segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Cachoeiras e trilhas no extremo sul de SP dão respiro à vida na metrópole, FSP

 Patrícia Pasquini

Eduardo Knapp
SÃO PAULO

Quem vive rodeado de concreto, como é a realidade da maioria dos paulistanos, talvez, não imagine que o extremo sul da cidade São Paulo guarde uma porção de cachoeiras.

Segundo Lucas Vieira Duarte, 29, proprietário da Toca da Onça, que organiza atividades de ecoturismo, a região de Engenheiro Marsilac possui mais de 30.

O distrito é o último da capital paulista, depois de Parelheiros. Está a cerca de 50 km da Praça da Sé, no centro, e faz divisa com Itanhaém, no litoral, São Bernardo do Campo (ABC) e Embu-Guaçu (Grande SP).

Pessoas de qualquer idade podem conhecer uma das cachoeiras, basta escolher aquela que oferece uma trilha de acordo com o seu perfil. Quando há um grau de maior dificuldade para acesso ou a propriedade exige, é necessário o acompanhamento de um guia de turismo.

Cachoeiras da cidade de SP. Cachoeira dos Manacás,  no rio Capivari , localizada na região de Eng Marsilac, no extremo sul da cidade, perto do início da Serra do Mar
Cachoeiras da cidade de SP. Cachoeira dos Manacás, no rio Capivari , localizada na região de Eng Marsilac, no extremo sul da cidade, perto do início da Serra do Mar - Eduardo Knapp - 21.jan.2021/Folhapress

As cachoeiras de Engenheiro Marsilac são formadas pelo rio Capivari, que é o último curso d’água limpo da cidade. Algumas ficam em áreas indígenas, municipais ou estaduais e o acesso é fechado por estarem em locais de risco ou proteção.

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As abertas para a visitação e o banho estão em propriedades particulares, com visitação controlada. É o caso das cachoeiras do Sagui, Oásis e Raio de Sol, com acesso pela Fazenda Maravilha.

A entrada custa R$ 20 por pessoa. O local tem área de camping, banheiros, estacionamento e oferece almoço,pago à parte.

Pelo parque Selva SP é possível visitar as cachoeiras dos Manacás, Marsilac, das Lontra e das Onça. A entrada custa R$ 10 e dá direito a estacionamento e estrutura com banheiros e vestiários.

Na lanchonete do local dá para experimentar sucos das frutas típicas da região, como cambuci, juçara, uvaia e butia. O parque, que está perto da área de proteção ambiental Capivari-Monos, também oferece a prática de esportes radicais, mas cobra à parte.

Na quinta-feira (21), guiada pelo Lucas, a reportagem da Folha visitou as cachoeiras Marsilac, dos Manacás e do Sagui.

O passeio é quase uma viagem, dependendo da região onde está o turista. O ideal é sair cedo para que o retorno seja antes do anoitecer.

As vias de acesso possuem ondulações, mas carros comuns trafegam normalmente. Não há sinalização ou iluminação pública. Mara Ferreira, 60, proprietária da Fazenda Maravilha, disse que os moradores já solicitaram melhorias das estradas locais à prefeitura e nada foi feito.

Celular de nenhuma operadora tem sinal na região. Quando não há endereço, o jeito é seguir as placas indicando a direção das cachoeiras. É o caso da cachoeira do Sagui.

Para a cachoeira Marsilac, não há trilha. O usuário aproveita a queda d’água, nada ao longo do rio ou se aventura nas diversas atividades oferecidas pelo parque, como boia cross, stand up paddle, rapel guiado, rafting e trampolim aquático. Durante os fins de semana, funciona uma tirolesa instalada sobre o rio. Um salva-vidas monitora a área.

A segunda visita foi para a cachoeira dos Manacás. O nome é uma referência à flor comum na Mata Atlântica e que tem em abundância na região.

A trilha aberta, de 3,5 km (ida e volta), é de nível fácil, mas há trechos inclinados e no meio do caminho tem a travessia do rio Capivari. Crianças e idosos com pouco preparo físico não enfrentam dificuldade, geralmente. Se o rio estiver cheio pode inviabilizar o passeio.

