quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Biografia de sentimentos José Renato Nalini*, OESP

 José Renato Nalini*

20 de outubro de 2021 | 12h00

José Renato Nalini. FOTO: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

O imortal da Academia Paulista de Letras José Fernando Mafra Carbonieri publica sua “Poesia Reunida” em dois volumes. O poeta é também romancista e trabalha com heterônimos. Consegue preservar um estilo próprio a cada alter-ego com que produz literatura da maior qualidade.

Seus poetas imaginários – Roque Rocha, Malavolta Casadei, Conrado Honório, Aldo Tarrento, Orso Cremonesi, Frei Eusébio do Amor Perfeito – são parcelas de sua vivência plúrima. Vivência como Promotor Público, como professor, depois como Juiz do Tribunal de Alçada Criminal e Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Um homem sensível como Mafra Carbonieri, ao conviver com as entranhas da miséria humana, que é a esfera criminal do Judiciário, foi conhecendo os seres racionais que enveredaram na delinquência e desvendando a alma dos semelhantes. Por isso, diz que sua poesia assemelha-se a uma biografia de sentimentos.

Seus poetas imaginários já tinham existência concreta nos romances. Agora, provocados por surtos, transes, dramas ou tragédias, paixões ou vicissitudes que afetam o peregrinar pelo planeta, poetam.

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Em “A Lira de Roque Rocha”, vê-se a melancolia irada de “A Noite Escura”, em que se clama, a final, “Vim ao mundo pela porta do degredo. Malditos sejam os ratos. Todos os ratos. Os ratos. Os ratos da noite escura”. Esses ratos não seriam os roedores da ética brasileira, em metáfora tão atual desta fase penumbrosa da vida nacional?

Em “Luto”, reproduz-se o que Chopin teria segredado a George Sand: “Meu corpo tem-me causado tantas decepções que eu prefiro viver fora dele”. Em “Noticiário”, a epígrafe é de Drummond: “Chove medo nas ruas”. E o tom desgraçado prossegue em estrofes quais “Enquanto um carente estende/a sua mão de farrapo,/uma senhora consente/em dar-lhe o troco dum trapo”.

Impossível não relacionar “Bagatela” com o ataque famélico de cariocas à carroceria do caminhão repleto de ossos: “A humanidade/passa cheia de homens e mulheres (e cães de coleira)/que olham a festa das vitrinas e das feiras (tantos pontos de urina)/enquanto/Maria Papeleira e o cão assaltam o mesmo lixo (papel e osso para a sobrevivência)”.

Em “Prelúdio e Fuga”, o poeta parece vaticinar o que ocorrerá com a humanidade, se continuar inclemente em relação ao seu habitat, o único ainda disponível para a quase totalidade dos homens: “Atenção/passageiros/atenção atenção/vai dar pane no mundo/ninguém tem paraquedas/(ninguém)/ nem para-choque ou raio/e lá embaixo/não há para-lama que suporte os bastardos/(fardos). Será a morte/apenas a morte/a morte desabrochada um abraço/a morte indecisamente esperada/que não nos oferecerá um sentido/para renascer/mas renasceremos como ervas daninhas/amanhã/debaixo dos penedos (medo)/Atenção/passageiros/ Os pássaros do além-negro/cairão em nossos olhos desfeitos/Irão embora por natureza/retornarão como castigo”.

Há muitos poemas cujo tema é a morte. Como deixar de considerar a coincidência – e Georges Bernanos dizia que não há coincidência! O que chamamos assim é a lógica de Deus! – com os mais de seiscentos mil mortos pela Covid 19, nesta terra de terraplanistas e negacionistas, que hostilizam vacinas e máscaras e gostam de aglomeração?

Em “Registro Tumular de Emiliano Adamastor”, Mafra faz lembrar Respighi, com seus “Ciprestes do cemitério/que tanta história contais/ao vento da tarde cinza/estas cinzas derramai/com os santos óleos da dor/na testa de quem passar/pela sombra do caminho”.

