quarta-feira, 18 de março de 2020

Artigo: O FUTURO DO TRANSPORTE SOBRE TRILHOS NAS GRANDES CIDADES, Vicente Abate

Diferentemente do que ocorre em países desenvolvidos, ou mesmo emergentes, o transporte de passageiros sobre trilhos no Brasil está, lamentavelmente, muito aquém das necessidades da população.
O Brasil possui 27 regiões metropolitanas com mais de 1 milhão de habitantes, sendo que apenas 13 delas possuem sistemas de transporte de passageiros sobre trilhos. Entre essas regiões metropolitanas, destacam-se as de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador como os maiores sistemas.
No total são 1.105 km de vias (prevê-se para 2019 um acréscimo de apenas 10 km) em que foram transportadas 3,7 bilhões de pessoas em 2018, ano em que as ruas dos centros urbanos que têm sistemas sobre trilhos implantados deixaram de receber 1,3 milhão de carros e 18 mil ônibus, gerando uma economia anual de R$ 7,1 milhões, além de a população ganhar um tempo médio no deslocamento de 50 minutos por dia, o equivalente a três dias por mês.
Ainda que expressivo, este volume de passageiros transportados deveria e poderia ser muito maior, para que essas cidades e outras pudessem atingir níveis suportáveis de tráfego e meio ambiente.
Para que se melhorem estes indicadores, impõe-se que sejam criadas Governanças Metropolitanas, objetivando uma gestão do transporte público como política de Estado.
É preciso que haja planejamento na expansão dos sistemas, através de projetos melhores e otimização dos investimentos.
E que seja promovida a integração dos diversos modos de transporte, com complementaridade e não a concorrência entre eles.
São condições necessárias, mas não suficientes, se não tivermos regulamentação que proporcione segurança jurídica para que a iniciativa privada participe dessas expansões, visto que os recursos dos governos se encontram limitados, neste momento crítico de ajustes fiscais.
Ações têm sido feitas. Tomem-se como exemplos a retomada da construção das Linhas 6 e 17 do Metrô SP, além das expansões das Linhas 2 e 15, ainda que tenhamos perdido a Linha 18 do ABC paulista para o BRT. Operações das concessionárias do Estado continuarão a ser transferidas para a iniciativa privada. Espera-se para breve o leilão das Linhas 8 e 9 da CPTM.
Salvador e Fortaleza encontram-se com expansões em curso. O VLT Carioca inaugurou, finalmente, seu último trecho.
A expansão do VLT da Baixada Santista para o Valongo já se iniciou. Falta destravar o VLT de Cuiabá e Várzea Grande, que conta com uma pressão popular e de várias entidades representativas da sociedade para a inauguração de um trecho inicial de cerca de 6 km, o que ensejará, seguramente, a retomada das obras complementares paralisadas há cinco anos. Mais linhas de VLT estão sendo cogitadas, em Brasília e outras cidades.
O Ministério do Desenvolvimento Regional busca equacionar a situação crítica da CBTU e da TRENSURB, em conjunto com a Secretaria do PPI.
Por último, mas não menos importante, o projeto do Trem Intercidades (TIC), entre São Paulo e Campinas, encontra-se maduro o suficiente para que seja lançado no primeiro trimestre de 2020.
Talvez ainda seja pouco, mas ações coordenadas, através de uma Governança Metropolitana, contribuirão para se criar no Brasil uma rede de transporte ferroviário de passageiros que se aproxime do que há de melhor no mundo.
A ABIFER (Associação Brasileira da Indústria Ferroviária) traz em sua marca o lema “Trilhando o desenvolvimento”. É nisso que acreditamos e trabalhamos. Quanto mais o planejamento urbano priorizar os trilhos, maiores serão as possibilidades de avanços econômicos nas cidades e, consequentemente, maior o benefício na qualidade de vida da população.
 

