domingo, 10 de janeiro de 2021

A escalada dos preços das commodities, OESP

 Celso Ming, O Estado de S.Paulo

08 de janeiro de 2021 | 19h04

O início da vacinação em massa está produzindo efeito colateral mais importante do que a ameaça de transformação de gente em jacaré, como advertiu o presidente Bolsonaro. Está produzindo forte valorização das commodities, tanto das agrícolas como das metálicas.

De julho de 2020 até esta sexta-feira, por exemplo, a soja valorizou-se 53,4%; o milho, 33,9%; e o petróleo, 30,6%. Na tabela ao lado e nos gráficos ao pé desta Coluna, você tem outras indicações das proporções desse rali.

A mais importante das causas desse movimento tem a ver com o apontado acima. Trata-se da vacinação em massa, que traz a perspectiva de reativação da atividade da produção e do consumo. Neste ano, a China, grande consumidora de commodities, deve crescer perto de 8%; os Estados Unidos, 3%; e a União Europeia, 5%.

Há também certa quebra de produção de grãos em grandes produtores, em consequência da seca ou do atraso das semeaduras de primavera, caso da Argentina, do Paraguai, do Uruguai e, em certa medida, do Brasil.

São fatores que, por si sós, acionam mais demanda. Por uma questão de segurança alimentar, alguns países, como os da União Europeia, reforçaram seus estoques e, assim, passaram a pressionar as compras. Grandes atacadistas seguiram por aí. Juros próximos de zero ou até negativos derrubam os custos de estocagem e são fator adicional de mais armazenamento. 

Conab eleva previsão para colheitas de soja, milho e trigo em 2013/14
A produção de soja puxará o crescimento do setor, consolidando o País como maior produtor mundial da oleaginosa, à frente dos Estados Unidos. Foto: Divulgação

A Argentina, grande produtora mundial de grãos, acaba de restringir suas exportações de milho, providência que, por si só, restringe a oferta e sugere que pode estender as restrições também às exportações de soja e de trigo. O objetivo da medida foi impedir o sumiço do produto para consumo interno. Se a escassez relativa continuar, é de esperar que grandes produtores também passem a segurar suas vendas.

Para o Brasil, grande produtor e exportador de matérias-primas, essa alta de preços das commodities, conjugada com o esperado aumento da produção e com cotações relativamente altas da moeda estrangeira, é recebida como bênção. Deverá ajudar a aumentar o PIB, a interiorização da riqueza e a obtenção de excelentes resultados da balança comercial, cujas receitas com exportações de commodities em 2020 superaram os 57% do total.

Mas, como já dizia o Pequeno Príncipe, quem quiser conhecer as borboletas tem de tolerar as lagartas. Trata-se do efeito colateral adverso, o do inevitável aumento de preços internos.

Valorização das commodities
Valorização das commodities desde julho de 2020 Foto: Infográficos/Estadão

Nesta terça-feira, o IBGE deverá divulgar a inflação de dezembro (e do ano inteiro) e já se verá o impacto da escalada sobre o custo de vida. Não atingirá apenas os alimentos e a proteína animal, que depende de rações que têm forte participação de soja e de milho. Deve estender-se para os combustíveis e para inúmeros produtos industrializados cujas matérias-primas também sofreram o impacto.

Essa é fonte de pressão adicional sobre o Banco Central, que dia 20 terá de rever os juros básicos (Selic), estacionados desde agosto nos 2,0% ao ano.

*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA

OPINIÃO - JOSÉ SERIPIERI JÚNIOR Licença para matar reputações

 Em respeito aos leitores desta Folha, e em resposta ao estarrecedor artigo do colunista Elio Gaspari (“Barroso pode homologar delação da Qualicorp; Lava Jato começou com muito menos”; 6.dez.20), espantoso pela falta de profissionalismo ao lançar acusações inverídicas sobre mim, faço questão de prestar esclarecimentos.

De início, eu e a Qualicorp jamais exercemos atividades de operadoras de planos de saúde. Nosso principal negócio era a venda e a manutenção de clientes por meio de uma corretora de seguros e de uma administradora de benefícios, ambas numa relação privada totalmente facultativa, portanto jamais compulsória ao cliente.

Comecei a trabalhar em 1981, aos 13 anos de idade. Em 1997, construí a Qualicorp, que hoje emprega milhares de pessoas, deu acessibilidade facultativa a milhões de consumidores à saúde suplementar e já recolheu bilhões de reais em impostos. Tudo isso apesar de a Qualicorp representar menos de 1% do mercado de saúde suplementar e, portanto, ser incompatível com o tamanho que o colunista quis atribuir-me.

Não se nega a existência de problemas no setor, como em qualquer outra área da economia. O texto, porém, faz questão de omitir que na saúde suplementar não há, na sua concepção e essência, uso de dinheiro público. Não à toa ela se chama “saúde suplementar”. Além disso, este setor é extremamente regulado, pois ao longo de 20 anos já foram editadas 54 medidas provisórias e 969 atos normativos sobre ele.

Nem o SUS, que atende mais de 150 milhões de brasileiros e vive de recursos públicos, é tão regulado. Mas daí à babilônia da corrupção pintada por Gaspari vai imensa distância entre a verdade e a sua imaginação.

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O jornalista proferiu ainda uma sequência de juízos especulativos e presunções a meu respeito e da Qualicorp, chegando a me acusar de praticar irregularidades junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), sem identificar ou provar nem um único caso. Jamais obtive da ANS qualquer benefício ilícito para mim ou para a Qualicorp. As relações mantidas com a agência foram e são estritamente institucionais e republicanas. O colunista chegou à aberração de conjecturar que eu teria interferido na redação de medida provisória para reduzir multas aplicadas pela ANS às operadoras de saúde, assim como tratar de questões de ressarcimento ao SUS, mesmo não tendo jamais a Qualicorp sido uma operadora, faltando-lhe claramente um mínimo de conhecimento sobre o setor.

Insinuou que eu teria sido bem-sucedido em razão de relações promíscuas com a agência ou políticos, desprezando décadas de muita luta e trabalho privado. Tudo isso de modo a justificar devaneios de que a Procuradoria-Geral da República (PGR) estaria diante da “oportunidade de abrir a caixa-preta dos planos” e de que a “memória da Qualicorp” guardaria muito mais a ser revelado, sem se dar ao trabalho que se esperaria de um jornalismo sério de embasar tais ilações em qualquer prova. Para desalento do articulista, que errou feio, não faço a menor ideia do que seja a tal “caixa-preta da saúde”.

Elio Gaspari é convicto de que a saúde suplementar é um antro de corrupção. Parece haver uma verdadeira fixação de sua parte, segundo a qual a podridão moral é metástase no setor. Um mantra irresponsável para concluir que “Aí tem. Não sei o que é, mas tem que ter!”.

O problema é inventar-se qualquer coisa desconexa da realidade, apenas pela vaidade de se construir uma narrativa destrutiva, incompatível com um jornalismo comprometido com a verdade.

Tivesse ele previamente me escutado, poderia ter poupado os leitores de seus graves equívocos. A divulgação dos esclarecimentos ora apresentados, embora tardia, reafirma o compromisso da Folha com a pluralidade e com a veracidade das informações prestadas aos seus leitores.

​Gaspari, em contrapartida, parece autoagraciado por uma espécie de “certificado 007”, com licença para matar reputações, com compromisso apenas com as suas “convicções” descoladas da verdade. Isso, definitivamente, não é jornalismo: é delírio.