sábado, 28 de março de 2020

Dupla crise brasileira, Oscar Vilhena Vieira, FSP

Para sobreviver à Pandemia, é indispensável pôr fim à crise de governabilidade

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Crise significa um momento de dificuldade ou instabilidade aguda, que impõe a tomada de decisões cruciais, voltadas à recuperação do equilíbrio do corpo ou de qualquer sistema.
Quando um paciente atinge um momento crítico, médicos são obrigados a tomar decisões difíceis, com o objetivo de salvá-lo. O mesmo ocorre quando temos uma crise na economia, no abastecimento de água ou no fornecimento de energia.
O Brasil, como grande parte da humanidade, está submetido às ameaças da pandemia do coronavírus. Trata-se de uma crise sanitária complexa, que a todos se impôs.
Aos governos —que deveriam representar os interesses das pessoas— impõe tomar decisões e implementar medidas voltadas à proteção da vida e do bem-estar da comunidade. Não são decisões fáceis.
O presidente da República, Jair Bolsonaro
O presidente da República, Jair Bolsonaro - Pedro Ladeira - 20.mar.2020/Folhapress
A ciência e o direito são os guias mais seguros, mas não eliminam a necessidade de se tomar decisões políticas. Mesmo que baseadas em evidências científicas, capacidade de implementação e parâmetros legais, escolhas políticas sempre terão um forte componente moral, pois delas decorrerão necessariamente um maior ou menor número de mortes.
É neste ponto que o Brasil vive uma segunda crise, que lhe é própria. Uma crise que dificulta em muito o enfrentamento daquela provocada pelo coronavírus.
Trata-se de uma crise de governo, que afeta a própria capacidade de coordenação dos diversos setores da sociedade, a tomada de decisões, bem como a implementação de ações com o objetivo de promover o bem comum.
Desde o primeiro dia de gestão, o atual mandatário jamais demonstrou interesse em governar; assumiu uma postura hostil à Constituição, aos partidos políticos, aos governadores, aos demais poderes, isso sem falar nos pobres, indígenas, negros, mulheres e todos aqueles que dele discordam.
Neste momento em que precisamos confiar nas autoridades, para que possamos nos conduzir de forma a minimizar os efeitos da pandemia e promover o bem-estar de todos, o presidente parece ter dobrado a sua aposta em provocar o caos, a desídia e a polarização.
Destituído de bússola moral e de qualquer aptidão para a gestão de máquina pública, concentra-se em desautorizar seus auxiliares, fustigar o Congresso Nacional, combater governadores, solapar a hierarquia militar e insuflar militantes e a população contra as autoridades sanitárias e locais.
A campanha de volta ao trabalho, que vem sendo preparada nos porões palacianos, além de racista e degradante, apenas contribuirá para aumentar o número de mortos entre os mais pobres.
A irresponsabilidade e as diatribes presidenciais inviabilizam, inclusive, uma discussão mais racional sobre questões da máxima relevância, como o abastecimento e os setores essenciais que não podem ficar reclusos.
Nesse quadro trágico, não deixa de ser alentadora a atuação dos demais atores políticos de buscar neutralizar desmandos presidenciais e assegurar um mínimo de racionalidade à administração pública.
A aprovação pela Câmara dos Deputados de um projeto de renda básica emergencial, voltada a atender os mais vulneráveis; a ação conjunta dos governadores destinada a assegurar contenção da pandemia e higidez do sistema de saúde; e a decisão do STF de suspender liminarmente a medida provisória voltada a restringir o direito ao acesso à informação, são sinais positivos da resiliência de nosso sistema político.
Brasileiros não são imunes à “gripinha” do coronavírus, nem ao “esgoto” presidencial, nem à perda da renda; todas podem matar. Se quisermos superar a crise maior de saúde pública, é indispensável pôr fim à crise de governabilidade causada pelo presidente.
Oscar Vilhena Vieira
Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

Doria insinua que Bolsonaro pode ser fiador de mortes por autorizar campanha, FSP

SÃO PAULO
O governador João Doria (PSDB) fez nesta sexta-feira (27) duros ataques ao presidente Jair Bolsonaro e insinuou que ele pode ser responsabilizado por mortes causadas pelo coronavírus após fazer campanha que incentiva população a romper o isolamento.
"Cabe perguntar: quem será o fiador das mortes? Aquele que autorizou essa campanha? Aquele que idealizou a campanha? Aquele defende uma campanha para as pessoas irem às ruas? Aquele que foi às ruas quando a orientação já era se resguarde? Aquele que identifica a mais grave crise de saúde da história da humanidade como uma gripezinha? Quem será o fiador das mortes no Brasil?", disse Doria.
O prefeito Bruno Covas (PSDB) seguiu na mesma linha e fez menção a afirmação do presidente de que governadores e prefeitos poderiam ser responsabilizado pelo fechamento de estabelecimentos, citando artigo da CLT. "Embora a gente veja muitos políticos preocupados com artigo da CLT que trata de responsabilização, nossa preocupação aqui é com o artigo 121 do código penal, de não ser responsabilizado por nenhum homicídio"
Em um evento no hospital de campanha do estádio do Pacaembu, Doria e Covas tiveram discurso afinado condenando a campanha do governo incentivando a população a não parar durante a crise do coronavírus, classificada como desinformação e irresponsável. Durante o evento, um pequeno grupo xingava Doria e protestava pela abertura do comércio.
Doria, que fez um boletim de ocorrência por ameaça, afirmou que ter recebido centenas de mensagens no WhatsApp e telefonemas, com ataques que, segundo ele, foram coordenados pelo chamado "gabinete do ódio". Segundo ele, houve ameaças de invasões à casa dele.
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O tucano afirmou estar monitorando todos os telefonemas e mensagens. "Aproveitar para dizer também para bolsominions, bolsonaristas, ameaçadores, agressores como esses que estão aí fora gritando, que eu não tenho medo de cara feia. Não tenho medo de bolsominions, zero um, zero dois, zero três, zero quatro. Não tenho medo de Bolsonaro", disse.
Doria atacou fortemente a campanha do presidente. "Mais de 50 países estão em quarentena. O mundo inteiro está errado e o único certo é o presidente Jair Bolsonaro?", disse Doria.
Na peça bolsonarista, categorias como a dos autônomos e mesmo a dos profissionais da saúde são mostradas como desejosas de voltar ao regime normal de trabalho. "O Brasil não pode parar", encerra cada trecho do vídeo, inclusive para os "brasileiros contaminados pelo coronavírus".
O governador afirmou que os R$ 4,8 milhões gastos na campanha deveriam ser gastos no combate ao coronavírus, como comprando insumos médicos. "O Brasil pode parar para lamentar a irresponsabilidade de alguns", disse Doria.
Durante o evento no Pacaembu, Doria também afirmou que repassaria R$ 50 milhões para a prefeitura custear os hospitais de campanha.
A coletiva foi dada no estádio do Pacaembu, que foi preparado para virar um hospital de campanha, com 200 leitos, voltados a atender pacientes com coronavírus.
O local será administrado pelo Hospital Israelita Albert Einstein. Além deste hospital de campanha, haverá outro com mais 1.800 vagas no complexo do Anhembi.
​Durante a vistoria de Covas e Doria no local, houve grande aglomeração de jornalistas em área fechada, gerando apreensão entre os profissionais. Apesar das medidas restritivas no estado, Doria tem feito coletivas diárias, com presença de jornalistas. Há a opção, porém, de opção de fazer perguntas online.