Todavia, o tom é outro em “O Canto Furtivo”. Exercícios ingênuos, como que saídos de trovadores, apropriados para serestas: “Minha casa tem seis portas/todas elas de saída. Quem quiser que vá embora/e descambe na descida. Minha casa tem seis portas/todas elas de entrada. Quem quiser me dê um abraço, faço parte da morada. Minha casa é uma ilha/pelos ares contornada/quem precisar de meu colo/faço parte da mobília. Minha casa é uma ilha/perdida na madrugada. Quem me quiser venha logo, mulherio ou namorada”.

José Fernando Mafra Carbonieri é um intelectual dinâmico e ativo. Participa do “Clube de Leitura” da Academia Paulista de Letras e também daquele a cargo da Apamagis – Associação Paulista de Magistrados, que sob a gestão de Vanessa Mateus, abriu espaço para a literatura e para o cultivo do belo, algo que nem sempre foi preocupação de entidades do gênero.

Os dois volumes de “Poesia Reunida” são instigante convite para os que acreditam, como eu, que poesia é tão necessária como a água que hoje nos falta, como o oxigênio que hoje se polui, como o verde hoje ameaçado de extinção. Cada poema de Mafra Carbonieri é oportunidade para o mergulho em territórios interiores que conhecemos, porém nem sempre conseguimos desvendar, como os poetas fazem com hábil desenvoltura.

O mundo precisa de mais poesia. Mafra Carbonieri oferece a dele. E é de primeiríssima qualidade.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022

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 José Renato NaliniArtigo

Pela democracia, Brasil precisa apoiar participação de Taiwan como observador no encontro da Interpol em novembro, OESP

 Raquel Kobashi Gallinati e Tania Prado*

20 de outubro de 2021 | 12h25

Raquel Kobashi Gallinati e Tania Prado. FOTOS: DIVULGAÇÃO

Em novembro, será realizado em Istambul, na Turquia, o 89º Encontro da Organização Internacional de Polícia Criminal, a Interpol, reunindo todos os países que fazem parte da organização. Taiwan, que foi obrigado a se retirar do grupo em 1984, com o ingresso da China, solicita desde 2016 seu retorno como observador, pedido que, por força de pressões políticas, não foi aceito, ainda que o pleito já tenha recebido apoio de importantes membros, como Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Alemanha e Austrália.

Existe uma minuta de acordo bilateral na área de segurança pública entre Brasil e Taiwan, com a Polícia Federal e a Agência Nacional de Polícia de Taiwan como signatários. Portanto, o Brasil reconhece a relevância do país no combate internacional ao crime.

Prezando pela liberdade, pela democracia e pela segurança de suas fronteiras, o Brasil deve apoiar a participação de Taiwan como observador no encontro da Interpol, bem como sua participação significativa nas reuniões, mecanismos e outras atividades da organização. A ausência do país compromete a segurança mundial.

Hoje, a exclusão de Taiwan da Interpol prejudica a segurança de todo o mundo. Sem acesso aos arquivos de investigados internacionais da Interpol, o país perde uma ferramenta fundamental de investigação e gera uma lacuna importante no combate a crimes transnacionais relevantes, como tráfico de drogas, tráfico humano, terrorismo, crimes cibernéticos e lavagem de dinheiro.

Taiwan ainda não recebeu autorização da Interpol para acessar sua rede de comunicações policial global I-24/7 e vários bancos de dados criminais, incluindo o banco de dados de documentos de viagem roubados e perdidos. Isso prejudicou seriamente os controles de segurança das fronteiras e os esforços para combater o crime transnacional.

Segundo dados da Organização Mundial de Turismo da ONU, Taiwan recebeu 12 milhões de turistas internacionais em 2019 e abriga o 10º aeroporto mais movimentado do mundo. No Brasil, a comunidade taiwanesa tem cerca de 100 mil pessoas.

Sem permissão para consultar registros internacionais criminais, o país tem seu acesso aos dados reduzido, o que compromete sua capacidade de investigação. Com isso, Taiwan entra na mira de organizações que utilizam o país como rota para transporte de drogas sintéticas que são distribuídas por todo o mundo, inclusive o Brasil, além dos já citados crimes de lavagem de dinheiro e terrorismo. Em sua constituição, a Interpol registra, em seu Artigo 2º, o objetivo de garantir e promover ampla assistência mútua possível entre todas as autoridades policiais criminais.

