O número de casos e óbitos no Brasil vem caindo de maneira consistente, o que pode indicar o prenúncio do fim da pandemia. Por outro lado, já foram detectados casos da cepa Delta em diversos locais, o que talvez signifique nova onda nas próximas semanas.
Além disso existe um número desconhecido de casos de reinfecção em pessoas que já tiveram a doença e que foram vacinados com duas doses. O caso do governador João Doria é um exemplo. O fato é que a baixa qualidade do monitoramento da pandemia no Brasil e os dados incompletos do governo dificultam nossa capacidade de prever o que nos espera nos próximos meses.
Em países com altos níveis de vacinação (mais de 60% da população vacinada com duas doses de vacinas de alta eficácia), onde a pandemia já parecia controlada, a variante Delta está provocando um aumento de casos. Aparentemente isso não refletiu no total de internações ou mortes, o que tem sido atribuído ao alto nível de vacinação. Esse fenômeno está em pleno andamento no Reino Unido e está no início nos EUA e em Israel.
Nos EUA, o fenômeno já pode ser observado nas estatísticas nacionais e é muito claro em alguns Estados. Esse aumento de casos tem levado esses países a vacinar os mais jovens e a iniciar a aplicação de uma terceira dose da vacina num esforço de controlar de vez o coronavírus. Os fabricantes de vacina já estão testando doses de reforço com a mesma vacina ou com vacinas desenvolvidas para proteger contra as novas variantes. Esse movimento tem recebido críticas uma vez que a maior parte da população mundial ainda não foi vacinada, mas acredito que faz parte do papel dos países mais avançados descobrir e testar soluções que possam depois ser estendidas a todo o planeta.
Do lado científico, há dados demonstrando que a quantidade de anticorpos diminui ao longo do tempo em pessoas vacinadas com vacinas de mRNA (Pfizer) e de adenovírus (AstraZeneca). Daí, talvez um reforço seja necessário.
Qual a situação no Brasil? Por aqui, os níveis de vacinação com as duas doses ainda são muito baixos (menos de 20%) e foram detectados casos da variante Delta. Como o governo só divulga a presença de um ou outro caso da variante e não complementa essa informação com o número total de amostras analisadas, é impossível sabermos a frequência dessa variante entre os novos casos. Uma possibilidade é que a Delta já seja predominante por aqui e, nesse caso, talvez não ocorra uma onda de novos casos nos próximos meses. Mas pode ser, também, que esses casos sejam os primeiros no Brasil e a Delta esteja iniciando sua expansão. Se esse for o cenário, é muito provável que tenhamos nova onda de casos nos próximos meses. E, se ela vier, é provável que as hospitalizações e mortes aumentem novamente, já que o nível de vacinação com duas doses ainda é baixo e não sabemos como a Coronavac se comporta com a nova variante. Em suma: não temos os dados necessários para saber o que vai ocorrer no Brasil no segundo semestre.
Outro problema, por aqui, é que o governo não divulga os números de testes feitos a cada dia, só o de testes positivos. Se o número de testes executados não for muito maior que o de casos positivos, o número de testes positivos não é um indicador do número real de casos. Esse problema existe desde o início da pandemia e é por esse motivo que os indicadores de mortes e de internações em UTIs têm sido os mais confiáveis do progresso da pandemia.
Com a vacinação progredindo é provável que haja uma dissociação do número de casos e do número de mortes, como vem ocorrendo no Reino Unido. Além disso é indispensável divulgar as estatísticas do número de pessoas vacinadas com cada uma das vacinas que se contaminam novamente (como Doria), são internadas e vêm a falecer. Sem essa informação será difícil decidir se a população deverá receber um reforço e se ele deve ser feito com a mesma ou com outra vacina. A baixa taxa de vacinação e o esforço de vacinar rapidamente a população não é desculpa para não enfrentarmos essas decisões e iniciarmos o planejamento para o segundo semestre de 2021.
O Brasil, guardião do maior bioma tropical do mundo e a caminho de se tornar o principal exportador agrícola, tem uma legislação ambiental exemplar e reúne as condições para ser uma liderança no desenvolvimento ambientalmente sustentável. Mas, apesar das juras protocolares do presidente Jair Bolsonaro na cúpula ambiental promovida em abril pelo presidente norte-americano, Joe Biden, não há sinal de que o seu governo pretende rever sua hostilidade à causa ambiental.
