sábado, 18 de julho de 2020

Fernando Haddad Insegurança nacional, FSP

O que este Ministério da Defesa pretende com R$ 500 bi a mais em dez anos?

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“Os brasileiros estão pagando para ele vir para cá e trabalhar para mim”. Essa foi a forma pela qual o brigadeiro do ar Almeida Alcoforado foi apresentado pelo chefe do Comando Sul das Forças Armadas americanas ao presidente Donald Trump, como relatou Igor Gielow.

Retomo o episódio para vinculá-lo ao apetite das Forças Armadas brasileiras por mais orçamento. O ministro da Defesa de Bolsonaro afirmou que o gasto militar brasileiro “não é condizente à estatura do país” e reivindicou que ele subisse do patamar atual, de 1,3% do PIB, para 2%.

Seu colega, ministro interino da Saúde, não apenas não reivindica verbas adicionais para sua área como nem sequer executa o orçamento que lhe foi destinado por ocasião da crise pandêmica. A contribuição dos militares bolsonaristas até aqui tem sido aumentar a produção e importação de cloroquina.

Na educação, o quadro é o mesmo. Nenhum dos quatro ministros de Bolsonaro tomou para si a tarefa de prorrogar, com aperfeiçoamentos, o Fundeb —o maior fundo de financiamento da história da educação básica—, cuja vigência vem desde 2006 e expira em dezembro.

No setor da segurança pública, os generais bolsonaristas assistem à privatização, ou milicianização, do setor, que se dá por dois mecanismos complementares: a liberalização da compra de armas e munições e a sua não rastreabilidade —justamente por quem não poderia abrir mão do “monopólio do uso legítimo da violência”.

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O que os generais bolsonaristas pretendem com R$ 500 bilhões a mais no seu orçamento em dez anos?

O Plano Nacional de Defesa bolsonarista dá a pista. O texto, ao qual a imprensa teve acesso, destaca a possibilidade de “tensões e crises” no continente que poderiam obrigar o Brasil a mobilizar esforços na defesa de interesses do Brasil na Amazônia e Atlântico Sul (pré-sal).

Nada contra investir em defesa e prestigiar as Forças Armadas. O governo Lula, em parceria com a França e a Suécia, deu impulso, respectivamente, ao projeto de submarino nuclear (Prosub) e à compra de caças (Gripen), com transferência de tecnologia, com intuito de proteger essas áreas estratégicas.

As coisas, entretanto, mudaram. Quando questionado, no ano passado, se cumpriria a ameaça, feita pelo clã, de atacar a Venezuela, Bolsonaro afirmou: “Não vamos falar de invasão, não estamos bem de armamento, nós não podemos fazer frente a ninguém”.

A dúvida que fica é se, além do salário do almirante brasileiro que serve os EUA, o contribuinte brasileiro também vai pagar por uma guerra que não é nossa contra um vizinho que nunca representou uma ameaça à soberania brasileira.

Fernando Haddad

Professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.

Alvaro Costa e Silva Bandalheira no Maracanã, FSP

Cindido, o futebol carioca terá de se reinventar, para não morrer

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O mais estranho Estadual dos últimos tempos teve um desfecho à altura: Flamengo e Fluminense duelaram três vezes, no Maracanã em silêncio, até que o primeiro conseguiu sagrar-se campeão do Ano do Corona. A vitória maior, contudo, foi alcançada fora dos gramados. Os cartolas enfim realizaram um velho sonho: banir das arquibancadas o torcedor —essa gentinha que só sabe atrapalhar o espetáculo. Viva a realidade paralela das transmissões por streaming. Uma novidade que, além de chique, moderna e limpinha, vai render aquela grana.

O plano começou quando os presidentes do Flamengo e do Vasco se aliaram a Bolsonaro, que no momento mais crítico da pandemia exigia a volta dos jogos. Com o apoio do prefeito Marcelo Crivella e da Ferj, assim foi feito. Continuar o Estadual era mais importante do que os Jogos Olímpicos, adiados para 2021.

Jair Bolsonaro veste a camisa do Flamengo e o filho Flavio, a do Vasco, em visita dos presidentes do rubro-negro carioca (à dir.), Rodolfo Landim, e do Vasco, Alexandre Campello - Flavio Bolsonaro no Instagram

O que menos importava na jogada era o torcedor, e menos ainda os pacientes que morreram no hospital de campanha instalado ao lado do estádio no período em que os jogos foram realizados. Por trás do alinhamento da cartolagem ao bolsonarismo, estava a MP 984, assinada pelo presidente em junho, que dá ao time mandante a prerrogativa de comercializar os direitos de transmissão.

A armação cindiu o já fragilizado futebol carioca: de um lado, Vasco e Flamengo; de outro, Botafogo e Fluminense, que protestaram contra a continuação do campeonato. Paulo Autuori, o técnico alvinegro, deu uma entrevista histórica, definindo a situação atual como “bandalheira” e chamando a federação de “grande mamata”.

O racha entre os quatro grandes lembra a crise com a implantação do profissionalismo, em 1933, quando os clubes se dividiram em duas ligas —o que poderá acontecer de novo.

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O Campeonato Carioca hoje parece intubado, à beira da morte. Para sobreviver, terá de se reinventar. O primeiro passo: mandar a Ferj às favas.

Alvaro Costa e Silva

Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".