domingo, 17 de janeiro de 2021

Alternativas de moradia para idosos vão muito além de asilos, FSP

 

Inês Rioto

Coordenadora da área de alternativas e direito à moradia no Centro Internacional de Longevidade (ILC) no Brasil e membro do Conselho do Idoso do Estado de São Paulo

Moradia não é só um teto que protege e abriga: é onde a vida acontece e a saúde é criada.

O direito à moradia digna consta da Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, de 1948. No Brasil, está explicitado na Constituição de 1988, assim como no Estatuto do Idoso, de 2003.

Roberto Luna, cantor de sucesso nos anos 1960 e morador do Palacete dos Artistas, no centro de São Paulo
Roberto Luna, cantor de sucesso nos anos 1960 e morador do Palacete dos Artistas, no centro de São Paulo - Danilo Verpa - 24.dez.14/Folhapress

Em pesquisas sobre moradia para idosos, com frequência os entrevistados interpretam a pergunta como se referindo a asilos, sobretudo para quem vive com a doença de Alzheimer. É fundamental mudar esta maneira de pensar e compreender que há várias alternativas de moradia para o grupo que mais cresce no país.

Nos últimos anos, vários estados —geralmente em parceria com municípios— criaram projetos do tipo. Em São Paulo, por exemplo, o programa Vida Longa atende idosos em situação vulnerável, com renda de até dois salários mínimos, desde 2009. Em dezembro, o governo paulista anunciou seis novos projetos no interior do estado, que contemplarão 150 moradores.

Também é conhecido o Palacete dos Artistas, na capital, vila voltada a idosos com renda de até três salários mínimos que trabalharam ou trabalham com arte. A iniciativa é mantida desde 2014 com aluguel simbólico.

Na Paraíba, o governo estadual implementou em 2014 o programa Cidade Madura, destinado a idosos que recebem até cinco salários mínimos. Já o governo do Paraná lançou em 2019 o programa Viver Mais, que contemplará idosos em 14 cidades que recebem até seis salários mínimos.

Brasil afora, outras alternativas vêm pipocando, das cooperativas ao chamado cohousing sênior —condomínios com casas individuais e áreas compartilhadas, como lavanderia, horta e área de lazer. Atenta ao potencial desse mercado, a iniciativa privada tem priorizado o cuidado com a saúde e a convivência nesses espaços. Há ainda projetos de condomínios multigeracionais, que buscam integrar os moradores à comunidade local.

O centro residencial Cora, na zona sul de São Paulo, que também recebe idosos para passar o dia
O centro residencial Cora, na zona sul de São Paulo, que também recebe idosos para passar o dia - Eduardo Knapp - 7.jul.17/Folhapress

No exterior, o leque de iniciativas inclui ainda moradias compartilhadas administradas por organizações não governamentais e vilas para grupos específicos —para idosos com comprometimento cognitivo, por exemplo, ou para idosos LGBT+.

Nesse contexto, o papel dos governos é incentivar essas alternativas por meio de políticas públicas e ações concretas, sobretudo para os grupos mais vulneráveis: comunidades periféricas, ribeirinhos, quilombolas, indígenas, idosos em situação de rua e grupos LGBT+ (que frequentemente não são bem aceitos em instituições de longa permanência).

O idoso tem direito a envelhecer com saúde e dignidade. As autoridades públicas estão pensando nisso?

O clima e a necessidade de agir, editorial OESP

 Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

17 de janeiro de 2021 | 03h00

O ano de 2020 não foi apenas marcado pela pandemia de covid-19, afirma o Adaptation Gap Report 2020, produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Foi o ano recordista de temperaturas e de crescente impacto das mudanças climáticas, com enchentes, secas, tempestades, incêndios e pragas de gafanhotos.

O relatório afirma que não se trata apenas de uma situação momentânea ruim. O mundo continua caminhando para gerar um aumento de temperatura de pelo menos 3°C ainda no século 21, o que deverá aumentar ainda mais os impactos negativos. “As mudanças climáticas se intensificarão e atingirão os países e comunidades vulneráveis com mais força, mesmo cumprindo as metas do Acordo de Paris”, diz Inger Andersen, diretora executiva do Pnuma.

Para atingir os objetivos do Acordo de Paris, mantendo o aquecimento global abaixo de 2°C, é essencial uma forte ação para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Para tanto, os países precisam agir para se adaptar às mudanças climáticas. A passividade cobrará um alto preço, com danos em muitas áreas.

A adaptação às mudanças climáticas exige planejamento, implantação de medidas de proteção e sistemas de informação e de alerta preventivo, bem como novos investimentos. Assim, ao mesmo tempo que destaca a gravidade da situação atual, o Pnuma afirma que é possível reduzir as vulnerabilidades de cada país. O caminho é desenvolver um plano de adaptação, capaz de aumentar a capacidade e a resiliência de cada localidade. É um equívoco achar que a mudança climática é um problema tão grande que não se pode fazer nada a respeito.

Segundo o relatório, várias ações estão em andamento. Por exemplo, 72% dos países adotaram ao menos um instrumento de planejamento nacional relativo à adaptação, como um plano, uma estratégia, uma política ou uma lei. Ainda que não haja um consenso a respeito de como medir a eficácia dos planos de adaptação, a comunidade internacional destaca seis qualidades que essas medidas devem ter: exaustividade, caráter inclusivo, aplicabilidade, integração, supervisão e avaliação.

Também é consenso a necessidade de aumentar os valores investidos na adaptação à mudança climática, seja porque são insuficientes, seja porque os custos deverão crescer ainda mais. Estima-se que os países em desenvolvimento precisam hoje de US$ 70 bilhões para implementar as ações de adaptação, e que esse valor poderá mais que dobrar até 2030. Há cálculos indicando que, em 2050, os custos relativos às ações de adaptação devem alcançar US$ 500 bilhões.

