sábado, 28 de março de 2020

Brasil libera participação da chinesa Huawei no 5G do país, FSP

Decisão de exigir cardápio de cibersegurança ocorre após conversa de Xi com Bolsonaro

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SÃO PAULO
O Brasil decidiu não vetar ou limitar a presença da gigante chinesa Huawei no fornecimento de redes para a instalação da tecnologia 5G no Brasil.
O GSI (Gabinete de Segurança Institucional) publicou nesta sexta (27) os requisitos de segurança cibernética a serem exigidos de concessionárias e fornecedores do sistema, cujo leilão no país está previsto para ocorrer no fim deste ano.
Como o edital não previa restrições a fornecedores das operadoras que concorrem, um veto poderia ser embutido justamente na definição de parâmetros técnicos de segurança.
O general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência
O general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência - Evaristo Sá - 18.mar.2020/AFP
Liderado pelo general Augusto Heleno, o GSI era visto como uma fronteira de resistência aos chineses por ter apresentado reservas ao risco de que seus equipamentos pudessem comprometer a segurança de dados por meio de "backdoors", ou portas traseiras, no sistema.
A liberação ocorre três dias depois de Jair Bolsonaro conversar com seu colega chinês, Xi Jinping, num telefonema que visava aparar as arestas causadas pela crise diplomática detonada pelo filho presidencial Eduardo.
Deputado por São Paulo e presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, ele havia associado a ditadura comunista chinesa à propagação do novo coronavírus, cuja pandemia surgiu no país asiático. O embaixador chinês no Brasil o criticou duramente, num momento em que a China começa a ajudar outros países a combater a crise sanitária.
Eduardo era um dos opositores públicos à presença chinesa no 5G, alegando o risco de espionagem. Em privado, é sabido que o chanceler Ernesto Araújo, expoente como o filho presidencial do dito núcleo ideológico do governo, também expressava suas reservas à Huawei.
Esse é o argumento utilizado pelo governo de Donald Trump nos EUA em sua cruzada contra a Huawei, empresa que é líder em telefonia celular em diversos mercados do mundo e apresenta hoje soluções 5G usualmente mais baratas que suas principais concorrentes, a sueca Ericsson e a finlandesa Nokia.
Washington tem dito que instalar redes chinesas para a chamada internet das coisas, que é a próxima etapa da revolução tecnológica digital, é expor a soberania nacional dos clientes a risco. A disputa envolveu até a prisão, no Canadá, de uma alta executiva da empresa chinesa.
Com isso, diversos países aliados aos americanos têm decidido vetar a presença da Huawei em seus leilões de frequências 5G.
Ainda assim, como a Folha mostrou nesta sexta, os chineses são maior ator do mercado: análise de como operam 68 empresas de telefonia e internet em 28 países mostra que a Huawei tem 31 contratos, ante 30 da Ericsson e 28, da Nokia.
Embora não sejam americanas, as empresas europeias têm forte ligação com a indústria do outro lado do Atlântico. A fabricante de componentes Qualcomm é grande fornecedora.
Recentemente, a ofensiva americana no Brasil teve dois lances. Primeiro, o país assinou um tratado militar inédito com os EUA, que permitirá parcerias entre empresas para desenvolvimento de soluções de defesa. Há dúvidas sobre sua continuidade se a Huawei estiver nas redes 5G brasileiras.
Segundo, o Brasil firmou a intenção de entrar na iniciativa América Cresce, o contraponto de Trump à Iniciativa Cinturão e Rota, o colosso de investimentos em infraestrutura oferecido pelos chineses mundo afora.
Contra isso houve resistência da área de telecomunicações do governo, majoritariamente favorável a um modelo aberto. Outro polo favorável aos chineses está na Vice-Presidência, onde o general Hamilton Mourão tem cultivado laços com Pequim.
A família Bolsonaro segue fechada com Trump, apesar da pragmática viagem do presidente à China no ano passado, o que indica que o jogo ainda não está jogado. Mas a sinalização de derrota momentânea para os EUA e para o desejo da ala mais ideológica do governo é inequívoca.
A instrução normativa editada pelo GSI visa balizar as discussões até o leilão, cujo edital foi lançado no mês passado. As quatro grande operadoras brasileiras, Claro, Vivo, Oi e TIM, já fizeram testes de rede com a chinesa e suas concorrentes. Hoje, a Huawei fornece cerca de metade da infraestrutura do 4G, a geração atual de telefonia móvel e troca de dados.
Diferentemente do que pregavam americanos e da solução salomônica do Reino Unido, aliado de Trump que permitiu a presença dos chineses em até 35% do fornecimento das redes, mas não na sua estrutura central e ligada a áreas estratégicas, o Brasil foi liberal.
Todos os concorrentes podem participar, desde que atendam a um cardápio de exigências de segurança e permitam auditagem completa por um órgão a ser definido pelo GSI.
"Os requisitos estabelecidos neste ato buscam elevar a proteção da sociedade e das instituições nacionais, em face da possibilidade de existência de vulnerabilidades e backdoors em sistemas de tecnologia 5G", afirma o texto.
A regra visa pulverizar o serviço, evitando domínio vertical de uma só empresa. "As prestadoras de serviço deverão subcontratar fornecedores distintos, de forma que uma mesma área geográfica possua, pelo menos, duas prestadoras utilizando equipamentos de fornecedores distintos", diz o texto.
Estarão em jogo no leilão, que especialistas estimavam antes da crise do coronavírus que vá movimentar R$ 20 bilhões, três licenças nacionais e duas regionais. O 5G, com sua alta velocidade, é vital para tecnologias em todas as áreas: de carros atuônomos e geladeiras inteligentes a robôs assassinos e caças sem piloto.
Mecanismos de segurança de rede por camadas são exigidos também, além da possibilidade de interoperabilidade entre as empresas concessionárias em caso de problemas técnicos que impossibilitem o funcionamento de determinado serviço. Ou seja, se a internet da operadora A cair, o sistema poderá ser redirecionado para a operadora B.
Operadoras e fornecedoras terão de se comprometer, segundo o texto, a se responsabilizar cível e criminalmente em caso de vazamentos detectados de dados.