A exclusão de Taiwan mina o esforço global de combate ao crime e o Brasil deve ser parte do esforço para corrigir essa importante distorção no sistema de investigação criminal internacional.

*Raquel Kobashi Gallinati, diretora de Integração da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol do Brasil) e presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp)

*Tania Prado, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal do Estado de São Paulo (SindPF-SP)

O que a política brasileira tem a aprender com o Sun Tzu: a arte da ‘não-guerra’, OESP

 Eloy Oliveira*

20 de outubro de 2021 | 12h40

Eloy Oliveira. FOTO: DIVULGAÇÃO

Muitas pessoas citam a Arte da Guerra, sem, contudo, realmente terem lido a obra na integralidade. A Arte da Guerra é uma obra atribuída a Sun Tzu, escrita na China há aproximadamente 2.500 anos. Curiosamente, só se tem notícia do livro fora do Oriente em 1782, quando foi traduzido para o Francês por um missionário jesuíta. Desde então, o livro tornou-se uma febre mundial. Seus ensinamentos simples e em forma de manual já foram aplicados a todo e qualquer tipo de atividade, dos negócios, à vida pessoal, passando pelo xadrez e até mesmo culinária. O que mais surpreende é como os ensinamentos de Sun Tzu foram distorcidos ao longo do tempo; possivelmente pelo excesso de interpretações sucessivas.

Prepare-se para uma grande revelação: A Arte da Guerra de Sun Tzu, na verdade, é um manual de como evitar a Guerra; é um manual da “Não-Guerra”. E exatamente por isso ele se torna ainda mais importante nos tempos atuais de tantos conflitos. Logo no início do livro, Sun Tzu alerta que “nunca houve uma guerra prolongada da qual um país se beneficiou” e, mais adiante, complementa que o “ápice da habilidade é subjugar seu inimigo sem combate”. Nos 13 capítulos que compõem o livro são ressaltados, diversas vezes, esses ensinamentos de que o confronto direto é sempre a pior opção possível e deve ser evitado a todo custo. Uma citação que traz a essência do livro é: “Existem estradas que não devem ser seguidas, exércitos que não devem ser atacados, cidades que não devem ser sitiadas, posições que não devem ser contestadas, ordens do soberano que não devem ser obedecidas”.

Como a política brasileira está precisando de uma verdadeira aula de Sun Tzu! Vivemos um tempo em que as pessoas exaltam a necessidade do combate direto e do conflito. Partidos políticos não conseguem chegar a consenso, nem mesmo sobre quem devem apoiar internamente. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em total desalinhamento, discutindo por filigranas. Toda essa desarmonia tem consequências graves para a economia nacional e para a vida de todos (e, aliás, Sun Tzu já alertava para esse efeitos econômicos nocivos advindos do conflito).

As cenas que temos visto na CPI da COVID-19 nestes últimos meses ilustram exatamente o que Sun Tzu não gostaria de ver. Senadores digladiando aos berros. Ofensas mútuas quase chegando as vias de fato. Os depoentes e investigados não deixam por menos, como o caricatural Luciano Hang, que fez provocações antes, durante e depois do seu depoimento da CPI recentemente.

Em certo ponto Sun Tzu reconta uma conversa com um discípulo de Confúcio na qual indaga:  “Você levaria para te ajudar um homem que está pronto para enfrentar um tigre ou atravessar um rio, sem se importar se viveria ou morreria?” e conclui “esse tipo de homem não se deve escolher. Eu certamente levaria alguém que aborda as dificuldades com a devida cautela e que prefere ter sucesso pela estratégia”. Ações temerárias e mal calculadas normalmente não levam a bons resultados. Na política, então, elas costumam ser desastrosas. Sejamos mais cautelosos e sábios, assim como Sun Tzu.

*Eloy Oliveira é pesquisador em Gestão Pública e membro do Conselho do Instituto República.org