Nas últimas semanas, o avanço da vacinação tem reduzido o número de pacientes da covid-19 no Brasil. Com isso, governos e hospitais se mobilizam para atender a demanda represada durante a pandemia: cirurgias eletivas (não urgentes), exames e consultas – adiadas para abrir espaço em unidades de saúde ou evitar contágio. Só na cidade de São Paulo, por exemplo, a fila de espera para cirurgias chegou a 130 mil.
O Brasil realizou 4.046.660 cirurgias, de diversos tipos, no ano passado – queda de 19% em relação aos 4.999.383 procedimentos de 2019. Para alguns casos, o recuo é ainda maior. Cirurgias de mama caíram 43% no período. Já as de pele ou aparelho digestivo baixaram, respectivamente, 39% e 34%.
A gestão Ricardo Nunes (MDB) anunciou esta semana que cinco hospitais da capital passarão a trabalhar até 24 horas por dia a partir do dia 1º. Com cerca de 10 mil novos pacientes na fila de espera a cada mês, a rede de saúde chegou a suspender o agendamento de cirurgias eletivas por causa da sobrecarga causada pela covid. Após melhoras nos índices, os procedimentos na capital paulista começaram a ser retomados em novembro.
O ritmo no atendimento, no entanto, ainda é lento. Dados da Secretaria Municipal de Saúde apontam que, entre janeiro e maio, a capital realizou cerca de 6,8 mil cirurgias eletivas, além de 318,8 mil consultas e 216,7 mil exames – abaixo da demanda natural por mês da cidade. A Prefeitura não informou o tamanho da fila antes da pandemia.
Na rede de Hospitais Dia da Prefeitura, de janeiro a julho de 2019, foram realizados 8.707 procedimentos. Em 2020, no mesmo período, foram realizadas 3.365. Já neste ano, até maio, foram 6.784 cirurgias.
“Precisamos estar muito focados na retomada da economia, na retomada da volta à vida, poder fazer aqueles exames, consultas e cirurgias que ficaram parados”, declarou Nunes na terça. "Não vamos esperar nem um dia para tomar as ações necessárias, sempre com a visão técnica da área da Saúde."
Para isso, a Prefeitura planeja manter cinco Hospitais Dia em atividade por 24 horas, a semana inteira. As unidades ficam no Butantã, zona oeste, Vila Guilherme, norte, São Miguel, leste, além de Ipiranga e Cidade Ademar, na sul. Essas unidades devem receber os procedimentos de maior complexidade, casos de idosos ou pessoas com doenças crônicas.
Já as cirurgias de pequeno e médio porte devem ser feitas em outras oito unidades, que terão o horário estendido em três horas e funcionarão das 7h às 22 horas. "O objetivo é agilizar o tempo médio para a realização dessas cirurgias na cidade de São Paulo, além de exames especializados", diz a pasta.
Interior também organiza retomada
O Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto ampliou em 50% o total de cirurgias eletivas em relação ao que vinha realizando nos meses mais críticos da pandemia: subiu de 400 em maio para 600 em junho e, segundo a administração, o aumento será ainda maior nos próximos meses se mantida a queda da covid.
Em Campinas, a prefeitura informou que vai manter o Hospital Metropolitano exclusivo para atendimentos covid, mas iniciará a transformação dos demais leitos da rede municipal em não covid, conforme a queda no número de casos. "Será criada uma comissão com a participação de hospitais da cidade para começar a construir uma política para o enfrentamento de outras patologias e cirurgias que ficaram reprimidas durante a pandemia", disse, em nota.
Em Mogi das Cruzes, a Santa Casa de Misericórdia já retomou as cirurgias de oftalmologia (catarata), mas o Hospital Municipal continua funcionando exclusivamente para covid-19 e não há previsão de retomar casos eletivos. Em junho a cidade, tinha 1,6 mil pacientes na fila por cirurgias do tipo. No 1.º trimestre de 2020, Mogi fez 1.049 cirurgias eletivas. No mesmo período deste ano, foram apenas 45. A prefeitura informou que faz o encaminhamento aos hospitais por meio da central de regulação de leitos.
A auxiliar de expedição Michele Almeida, de 46 anos, aguarda há um ano e meio na fila de espera por uma cirurgia para remover os ovários. Ela sofre de endometriose profunda e chegou a passar por alguns exames preparatórios em Mogi. "Já estava me preparando para ser operada, mas foi tudo cancelado. Como continuo com muitas dores, estou fazendo terapia e tomando remédio, esperando a remarcação da cirurgia. Tem dia que não consigo andar direito, por causa da dor", conta.