Após a saída desonrosa do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, suspeito de integrar um esquema de exportação de madeira ilegal, o novo ministro, Joaquim Leite, tem ao menos a vantagem de ser mais discreto. Mas talvez seja até demais. Ele ainda está a dever um plano de ação para reverter a escalada do desmatamento. A Conferência do Clima da ONU (COP 26), em novembro, será decisiva para a agenda ambiental global e, logo, para os destinos do Brasil. O ministro precisará de muito mais que discrição para apresentar resultados consistentes e compromissos convincentes.
Sem Salles, a estridência antiambiental foi assumida por próceres bolsonaristas, como a deputada Carla Zambelli (PSL-SP). Sem qualquer experiência na área ambiental, Zambelli foi inoculada pelo governo na presidência da Comissão do Meio Ambiente da Câmara para avançar pautas caras ao seu líder, como o desmonte dos órgãos de fiscalização, a pretexto de combater uma suposta “indústria de multas”, ou propostas intempestivas de interesse puramente corporativo, como o projeto apresentado em 2014 pelo então deputado Jair Bolsonaro de incluir policiais militares e bombeiros no Sistema Nacional do Meio Ambiente.
O Planalto, por sua vez, retirou arbitrariamente a atribuição do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) de divulgar os dados sobre queimadas. A política de “matar o mensageiro” não é nova. Em 2019, o presidente exonerou o diretor do Inpe, Ricardo Galvão. Sem apresentar evidências, Bolsonaro acusou Galvão de agir “a serviço de uma ONG” para “espancar” os dados e prejudicar “o nome do Brasil e do governo”.
O Inpe é um órgão estritamente técnico ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia e bem reputado internacionalmente há décadas. Os dados passarão a ser divulgados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ligado ao Ministério da Agricultura. “O Inpe não tinha essa questão de conflito de interesses”, disse Galvão. “Essa mudança, claramente, é para controlar a informação.”
Trata-se de uma verdadeira “pedalada ambiental”, que fere o princípio da transparência da administração pública.
Ante a política de terra arrasada (literalmente) do governo, aumenta a responsabilidade dos governos subnacionais. Como mostrou reportagem do Estado, o grupo Governadores pelo Clima, que conta com todos os governadores, exceto os de Roraima e Rondônia, ambos bolsonaristas, se encontrou com diplomatas europeus para discutir investimentos em energia renovável. Os Estados da Região Amazônica estão apresentando propostas para receberem recursos de fundos de investimento, como o Fundo Leaf, lançado por EUA, Reino Unido e Noruega com a participação de empresas privadas para remunerar iniciativas de preservação nos países tropicais.
Uma pauta crucial para os Estados onde a agropecuária tem força é divulgar iniciativas sustentáveis do agronegócio e medidas de repressão ao desmatamento ilegal. O movimento também chegou aos municípios. Mais de 100 deles relataram ao Instituto Clima e Sociedade (ICS) ter planos de ações climáticas.
São sinais de que se dissemina na gestão pública a consciência de que a pauta ambiental não é apenas um imperativo moral, mas econômico. Em contraste, tal como no combate à pandemia, o obscurantismo de Jair Bolsonaro se comprovou irremediável na área ambiental. Os demais Poderes da República, os governos subnacionais e a sociedade civil não podem poupar esforços para erguer um cordão sanitário capaz ao menos de salvaguardar as conquistas ambientais brasileiras até a chegada de dias melhores.
Nas últimas semanas, o avanço davacinaçãotem reduzido o número de pacientes dacovid-19no Brasil. Com isso, governos e hospitais se mobilizam para atender a demanda represada durante a pandemia:cirurgias eletivas(não urgentes),exames e consultas – adiadas para abrir espaço em unidades de saúde ou evitar contágio. Só na cidade de São Paulo, por exemplo, a fila de espera para cirurgias chegou a 130 mil.
O Brasil realizou 4.046.660 cirurgias, de diversos tipos, no ano passado – queda de 19% em relação aos 4.999.383 procedimentos de 2019. Para alguns casos, o recuo é ainda maior. Cirurgias de mama caíram 43% no período. Já as de pele ou aparelho digestivo baixaram, respectivamente, 39% e 34%.