Cachoeiras da cidade de SP. Cachoeira do Sagui localizada na região de Eng Marsilac, no extremo sul, perto do início da Serra do Mar (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, COTIDIANO)
Cachoeiras da cidade de SP. Cachoeira do Sagui localizada na região de Eng Marsilac, no extremo sul, perto do início da Serra do Mar (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, COTIDIANO) - Eduardo Knapp - 21.jan.2021/Folhapress

A cachoeira do Sagui é cheia de inclinações. A trilha, de 2,2 km (ida e volta), também é fácil. Idosos e crianças podem se aventurar. Se for o seu dia de sorte, ao longo dela, podem ser vistos rastros de antas, jaguatiricas e diversos exemplares da fauna da Mata Atlântica. A nossa trilha sonora foi especial: o canto alto e estridente da araponga.

A dona de casa Diana Lopes da Silva Barros, 40, aproveitou o dia na cachoeira do Sagui com a família. Ela conta que morava em Osasco (Grande SP) e com a morte do pai trocou uma casa em Pernambuco por outra em Parelheiros para ficar longe do agito da cidade e ter mais paz e tranquilidade. “Não tem quem tire a gente daqui, só Deus. O lugar aqui é mais econômico e gostoso porque estamos perto da natureza.”

Antes de se render à beleza do local, o turista deve ter em mente o que levar e os cuidados necessários a serem adotados.

O passeio pede roupas confortáveis (calças e camisetas de mangas longas), tênis que não escorreguem, óculos escuros, boné ou chapéu, água e lanche leve (se a ideia for passar o dia na cachoeira), capa de chuva, bastão de trilha (para ter apoio na caminhada), repelente, protetor solar e sacos para recolher o próprio lixo.

É importante lembrar que os locais particulares seguem as determinações do Plano SP, fazem aferição de temperatura e exigem o uso de máscaras e álcool em gel.

“A principal causa de acidentes em cachoeiras é escorregar nas pedras. Por isso, o calçado é muito importante, mas principalmente a atenção. Ande apoiando nas mãos, evite passadas longas e fortes. Se possível, leve um guia treinado”, alerta Duarte.

Quem tem problemas de saúde, alergias ou toma remédios deve avisar ao guia ou monitor local no agendamento do passeio.

A região oferece atividades no verão e no inverno. “A dica que eu dou é venha no verão para aproveitar as cachoeiras, os parques naturais, que tem trilhas autoguiadas de 500 metros e um quilômetro para os iniciantes, e visitar os mirantes. No inverno, venha conhecer as fazendas, os sítios de produção orgânica, fazer as trilhas noturnas, os roteiros históricos-culturais pelas igrejas da região e visitar as nove aldeias. Você pode ter uma série de experiências em São Paulo sem sair da cidade”, explica Duarte.

Na zona norte da cidade, há a cachoeira do Engordador, localizada no no Parque Estadual da Cantareira, no Núcleo do Engordador. Para chegar até a cachoeira há uma trilha de 3 kms. O ingresso custa R$ 16 e é necessário agendamento prévio.

Trilhas de acesso às cachoeiras

Sagui: nível fácil - 2,2 km - crianças e idosos acompanham

Oásis - nível médio - 4,6 km - adequada para crianças

Raio de Sol - nível difícil - 7 km - não é apropriada a crianças e idosos

Manacás - nível fácil - 3,5 km - adequada a crianças e idosos

Lontras - nível médio - 5 km - para a partir de 12 anos e idosos com condicionamento físico

Onças - nível médio - 9 km - para a partir de 12 anos e idosos com condicionamento físico

Engordador - nível médio - 3 km - não informado

Serviço

Toca da Onça: www.tocadaonca.tur.br - @agtocadaonca

Selva SP: www.selvasp.com.br

Fazenda Maravilha: mara.ddferreira@gmail.com

Cachoeira do Engordador: avenida Coronel Sezefredo Fagundes, 19100 - Jardim Cachoeira

Covid-19 deu volta ao mundo enquanto governos ainda calçavam os sapatos, João Pereira Coutinho -FSP

 Amigos brasileiros enviam mensagens. Que se passa com Portugal? No início da pandemia, o país era um exemplo para o mundo. Agora, é uma vergonha. Somos o pior país em número de infectados e mortos por milhão de habitantes.

Entendo o espanto. Mas ele parte de uma premissa errada: Portugal nunca foi um exemplo, exceto na retórica dos seus políticos e no jornalismo acrítico que a divulgou. A situação atual é apenas o somatório de todos os erros cometidos nos últimos 11 meses.