Ausente, Guedes abandona estado de negação lentamente, FSP

BRASÍLIA
Em dois dias, o governo anunciou algumas das medidas econômicas mais emblemáticas da reação aos efeitos do coronavírus: avalizou o aumento para R$ 600 do auxílio emergencial pago a trabalhadores informais e abriu crédito de R$ 40 bilhões para pequenas e médias empresas. Nos dois casos, o chefe da área foi praticamente um personagem secundário.
Duas semanas depois das primeiras e tímidas providências divulgadas pelo Ministério da Economia contra a crise, a ausência de Paulo Guedes no comando dessa missão provoca desconfiança entre empresários e irritação entre congressistas.
O ministro submergiu no momento em que o governo emitiu mensagens desastradas e sinais controversos sobre a linha de ataque aos efeitos da pandemia.
No evento em que o presidente Jair Bolsonaro anunciou uma linha de crédito bilionária para financiar folhas de salários e preservar até 12 milhões de empregos, nesta sexta (27), apenas os chefes do Banco Central, da Caixa e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) estavam presentes. O sumiço de Guedes surpreendeu alguns empresários.
O ministro também foi quase um figurante no acordo que o governo precisou fechar com o Congresso, no dia anterior, para aumentar o socorro pago a trabalhadores informais afetados pela crise. Guedes havia proposto um pagamento de R$ 200 por mês, mas foi obrigado a aceitar que o valor fosse triplicado, por pressão de parlamentares e do próprio Bolsonaro.
Guedes saiu de Brasília há uma semana, quando o vírus se espalhou entre integrantes da equipe de Bolsonaro, e passou a despachar de seu apartamento no Rio. Deixou para trás um rastro de negação sobre os possíveis impactos da crise e uma coleção de mensagens truncadas sobre as respostas que seriam dadas pelo governo.
Nos primeiros dias desta semana, o ministro ainda repetia que o corte de despesas e a aprovação das reformas de ajuste fiscal eram a melhor resposta ao colapso econômico que se avizinhava. A lentidão e a falta de coordenação para apresentar medidas de emergência que poderiam atenuar os efeitos da crise deixou agentes econômicos perplexos.
Na terça (24), o empresário Carlos Jereissati vocalizou essa insatisfação. “A gente vê uma bela condução pela saúde, nos estados e no ministério, mas não vê a mesma agilidade na área da economia, para salvar as empresas e os empregos”, disse um dos donos do grupo Iguatemi. “Faltam medidas claras, para a economia real.”
Além da demora na tomada dessas decisões, Guedes ainda guardou silêncio depois que o presidente da República lançou uma campanha perigosa pela retomada imediata da atividade econômica, na contramão das recomendações das autoridades de saúde. Bolsonaro desenhou um cenário de terror absoluto, e o ministro responsável pela área se calou.
O país só ouviu uma mensagem completa de Guedes uma semana após seu número de desaparecimento. Sem participar de anúncios oficiais e entrevistas coletivas, o ministro gravou um vídeo de cinco minutos em que avisa que o governo vai abrir os cofres para preservar empregos e, ao contrário do que disse Bolsonaro, que é preciso preparar a retomada “ali à frente”.
A gravação tem público certo: empresários cada vez mais incrédulos com os rumos tomados pela equipe econômica na crise. O ministro, afinal, fala da população mais pobre numa terceira pessoa distante (“gente simples que trabalha todo dia para nos alimentar, para nos distrair”) e enumera os bilhões que serão aplicados durante a turbulência.
As incertezas ainda permanecem e dificultam o ambiente de negociações entre o Ministério da Economia e o Congresso. Numa conferência com empresários nesta sexta, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reclamou da falta de previsibilidade oferecida pelo governo.
“Se tiver um pacote e o governo apontar quanto vai gastar do PIB para organizar no curto prazo, aí começamos a pensar em um segundo momento, para além de 60 dias, como retomar obras, e reativar a economia”, afirmou Maia, num recado endereçado principalmente a Guedes. “Se não organizar, vamos continuar batendo cabeça.”
O ministro parece ensaiar uma correção de rumos, mas seus ajustes de comportamento nessa crise são muito mais lentos do que o avanço do vírus e seus efeitos econômicos.
Ele dizia há duas semanas que seriam necessários apenas R$ 5 bilhões para “aniquilar o coronavírus”. Agora, ele prevê uma conta de R$ 700 bilhões em três meses.
A ficha realmente demorou a cair. Depois que saiu de Brasília, Guedes contou a jornalistas que percebeu um dos impactos da crise quando pediu um suco de laranja no hotel em que morava na capital. Faltavam laranjas, e o atendente precisou oferecer um suco de abacaxi.