terça-feira, 12 de janeiro de 2021

A proposta de reforma policial afeta o federalismo*, FSP

 Conteúdo Fonte Segura

Está em discussão no Congresso Nacional um substitutivo ao projeto de Lei 4363/2001, visando alterar a organização das Polícias Militares. A proposta altera fundamentalmente a estrutura do sistema federativo brasileiro, uma vez que reduz drasticamente o poder dos governadores para controlar as polícias militares estaduais. Como agravante, esta discussão ocorre num contexto em que o presidente Jair Bolsonaro, que têm significativo apoio entre policiais militares, trava disputas políticas com governadores em diversos estados do Brasil.

 

Arthur Trindade M. Costa**

Não é de hoje que se discute a necessidade de atualizar a legislação que organiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros, regidas ainda por um decreto-lei da ditadura de 1969. Nesses mais de 50 anos de vigência Decreto Lei 667/69, o país passou por significativas mudanças sociais e econômicas. No plano político, o regime militar deu lugar a um novo regime democrático conhecido como Nova República.

Por este motivo diversos projetos de lei têm sido apresentados para reorganizar as polícias. O atual projeto substitutivo, que foi elaborado com ajuda do Conselho Nacional dos Comandantes-Gerais das PMs e dos Corpos de Bombeiros, conta com apoio do governo federal e de algumas entidades de classe como a Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais.

O projeto diminui drasticamente os poderes de governadores sobre o comando das Polícias Militares e do Corpo de Bombeiros, uma vez que cria uma lista tríplice para a escolha de comandantes-gerais. O mandato dos comandantes seria praticamente fixo, pois os governadores teriam que justificar a exoneração do comandante-geral. Na prática, além de diminuir o poder dos governadores, o projeto acentuará ainda mais a politização dentro das corporações, já que haveria disputa pela eleição para a lista tríplice.

No que se refere às carreiras, o projeto apresenta mudanças significativas. O texto prevê a criação da patente de general, tal qual nas Forças Armadas. Seriam criadas três novas patentes: brigadeiro-general, major-general e tenente-general. . É importante lembrar que, devido a brechas na legislação, em muitos estados há mais coronéis na ativa do que a quantidade prevista no quadro de efetivo. Nesses estados não faltam generais, mas sobram coronéis.

O projeto permitirá que militares indiciados em inquéritos policiais ou réus em processos possam ser promovidos. Também está prevista a promoção por bravura desde que seja comprovado risco real da própria vida. Além disso, será criado o quadro de oficiais e praças temporários. Na prática, os policiais afastados por corrupção poderão ser promovidos. A ideia de promoção por bravura pode se tornar em um incentivo a violência policial.

O substitutivo traz várias outras mudanças. Dentre elas estão previstas a equiparação salarial dos policiais militares do Rio de Janeiro e dos ex-territórios com os militares do Distrito Federal; alterações na organização e competências da justiça militar e a ampliação das competências do Conselho Nacional de Comandantes Gerais de Polícia Militar. O texto é bastante detalhista e prevê a padronização das cores das viaturas e dos uniformes. Ou seja, os governadores sequer poderiam opinar sobre a cor do fardamento das polícias.

O projeto tem importantes desdobramentos econômicos e jurídicos. Mas é no campo político que a proposta terá maior impacto. Se o projeto substitutivo for aprovado na forma como está, haverá uma significativa mudança no sistema federativo brasileiro.

Um traço marcante do federalismo brasileiro é a alternância entre períodos de centralização e descentralização. Nos períodos autoritários – Estado Novo e Regime Militar – houve grande concentração de poderes políticos e de funções administrativas nos governos federais. Nos demais períodos, observou-se um federalismo altamente descentralizado, no qual os estados guardaram grande autonomia política.

As polícias, embora um pouco ausentes das discussões sobre a federação brasileira, sempre foram instituições centrais para pensar as autonomias estaduais ou a concentração de poderes no governo federal. Ao longo da história republicana brasileira, o sistema policial brasileiro acompanhou as oscilações da federação. Ora as polícias estavam submetidas ao poder central, ora significavam a garantia da liberdade das elites políticas estaduais.

Durante o Estado Novo (1937-1945), as polícias estaduais foram controladas pelo governo federal. A Polícia Civil do Distrito Federal, subordinada ao Ministro da Justiça, era encarregada de controlar as demais policiais civis estaduais. Cabia ao Ministro da Justiça aprovar as indicações de Diretores-Gerais. A Constituição de 1934 tornou as Polícias Militares “forças auxiliares” controladas pelo Exército que passou a nomear seus comandantes. Desta forma, todo aparato policial foi posto sob o controle direto de Getúlio Vargas.

Durante o regime militar (1964-1985), o aparato policial esteve sob controle do Exército. As Forças Públicas foram extintas e seus efetivos incorporados às polícias militares, que passaram a ser as únicas forças policiais destinadas ao patrulhamento ostensivo das cidades. Em 1967 foi criada a Inspetoria-Geral das Polícias Militares do Ministério do Exército (IGPM), destinada a supervisionar e controlar as Polícias Militares Estaduais. Cabia à IGPM aprovar a nomeação dos Comandantes Gerais.