A gestão Ricardo Nunes(MDB) anunciou esta semana que cinco hospitais da capital passarão a trabalhar até 24 horas por dia a partir do dia 1º. Com cerca de 10 mil novos pacientes na fila de espera a cada mês, a rede de saúde chegou a suspender o agendamento de cirurgias eletivas por causa da sobrecarga causada pela covid. Após melhoras nos índices, os procedimentos na capital paulista começaram a ser retomados em novembro.
O ritmo no atendimento, no entanto, ainda é lento. Dados da Secretaria Municipal de Saúde apontam que, entre janeiro e maio, a capital realizou cerca de 6,8 mil cirurgias eletivas, além de 318,8 mil consultas e 216,7 mil exames – abaixo da demanda natural por mês da cidade. A Prefeitura não informou o tamanho da fila antes da pandemia.
Na rede de Hospitais Dia da Prefeitura, de janeiro a julho de 2019, foram realizados 8.707 procedimentos. Em 2020, no mesmo período, foram realizadas 3.365. Já neste ano, até maio, foram 6.784 cirurgias.
“Precisamos estar muito focados na retomada da economia, na retomada da volta à vida, poder fazer aqueles exames, consultas e cirurgias que ficaram parados”, declarou Nunes na terça. "Não vamos esperar nem um dia para tomar as ações necessárias, sempre com a visão técnica da área da Saúde."
Para isso, a Prefeitura planeja manter cinco Hospitais Dia em atividade por 24 horas, a semana inteira. As unidades ficam no Butantã, zona oeste, Vila Guilherme, norte, São Miguel, leste, além de Ipiranga e Cidade Ademar, na sul. Essas unidades devem receber os procedimentos de maior complexidade, casos de idosos ou pessoas com doenças crônicas.
Já as cirurgias de pequeno e médio porte devem ser feitas em outras oito unidades, que terão o horário estendido em três horas e funcionarão das 7h às 22 horas. "O objetivo é agilizar o tempo médio para a realização dessas cirurgias na cidade de São Paulo, além de exames especializados", diz a pasta.
Interior também organiza retomada
O Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto ampliou em 50% o total de cirurgias eletivas em relação ao que vinha realizando nos meses mais críticos da pandemia: subiu de 400 em maio para 600 em junho e, segundo a administração, o aumento será ainda maior nos próximos meses se mantida a queda da covid.
Em Campinas, a prefeitura informou que vai manter o Hospital Metropolitano exclusivo para atendimentos covid, mas iniciará a transformação dos demais leitos da rede municipal em não covid, conforme a queda no número de casos. "Será criada uma comissão com a participação de hospitais da cidade para começar a construir uma política para o enfrentamento de outras patologias e cirurgias que ficaram reprimidas durante a pandemia", disse, em nota.
Em Mogi das Cruzes, a Santa Casa de Misericórdia já retomou as cirurgias de oftalmologia (catarata), mas o Hospital Municipal continua funcionando exclusivamente para covid-19 e não há previsão de retomar casos eletivos. Em junho a cidade, tinha 1,6 mil pacientes na fila por cirurgias do tipo. No 1.º trimestre de 2020, Mogi fez 1.049 cirurgias eletivas. No mesmo período deste ano, foram apenas 45. A prefeitura informou que faz o encaminhamento aos hospitais por meio da central de regulação de leitos.
A auxiliar de expedição Michele Almeida, de 46 anos, aguarda há um ano e meio na fila de espera por uma cirurgia para remover os ovários. Ela sofre de endometriose profunda e chegou a passar por alguns exames preparatórios em Mogi. "Já estava me preparando para ser operada, mas foi tudo cancelado. Como continuo com muitas dores, estou fazendo terapia e tomando remédio, esperando a remarcação da cirurgia. Tem dia que não consigo andar direito, por causa da dor", conta.
Em Santos, as cirurgias eletivas foram retomadas no Complexo Hospitalar dos Estivadores e no Complexo Hospitalar da Zona Noroeste, unidades municipais. Estão sendo feitas todas as cirurgias de alta complexidade e 50% das cirurgias menos complexas. Em Piracicaba, a rede municipal ainda não retomou as cirurgias eletivas e já acumula cerca de três mil pessoas na fila de espera pelo procedimento. Ortopedia e oftalmologia respondem por 70% da demanda.