Em Santos, as cirurgias eletivas foram retomadas no Complexo Hospitalar dos Estivadores e no Complexo Hospitalar da Zona Noroeste, unidades municipais. Estão sendo feitas todas as cirurgias de alta complexidade e 50% das cirurgias menos complexas. Em Piracicaba, a rede municipal ainda não retomou as cirurgias eletivas e já acumula cerca de três mil pessoas na fila de espera pelo procedimento. Ortopedia e oftalmologia respondem por 70% da demanda.
A Secretaria da Saúde do Estado disse monitorar o cenário epidemiológico da covid em todas as regiões, o que permite definir estratégias para garantir a disponibilidade de leitos, bem como a assistência a outras patologias. Conforme a pasta, consultas, cirurgias e procedimentos não urgentes podem ser agendados ou reprogramados conforme avaliação caso a caso, dependendo de orientação médica e do quadro do paciente. “Esta demanda é descentralizada na rede, considerando que há regulações municipais ou regionais, com os respectivos serviços de referência. O encaminhamento de pacientes a atendimentos especializados é de responsabilidade dos municípios, que possuem autonomia para definir os casos prioritários”, informou.
Hospitais de elite reduziram, mas ritmo já é normal
Na rede privada, unidades enfrentam desafios para retomar cirurgias eletivas. Levantamento do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SindHosp) aponta que até 50% dos procedimentos foram cancelados em 68% dos serviços de saúde no início do mês. Para 6% das unidades, a taxa de cancelamento era de até 80%. O balanço foi realizado entre 28 de junho e o último dia 2, com 86 hospitais privados – 29 da capital e 57 do interior.
Em hospitais de elite de São Paulo, os procedimentos foram suspensos no início da pandemia e retomados aos poucos, conforme as administrações. Nos períodos de maior restrição, só eram mantidos para casos prioritários em que o tempo de espera poderia acarretar piora do quadro clínico. "Entre a segunda quinzena de março e a segunda de maio de 2020, tivemos uma redução importante de procedimentos eletivos, chegando a operar com 30% da capacidade", diz Miguel Cendoroglo Neto, diretor do Hospital Albert Einstein. "Até o final de 2020, operávamos com 85% da capacidade."
O Sírio-Libanês diz não dispor de números sobre a quantidade de cirurgias eletivas suspensas, mas "boa parte" delas foi adiada na ocasião. "Com a melhora do cenário, voltamos a liberar gradativamente cirurgias funcionais e estéticas, consideradas eletivas, atentos à segregação e à segurança de fluxos", diz Felipe Duarte Silva, Gerente de Pacientes Internados e Práticas Médicas. "O cenário foi bastante dinâmico e ajustado diariamente. A capacidade variou de acordo com a ocupação hospitalar", acrescenta.
"Atualmente o cenário de atendimento é favorável, sobretudo porque conseguimos desmobilizar algumas das unidades covid-19, com a diminuição das internações por este diagnóstico", diz Silva. "Não há restrições de agendamento, mas seguimos gerenciando a distribuição destes agendamentos ao longo da semana para melhor utilização dos recursos."
Em nota, o HCor afirma que conseguiu realizar 92% das cirurgias previamente agendadas, tendo sido remanejadas só 8% das cirurgias. Já o Hospital Alemão Oswaldo Cruz informa não ter havido "necessidade de suspensão de procedimentos cirúrgicos por parte do hospital". A unidade diz ter feito "campanhas de esclarecimento para a população sobre os riscos de adiar os tratamentos e campanhas e lives das doenças cardiovasculares, digestivas, oncológicas, urológicas e mentais."
Três perguntas para Walter Cintra Ferreira, médico e professor da FGV
Qual é o efeito da paralisação de cirurgias eletivas?
A paralisação leva ao aumento da demanda reprimida. Apesar de não urgentes, a demora pode levar à piora do quadro do paciente e do prognóstico como no caso das cirurgias oncológicas.
Quais estratégias podem ser adotadas?
Deve haver uma mobilização com forças-tarefas nas diversas especialidades, triando os pacientes e realizando mutirões. Isso implica em alto investimento em recursos humanos, hospitais cirúrgicos. Ou seja, aumentar o orçamento do SUS para tirar o atraso.
Há tipos de doenças mais sensíveis?
As mais sensíveis são aquelas em que a não realização da cirurgia leva a uma piora rápida do quadro clínico e risco de morte. Podemos citar as doenças cardíacas e as doenças oncológicas. /COLABOROU ÍTALO COSME, ESPECIAL PARA O ESTADÃO
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