Estações ferroviárias em cidades como Mairinque e Sorocaba correm riscos ou estão fechadas
No mesmo momento em que investimentos no interior de São Paulo batem recorde, empresas como a XP anunciam a interiorização de suas atividades e um projeto para ligar a capital a grandes centros por trens modernos é aguardado, cidades paulistas sofrem para preservar seu passado e veem a memória ferroviária sofrer abalos e até mesmo desaparecer.
Estações ferroviárias históricas, como a de Mairinque —município que tem recebido forte investimento imobiliário— correm risco de sofrer ainda mais danos, enquanto em Sorocaba, uma das mais ricas do interior, uma estação foi simplesmente colocada no chão por um invasor.
A XP anunciou que terá nova sede no interior, e cidades como Campinas —oficializada como metrópole pelo IBGE— aguardam a implantação do Trem Intercidades, ligando-a à capital. Além disso, nos últimos anos surgiram negócios como o Catarina Outlet, em São Roque —que já teve expansões—, e no primeiro trimestre deste ano, foram anunciados investimentos nas regiões de Sorocaba e Campinas que somam R$ 7,3 bilhões, segundo a fundação Seade.
Porém, se o progresso, apesar da pandemia do novo coronavírus, caminha de um lado, de outro construções históricas, muitas delas tombadas por órgãos de proteção, sofrem com a falta de conservação em cidades no entorno da região metropolitana da capital.
É o caso da estação de Mairinque, primeira obra do tipo construída em concreto armado no país, inaugurada em 1906 e que recebeu passageiros até janeiro de 1999. Ela substituiu uma antiga estação, menor, da Villa Mayrink, de 1875, e é tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Segundo o órgão, além de ser um dos testemunhos da memória ferroviária da extinta Estrada de Ferro Sorocabana, que expandiu os trilhos em direção ao oeste paulista, a estação se destaca por ter sido projetada pelo arquiteto francês Victor Dubugras (1868-1933).
As inovações arquitetônicas, como o uso de marquises atirantadas, abóbadas nervuradas e modernização de ornamentos, eram novidades e experimentações do projetista, conforme o Iphan, o que o tornou icônico.
Porém, a estação passa por problemas críticos hoje, relativos principalmente às estruturas elétrica e hidráulica, segundo a AMPF (Associação Mairinquense de Preservação Ferroviária). A entidade pediu a cessão do uso do prédio e tenta parcerias para restaurá-la, mas a prefeitura, dona do imóvel, afirma que a AMPF não tem capacidade de gestão para isso.
“Em 2015 o Condephaat [órgão de preservação de SP] fez concurso de projeto arquitetônico e quem ganhou foi um escritório de São Paulo, que fez o projeto completo. Estamos na diretoria há três anos, tentando fazer algo para a sua restauração. Não é só a estação, o projeto contempla todo o entorno. Fazemos todos os esforços, pois é um patrimônio nacional”, disse Carlos Alberto Prado Perez, tesoureiro da AMPF.
No local, funciona um museu, com peças sobre a ferrovia, mas que também precisa de restauro. A estimativa atual é que todo o projeto custe R$ 7,5 milhões, segundo Jorge Derosa, vice-presidente da associação. “Ela está na iminência de pegar fogo, com a fiação exposta”, disse.
Perto dali, em Sorocaba, o cenário da antiga estação Passa Três é ainda mais desolador. Primeira construção de alvenaria no bairro Brigadeiro Tobias, ela foi demolida parcialmente a marretadas em maio do ano passado por um invasor, que queria separar tijolos para usar em outro lugar.
Também em Sorocaba, a estação principal está fechada, sem destino definido. Ela originou a Estrada de Ferro Sorocabana, que completou 145 anos de sua inauguração na última sexta-feira (10).
“O problema é que elas [estações] ficaram e ninguém assumiu responsabilidades. A concessionária não toma providência, e a União faz vistas grossas”, disse Eric Mantuan, presidente da Sorocabana - Movimento de Preservação Ferroviária.
Em Campinas, uma importante estação da extinta Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, a Desembargador Furtado, também precisa ser restaurada. Ela é uma das cinco na rota turística entre Campinas e Jaguariúna, operada pela ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária).
A entidade já restaurou as outras, mas não tem recursos para bancar a obra da estação restante, desativada desde 1962. A obra depende da pavimentação de uma via em frente a ela e também da destinação que o imóvel poderá ter.
Elas pertencem ao Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte) e estão cedidas por comodato de 99 anos à ABPF.
CENÁRIOS
O Iphan disse saber que a estação de Mairinque está sem uso e tem problemas de conservação e limpeza. No último dia 7, enviou ofício à prefeitura pedindo informações atualizadas.
Segundo Sandro Rolim, diretor de Cultura de Mairinque, a estação se destina a abrigar o museu ferroviário e, futuramente, será ponto de referência para atividades culturais.
Sobre os danos no imóvel, ele disse que a prefeitura adequará os espaços às normas do Corpo de Bombeiros, como primeiro passo para a restauração.
“O projeto foi discutido junto aos técnicos do Condephaat e prevê toda a troca de fiações elétricas, instalação de hidrantes, caixas d’agua, impermeabilização da laje, obras nos banheiros e manutenção das calhas.” A verba será de emenda parlamentar.
Questionado se há possibilidade de cessão de uso à AMPF, Rolim disse que não, já que a estação é o imóvel inicial da recém criada Fundação Cultural Mizael Garbim, que se responsabilizará pelas ações do setor.
Segundo ele, a associação não conseguiu restaurar três vagões que recebeu em doação, “demonstrando incapacidade de gestão e planejamento no trato do patrimônio histórico”. A AMPF nega.
Já a Prefeitura de Sorocaba informou que não há destinação específica para a principal estação ferroviária da cidade por não haver disponibilidade financeira para restaurar o prédio.
Segundo André Mascarenhas, chefe de divisão de patrimônio histórico e cultural, a prefeitura tem pleiteado verba por meio de editais, emendas parlamentares e outras esferas governamentais para restaurá-lo.
Questionado sobre a manutenção da estação, afirmou que em 2019 foi feita pintura na fachada e que a Guarda Civil Municipal fechou a parte traseira do prédio, onde ocorria o embarque de passageiros. Da mesma forma, diz ele, não há verba para reconstrução da antiga estação Passa Três, parcialmente demolida.