A Secretaria da Saúde do Estado disse monitorar o cenário epidemiológico da covid em todas as regiões, o que permite definir estratégias para garantir a disponibilidade de leitos, bem como a assistência a outras patologias. Conforme a pasta, consultas, cirurgias e procedimentos não urgentes podem ser agendados ou reprogramados conforme avaliação caso a caso, dependendo de orientação médica e do quadro do paciente. “Esta demanda é descentralizada na rede, considerando que há regulações municipais ou regionais, com os respectivos serviços de referência. O encaminhamento de pacientes a atendimentos especializados é de responsabilidade dos municípios, que possuem autonomia para definir os casos prioritários”, informou.
Hospitais de elite reduziram, mas ritmo já é normal
Na rede privada, unidades enfrentam desafios para retomar cirurgias eletivas. Levantamento do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SindHosp) aponta que até 50% dos procedimentos foram cancelados em 68% dos serviços de saúde no início do mês. Para 6% das unidades, a taxa de cancelamento era de até 80%. O balanço foi realizado entre 28 de junho e o último dia 2, com 86 hospitais privados – 29 da capital e 57 do interior.
Em hospitais de elite de São Paulo, os procedimentos foram suspensos no início da pandemia e retomados aos poucos, conforme as administrações. Nos períodos de maior restrição, só eram mantidos para casos prioritários em que o tempo de espera poderia acarretar piora do quadro clínico. "Entre a segunda quinzena de março e a segunda de maio de 2020, tivemos uma redução importante de procedimentos eletivos, chegando a operar com 30% da capacidade", diz Miguel Cendoroglo Neto, diretor do Hospital Albert Einstein. "Até o final de 2020, operávamos com 85% da capacidade."
O Sírio-Libanêsdiz não dispor de números sobre a quantidade de cirurgias eletivas suspensas, mas "boa parte" delas foi adiada na ocasião. "Com a melhora do cenário, voltamos a liberar gradativamente cirurgias funcionais e estéticas, consideradas eletivas, atentos à segregação e à segurança de fluxos", diz Felipe Duarte Silva, Gerente de Pacientes Internados e Práticas Médicas. "O cenário foi bastante dinâmico e ajustado diariamente. A capacidade variou de acordo com a ocupação hospitalar", acrescenta.
"Atualmente o cenário de atendimento é favorável, sobretudo porque conseguimos desmobilizar algumas das unidades covid-19, com a diminuição das internações por este diagnóstico", diz Silva. "Não há restrições de agendamento, mas seguimos gerenciando a distribuição destes agendamentos ao longo da semana para melhor utilização dos recursos."
Em nota, o HCorafirma que conseguiu realizar 92% das cirurgias previamente agendadas, tendo sido remanejadas só 8% das cirurgias. Já o Hospital Alemão Oswaldo Cruz informa não ter havido "necessidade de suspensão de procedimentos cirúrgicos por parte do hospital". A unidade diz ter feito "campanhas de esclarecimento para a população sobre os riscos de adiar os tratamentos e campanhas e lives das doenças cardiovasculares, digestivas, oncológicas, urológicas e mentais."
Três perguntas para Walter Cintra Ferreira, médico e professor da FGV
Qual é o efeito da paralisação de cirurgias eletivas?
A paralisação leva ao aumento da demanda reprimida. Apesar de não urgentes, a demora pode levar à piora do quadro do paciente e do prognóstico como no caso das cirurgias oncológicas.
Quais estratégias podem ser adotadas?
Deve haver uma mobilização com forças-tarefas nas diversas especialidades, triando os pacientes e realizando mutirões. Isso implica em alto investimento em recursos humanos, hospitais cirúrgicos. Ou seja, aumentar o orçamento do SUS para tirar o atraso.
Há tipos de doenças mais sensíveis?
As mais sensíveis são aquelas em que a não realização da cirurgia leva a uma piora rápida do quadro clínico e risco de morte. Podemos citar as doenças cardíacas e as doenças oncológicas. /COLABOROU ÍTALO COSME, ESPECIAL PARA O ESTADÃO