O Pnuma relata que os benefícios de investir na adaptação são em geral superiores aos custos. Por exemplo, um estudo estimou que um investimento de US$ 1,8 bilhão em sistemas de alerta preventivo, infraestrutura resistente ao clima, melhoria da agricultura em zonas áridas e proteção dos mangues poderá gerar US$ 7,1 bilhões em danos evitados e benefícios ambientais e sociais alcançados.

Segundo o relatório, as chamadas “soluções baseadas na natureza”, de menor custo, podem contribuir consideravelmente para a adaptação à mudança climática, além de gerar benefícios significativos à economia, em especial oferecendo meios de subsistência a mulheres, grupos marginalizados e pessoas em situação de pobreza. No entanto, faltam planos concretos para essas ações. Os financiamentos para essa modalidade de ação estão aumentando, mas ainda são pequenos.

Como conclusão, o relatório afirma que, na última década, houve significativo aumento da participação dos países a respeito na adaptação às mudanças climáticas, mas é preciso fazer muito mais. Uma preocupação é o aumento dos custos das medidas de adaptação, o que poderá inviabilizar as ações em países subdesenvolvidos.

O Pnuma reconhece as limitações fiscais dos países motivadas pela pandemia de covid-19, mas reforça que investir na adaptação às mudanças climáticas continua sendo uma boa decisão econômica. Seja qual for o desafio, está claro que o negacionismo só agrava o problema.

Segurança colhida no campo, editorial OESP

 Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

17 de janeiro de 2021 | 03h00

O setor mais eficiente da economia nacional, o agronegócio, deve ser novamente, neste ano, um importante motor dos negócios. Mais um recorde na colheita de grãos, de 264,8 milhões de toneladas, deve ser alcançado na safra 2020-2021, segundo a nova estimativa do Ministério da Agricultura. Com a colheita já iniciada em Mato Grosso, principal Estado produtor, a soja deve ser mais uma vez a estrela principal. Sua produção, estimada em 133,7 milhões de toneladas, deve ser 7,9% maior que a da temporada anterior. Além de representar cerca de 50% da colheita anual de grãos, a soja continua sendo, com seus derivados, a maior fonte de dólares da agropecuária.

Com exportação de US$ 100,81 bilhões, a segunda maior da série histórica, superada somente pelos US$ 101,17 bilhões de 2018, o agronegócio proporcionou quase metade – 48% – de toda a receita comercial do Brasil em 2020. Com US$ 52,69 bilhões de compras, os países da Ásia Oriental se mantiveram como principal destino regional das exportações de alimentos e matérias-primas originárias do agro. A China continuou sendo o número um, entre os países compradores, tendo importado produtos no valor de US$ 34 bilhões, cerca de um terço de todo o valor exportado pelo agronegócio brasileiro.

A União Europeia comprou US$ 16,30 bilhões e permaneceu como segundo destino regional mais importante, apesar das tendências protecionistas observadas em vários países, especialmente na França. O presidente francês, Emmanuel Macron, manifestou-se de novo, há poucos dias, contra a importação de soja brasileira, um produto cultivado, segundo ele, com devastação da mata amazônica. Só os desinformados podem levar a sério essa afirmação.

No ano passado, toda a Região Norte, com e sem Floresta Amazônica, produziu apenas 4,53% da safra nacional de grãos, incluída a soja. Uma parte dessa região, fora da área florestal, é formada de campos cultiváveis. Mas a demagogia protecionista do presidente Macron e de outros líderes europeus ganha aparência de seriedade, entre pessoas pouco informadas, com os erros do governo brasileiro.

Esses líderes ganham pontos quando o presidente Bolsonaro e seus ajudantes de ordens falam contra compromissos ambientais, afrouxam a fiscalização e estimulam, com ações e omissões, a devastação realizada por grileiros, garimpeiros ilegais e párias, alguns muito ricos, do agronegócio.

A parcela séria, produtiva e dominante da agropecuária brasileira tem sido importante fator de segurança para a economia. Tem assegurado, ano após ano, um suprimento adequado de alimentos e matérias-primas ao mercado nacional. Além disso, tem garantido, regularmente, uma receita externa suficiente para proteger o País de crises cambiais.

A instabilidade cambial de 2020 decorreu de fatores externos e, em grande parte, de tropeços na cúpula do governo. Investidores externos deixaram de aplicar bilhões de dólares no País por causa da política antiambiental defendida em Brasília. Outros bilhões foram mandados para fora por causa da insegurança quanto às contas públicas a partir de 2021 – uma incerteza associada em grande parte a indefinições de um presidente concentrado na reeleição. Num ano como esse, o superávit comercial de US$ 87,76 bilhões do agronegócio foi especialmente precioso. Esse resultado decorreu basicamente do volume vendido (+9,9%), porque a evolução dos preços foi desfavorável (-5,3%). Eficiência foi o grande fator de geração de dólares também nesse período.

Eficiência é também um dado essencial para explicar como se combinam produção e preservação no agronegócio brasileiro. Em uma década a produção agrícola cresceu 5% ao ano, enquanto a área ocupada aumentou em média 1,6%.

A importância de uma agropecuária eficiente ultrapassa a geração de dólares em cada ano e a manutenção de um bom abastecimento interno. Se nenhum tropeço político impedir, o agronegócio brasileiro tende a ganhar importância, ano a ano, como supridor da crescente demanda global de alimentos. Erros do governo são o maior risco nesse caminho.