quarta-feira, 27 de outubro de 2021

O caminho do vexame em Glasgow, Elio Gaspari, FSP

 Faltam dois dias para a ida de Jair Bolsonaro à reunião do G-20 de Roma e mais três para o começo, no domingo, da reunião da ONU sobre mudanças climáticas, a Cop 26. Se a conduta das delegações brasileiras for conduzida por profissionais do Itamaraty, será possível evitar que o Brasil saia satanizado de Glasgow. Se a orientação sair da copa do presidente Bolsonaro, arma-se um vexame. Essa preocupação é legítima quando se sabe que em setembro a copa do Alvorada deu o tom do discurso pedestre do capitão na abertura da Assembleia da ONU.

A entrega da chefia da delegação brasileira ao ministro Joaquim Leite, do Meio Ambiente, foi um mau sinal. Não só pelo seu currículo e pela sua falta de experiência em assembleias internacionais, mas também pelo seu desconhecimento dos antecedentes históricos da encrenca em que se meteu. Ele disse que a proposta da Comissão Europeia de criação de uma taxa de carbono sobre produtos importados seria "uma forma de proteger as indústrias europeias de concorrentes estrangeiros que não cumprem os mesmos padrões de redução das emissões de gases de efeito estufa."

Vegetação totalmente queimada
Queimada em área dentro da Terra Indígena Trincheira Bacajá, no Pará - Lalo de Almeida - 20.jul.2021/Folhapress

​Traduzindo: os europeus usam a proteção ao meio ambiente para proteger suas economias. Essa ideia é compartilhada, por exemplo, pelo ministro da Economia, doutor Paulo Guedes. Vá lá que haja um fator econômico na querela. Mesmo assim, acreditar que a preocupação mundial com o clima seja um joguinho de papeleiros "revela um despreparo enorme", para usar uma expressão do próprio Guedes detonando a fantasia de um Plano Marshall diante da Covid-19.

O pelotão palaciano viajou no tempo para escorregar numa casca de banana do século 19. Quando o império defendia a escravidão e o contrabando negreiro, argumentava, quase em surdina, que o abolicionismo era um ardil dos ingleses para proteger sua produção. Em benefício da elite da época, esse argumento nunca foi vocalizado por ministros.

O Barão de Penedo, embaixador em Londres, nunca disse essas tolices por lá.

Passou o tempo e, novamente em surdina, a ditadura dizia que a política de defesa dos direitos humanos do presidente Jimmy Carter era uma nova face do imperialismo americano.


Omitiam-se dois fatos essenciais: o império assentava-se na escravidão e a ditadura amparava-se na tortura. Hoje, tenta-se embaralhar a questão climática reciclando a ignorância. É perda de tempo porque, salvo na cabeça dos agrotrogloditas, as queimadas da Amazônia estão na agenda do mundo.

Se o Brasil for para a reunião do G-20 de Roma e para Glasgow oferecendo um vago projeto verde, falando em protecionismo e cobrando recursos dos países ricos, pagará um mico. Em situações semelhantes, defendendo posições escalafobéticas, a diplomacia brasileira soube deixar o país fora da vitrine. Foi assim quando defendeu a insana política de reserva de mercado na informática, aquela que proibia a importação de computadores. Depois de um surto nacionalista, deixou o Acordo Nuclear com a Alemanha ir para a sepultura sem muxoxos.

Um presidente que não toma vacina e divulga a mentira de que ela provoca reações letais pode ser um ícone para seus convertidos, mas suas ideias em relação ao meio ambiente não são produto de exportação

Antonio Delfim Netto - Sem teto a casa cai- FSP

 A "causa causans" para a formulação do teto de gastos foi a necessidade urgente de devolver à sociedade brasileira a perspectiva de solvência do Estado dentro de um horizonte razoável.

Com a destruição gradual e cuidadosa das regras fiscais que vigoravam até então e em plena recessão econômica, criou-se um mecanismo de coordenação através do qual o Estado prometia, a partir da contenção do ritmo de crescimento dos gastos públicos, ser fiscalmente responsável até 2026.

Pode-se discutir se o teto era o melhor instrumento para fazer isso, mas é inegável que ele auxiliou no cumprimento de seu propósito primário original e, com isso, contribuiu para derrubar a taxa de juros e dar maior estabilidade à economia brasileira.

É por essa razão que as escolhas da semana passada causam estrago. Executivo e Legislativo abrem mão desse útil artefato de comprometimento com uma trajetória futura sem dizer à sociedade o que colocarão em seu lugar, e os agentes econômicos perdem a baliza para avaliar a (in)sustentabilidade da dívida pública.

A consequência é o comportamento visto nos preços de ativos e a disparada dos juros, o que resultará em mais inflação, menos crescimento e menos renda, principalmente para os mais pobres. Reflete a opção míope de reformular o teto no primeiro instante em que ele se mostra uma restrição verdadeiramente ativa, sem que haja a revisão dos gastos de baixíssima eficácia que dormem no Orçamento; sem a contenção dos ímpetos eleitoreiros dos que querem irrigar suas bases políticas com recursos para maximizar sua probabilidade de reeleição; sem forçar ao constrangimento público os que optam por manter duas dezenas de bilhões de reais em emendas de relator. Tudo em detrimento das prioridades da sociedade brasileira em meio aos efeitos da maior pandemia em mais de cem anos.

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E é por isso que a engenhoca não se torna "menos grave" pelo fato de o montante final do "extrateto" ser pequeno em relação ao total do Orçamento ou porque a trajetória do gasto primário como proporção do PIB ainda será declinante. Tudo isso é verdade, mas não altera a realidade (nem as consequências) da violação da credibilidade do elo com um futuro fiscalmente sustentável nem os efeitos da recusa reiterada de fazerem-se escolhas dentro das regras do jogo.

Jogamos fora a chance de consolidar uma perspectiva econômica melhor para 2022, depois da boa recuperação relativa em 2020-21. A necessária e imprescindível atenção ao mais pobres —obrigação moral do Estado— é usada como escudo para justificar escolhas autointeressadas.

Não é pelos R$ 400.