao rei.

IMAGEM É TUDO

Na noite de segunda-feira (11), PM de folga reagiu a assaltante que portava arma de brinquedo. Um dos três tiros que o policial disparou matou estudante que passava pelo local, no centro de São Paulo. A notícia só apareceu na Folha na manhã seguinte, no formato de uma fotografia. A imagem, aviso de luto na porta da lanchonete do pai da garota, compunha uma galeria, "veja fotos de hoje", ao lado de inundações nas Filipinas e tempestade de areia em Bagdá.

"Estou impressionada com o critério do que é notícia para a Folha", reclamou uma leitora.

Em crítica interna, levei a queixa à Redação. Era muito pouco para algo muito forte. Na noite de terça-feira (12), enfim, a notícia chegou ao site. O obituário indigno de Ingrid Reis Santos, 21, chegou tarde.

Fosse assunto alheio à Folha, até daria para entender, mas medo em São PauloPM e saúde mental de agentes foram pautas do jornal na semana.

Folha abdicou da notícia.

Na mesma noite de terça-feira, o Palmeiras enfiou 8 a 1 no Independiente Petrolero da Bolívia, pela Libertadores. Quem só lê a Folha soube agora do placar, descrito apenas como goleada em legenda de foto. Onde? Na mesma e eclética galeria de imagens.

Folha abdicou do leitor.

FORFAIT

O ombudsman tira duas semanas de folga. O atendimento aos leitores continua. A coluna volta no dia 8 de maio.