Falhou tudo. Testes, rastreios, isolamentos. O sistema de saúde não foi reforçado em tempo útil com o setor social e privado. Não houve preparação para a segunda onda que todos os cientistas avisaram que chegaria em outubro. E a demora na vacinação põe o país abaixo da média europeia.

Sem falar do comportamento errático das lideranças sanitárias e políticas. As primeiras, quando ouviram falar do vírus, garantiram que ele jamais chegaria até nós. Depois, quando chegou, garantiram que o uso de máscaras não era necessário porque dava apenas “uma falsa sensação de segurança”.

O governo esteve ao mesmo nível: proibia ajuntamentos para o cidadão comum e abria exceções para congressos partidários ou corridas de Fórmula 1.

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De resto, o cúmulo da incompetência está hoje à vista: no momento em que escrevo e com o país de novo confinado, há eleições presidenciais. Ninguém se lembrou de adiá-las, como aconteceu em vários países com surtos pandêmicos.

Eis a verdade: se os mortos por Covid-19 nos Estados Unidos já ultrapassaram as baixas militares da Guerra do Vietnã, os mortos portugueses também já suplantaram os soldados que tombaram na guerra colonial na África (1961-1974).

Meu único consolo é saber que, apesar de sermos o pior caso no momento, não estamos sozinhos. Se a pandemia mostrou algo, foi o brutal despreparo dos países ocidentais para lidar com o infame bicho.

Um livro recente da dupla John Micklethwait e Adrian Wooldridge (“The Wake-Up Call”) faz esse diagnóstico com impressionante precisão. Segundo voz corrente, a pandemia humilhou os liberais ao salientar a importância do estado para a saúde e para a economia.

Acontece que esse clichê está errado. O Estado é fundamental, sim, e nenhum liberal o nega. Mas é preciso que ele seja profissional e capaz.

O que a pandemia revelou é que os Estados do Ocidente, ao contrário do que aconteceu com o Oriente no caso da Coreia do Sul ou de Singapura (a China joga em outro campeonato), não foram capazes de cumprir a sua função essencial: proteger a população.

Nesse sentido, a Covid-19 apenas acelerou uma “crise do Estado” que já vinha de trás e que, cedo ou tarde, seria exposta de forma tão cruel.

Ilustração de pessoa vestindo macacão de segurança higienizando um ônibus com uma máquina atomizadora
Ilustração de Angelo Abu publicada nesta terça-feira, 26 de janeiro de 2021 - Angelo Abu/Folhapress

Para os autores, essa crise tem várias causas —o desinteresse dos mais preparados pela política, que abre espaço para o triunfo dos medíocres; a burocracia crescente que impede qualquer ação eficaz em tempo útil; a captura do Estado por lobbies diversos que o parasitam e sugam.

Mas o Estado também entrou em crise à medida que foi sendo sobrecarregado com todas as tarefas da nossa vida política e social —das mais soberanas às mais minúsculas.

Resultado? O vírus deu a volta ao mundo enquanto os nossos Estados paquidérmicos ainda calçavam os sapatos (obrigado, Mark Twain).

Ninguém sabe como será o futuro pós-pandemia. Historicamente, e como lembram Micklethwait e Wooldridge, surtos do tipo já determinaram o fim de grandes civilizações, como Atenas ou Roma.

Para evitar um destino igual, reinventar o Estado para o século 21 é tão importante como foi a criação do Estado-nação para os séculos 16 e 17 (que pôs fim à rivalidade destrutiva do baronato medieval); do Estado liberal para os séculos 18 e 19 (que limitou ou aboliu o poder absoluto dos reis); e do Estado de bem-estar social para o século 20 (que resgatou da pobreza os eternos “invisíveis” da sociedade).

A pandemia mostrou a necessidade de Estados mais ágeis, mais profissionais, capazes de atrair os melhores (e afastar os piores), centrados nas suas funções essenciais (defesa, justiça, saúde, educação), rigorosos nos gastos e em colaboração permanente com os casos de excelência da sociedade civil, das universidades e do setor privado.

Se isso não acontecer, a trilha sonora que infelizmente acompanha os meus dias e as minhas noites —sirenes de ambulâncias cruzando as ruas de Lisboa— só aumentará de intensidade no futuro.

João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.