Com o fim do regime militar e a transição política, esse quadro voltou a ser alterado. A Constituição de 1988 assegurou que as polícias civis e militares estão sob o controle dos governadores. Entretanto, ficou estabelecido que a sua organização e funcionamento são regulados por legislação federal. Na prática, os governadores recuperaram a prerrogativa de nomear os comandantes e chefes das polícias, mas lhes foi vedada a possibilidade de reestruturar individualmente o aparato policial.

Discutir a reorganização das polícias militares é fundamental. Mas é preciso ter muita cautela para não desequilibrar a federação brasileira. Afinal de contas, o sistema federativo é um dos principais mecanismos de freios e contrapesos da democracia. As aventuras autoritárias sempre começam pelo controle das Polícias e das Forças Armadas. Foi assim que aconteceu na Venezuela, onde a reforma policial de 2006 colocou as 24 polícias estaduais sob controle do Presidente da República, além de criar outras 99 polícias municipais, também sob controle do governo bolivariano.

 

*Artigo inédito da edição 71 do Fonte Segura, que vai ao ar nesta quarta-feira, dia 13/01.

 

**Arthur Trindade Maranhão Costa é Professor da UnB, conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e editor do Fonte Segura.


Eficácia de 100% da Coronavac contra casos graves ainda não tem significância estatística, diz diretor do Butantan. FSP

 O resultado de 100% de eficácia da Coronavac contra casos graves de Covid-19, divulgado na semana passada, ainda precisa de mais acompanhamento porque esse número não é estatisticamente significativo, afirmou Ricardo Palacios, diretor médico de pesquisa do Instituto Butantan e responsável pelos testes, em entrevista coletiva nesta terça (12).

Para ter significância estatística, é preciso ter um sinal claro de que os casos graves impedidos supostamente pela vacinação são decorrentes do efeito do imunizante, e não do acaso –esses casos não seriam graves de toda forma, sem a aplicação ou não da vacina.

No caso dos dados divulgados pelo Instituto Butantan nesta terça-feira (12), não foi reportado nenhum caso de Covid grave no grupo que recebeu a vacina em comparação com o grupo que recebeu placebo, com sete casos reportados. Estatisticamente, isso não atribui à vacina, ainda, a proteção em 100% dos casos graves de Covid-19.

A vacina contra a Covid-19 teve ainda eficácia geral de 50,4%. Essa eficácia corresponde a todos os infectados por Sars-CoV-2 no estudo que desenvolveram, tanto de casos leves quanto de moderados e graves de Covid-19. Nesse caso, o poder estatístico corroborou a eficácia, assim como para proteção nos casos leves e moderados, de 78%.

Apesar de mais baixa do que inicialmente anunciada, a vacina se mostrou segura e com uma eficácia acima do limiar determinado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para aprovação de um imunizante.

Permanência da sede da Ford em SP indica que fechamento no Brasil pode não ser definitivo, FSP

 A Ford é uma empresa centenária no Brasil com uma marca ainda muito forte e representativa.

Foi sufocada como todas as outras três grandes (Volkswagen, Fiat e Chevrolet), principalmente pela chegada das novas entrantes no final da década de 1990 (Toyota, Renault e Honda), no início dos anos 2010 (Hyundai Brasil) e depois com a Jeep (após a criação do grupo FCA).

As empresas mais antigas foram perdendo participação de mercado ano após ano.

Por uma decisão global, finalizou a produção de caminhões e direcionou a produção para veículos maiores em tamanho e em valor agregado em que se destacam os SUVs para os mercados onde a Ford costuma ir bem com este tipo de veículo, principalmente no seu próprio berço, os EUA.

Por aqui permaneceu com Ecosport, Edge, Fusion, Ka, Mustang, Ranger, Territory e Troller T4 até o anúncio desta segunda (11), que certamente vem sendo definido há um longo tempo, mas foi concretizado com os resultados de 2020, quando a Ford terminou na quinta posição em vendas com pouco menos de 140 mil veículos comercializados.

Com um faturamento estimado em vendas no mercado local em 2020 próximo a R$ 10 bilhões (algo em torno de 6% do total do mercado entre carros de passeio e comerciais leves), a Ford deixará de produzir localmente mas direcionará suas atividades fabris o para Argentina e Uruguai.

No caso da fábrica argentina, provavelmente será eliminada a ociosidade produtiva, pois se beneficiará do acordo comercial entre os países.

A permanência da sede da Ford em São Paulo é um indício de que esta decisão pode não ser definitiva e retrata a força de nosso país, que é o maior mercado da América do Sul.

O que fica claro é que a Ford, neste momento, não vislumbra bons resultados no mercado brasileiro e dá um passo atrás para, quem sabe em alguns anos, recuperar a confiança e o terreno perdidos.