Evitar uma tragédia, editorial FSP


Na crise do vírus, devem-se mirar informais e miseráveis; Bolsa Família é opção



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Ivanete e Denilson dos Santos, em Belágua (MA), onde há fila para o Bolsa Família - Junior Foicinha/Folhapress
O pacote de medidas econômicas destinadas a mitigar os efeitos do coronavírus deve ser encarado como providência inicial, bem-vinda e, tudo indica, insuficiente.
A partir do conjunto de decisões alinhavado às pressas pela pasta da Economia, calculou-se um impacto de R$ 147,3 bilhões em três meses. A cifra, aparentemente bombástica, deve ser mais bem qualificada.
A enorme maioria dos valores incluídos na conta diz respeito a antecipações de pagamentos a cargo do governo e adiamentos de cobranças tributárias —sem alterar, assim, o total de despesas e receitas do Orçamento deste ano.
Aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) receberão o 13º em abril e maio; o abono salarial será concedido em junho; o recolhimento ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) fica postergado por três meses, bem como o da parte da União no Simples Nacional.
Adicionalmente, haverá abertura para novos saques de dinheiro do FGTS, pertencente aos trabalhadores celetistas, e alívio temporário nas contribuições ao Sistema S. Em nenhum dos casos se lida com recursos do Tesouro Nacional.
O que existe de dinheiro orçamentário novo representa parcela pequena do pacote, caso de até R$ 3,1 bilhões para a inclusão de 1 milhão de beneficiários no Bolsa Famíli —ação fundamental, que já deveria estar em vigor.
Além disso, editou-se medida provisória para expandir gastos com saúde em R$ 5 bilhões, não incluídos na conta da Economia, e prevê-se eliminação de impostos sobre produtos necessários ao enfrentamento da Covid-19.
As medidas, como se vê, concentram-se no apoio momentâneo a idosos, os mais vulneráveis ao novo vírus, e à tentativa de preservação de empregos formais. O desafio maior, porém, é como amparar o enorme contingente de trabalhadores na informalidade e os estratos miseráveis da população.
São eles, afinal, os que correrão riscos mais graves durante os dias, semanas ou meses de paralisia de atividades. Há, pois, uma tragédia social a ser evitada —e, nesse caso, a política pública é imprescindível.
Nesse sentido, impõe-se considerar com urgência uma ampliação mais ambiciosa do Bolsa Família, o programa mais vocacionado a atender as parcelas mais carentes da população. Gastos emergenciais em saúde devem ser viabilizados nas três esferas de governo, a despeito de restrições orçamentárias.
Como esta Folha tem defendido, existem meios legais para a necessária expansão da despesa pública nesta crise, sem abandono da agenda de reformas e ajustes. Que novas providências venham.

Trocando de vagão a cada espirro: como coronavírus mudou a vida de um 'neurótico por doença', BBC


Gui ArrageDireito de imagemARQUIVO PESSOAL/BBC
Image captionComo muitos brasileiros, designer paulistano Guilherme Arrage vive momentos de ansiedade e incerteza em meio à propagação de novo vírus pelo mundo

Como muitos brasileiros, o designer Guilherme Abo Arrage vive momentos de ansiedade e incerteza em meio à propagação do novo coronavírus pelo mundo.
Mas para Arrage, que mora em São Paulo, evitar contagiar-se pelo pânico é um desafio muito maior. Descrevendo-se como "neurótico por doenças", a possibilidade de contrair o vírus que surgiu na China imprimiu mudanças em sua rotina.
"Sou neurótico em relação a ficar doente. Se começo a ter uma coriza, já tomo remédio. Às vezes, nem tenho sintomas, mas acabo me automedicando para não ficar doente", diz ele, que credita sua "saúde de ferro" aos seus "novos hábitos dos últimos dois anos", uma combinação de alimentação balanceada, prática de exercícios físicos e higienização frequente das mãos.
Dias depois de conversar com a BBC News Brasil pela primeira vez, Arrage contou à reportagem na noite de quinta-feira (12/03) que um caso de coronavírus foi confirmado na empresa onde ele trabalha, um polo de startups. Todos os funcionários agora estão trabalhando de casa.
"Pego dois trens e um metrô para chegar ao trabalho. Sempre evitei segurar nas barras. Agora, com o coronavírus, se eu vejo alguém gripado no meu vagão, eu mudo de vagão. Também tenho meu álcool gel portátil e lavo as mãos o tempo todo. Praticamente a cada hora, eu estou higienizando as minhas mãos", acrescenta.
Psicológicos lembram, contudo, que neuroses são transtornos mentais e que, apesar de seu uso informal na linguage popular, é um "assunto que deve ser tratado com seriedade". O mesmo se aplica à "hipocondria".
Arrage diz também que deixou de cumprimentar as pessoas com beijos e abraços e brinca que está pensando até em passar a adotar 'o aperto de mãos de Wuhan', uma espécie de cumprimento com os pés de forma a evitar o contato mais próximo.
Questionado sobre como estava se sentindo após a confirmação do caso de coronavírus em seu trabalho, ele disse que "tranquilo".
"Pelo menos, agora, não vou mais precisar pegar transporte público (para ir ao trabalho), que era o que mais me preocupava. Mas se tiver qualquer sintoma mais grave, vou correndo ao hospital", diz.
Em seu trabalho, reuniões e viagens já haviam sido canceladas antes da confirmação do primeiro caso. A orientação era evitar o contato mais próximo e passar a fazer uso de tecnologia para dar conta dos negócios.
"Tínhamos participado de uma reunião extraordinária em que nos foi explicado que qualquer sinal de gripe as pessoas tinham que ficar em casa. Agora, com o caso de coronavírus confirmado, estamos todos trabalhando de casa", diz Renata Betti, empresária e fundadora da startup de recursos humanos Talent Academy e residente do CUBO.
Betti conta que a pandemia de coronavírus pelo mundo também antecipou a mudança de hábitos de sua família.
"Meu pai não cumprimenta mais as pessoas. Ele só faz namastê (saudação reverencial em que as duas mãos pressionadas juntas, as palmas tocando-se e os dedos apontando para cima, no centro do peito)", diz.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a pandemia de coronavírus já infectou mais de 150 mil pessoas em todo o mundo. Do total, cerca de 5,5 mil morreram por causa da doença, conhecida como covid-19.
Até este domingo (15 de março), segundo o Ministério da Saúde, o Brasil tem 121 casos confirmados, a maioria em São Paulo, e cerca de 1,5 mil suspeitos. Nenhuma morte foi confirmada até agora.
Recentemente, o ritmo de propagação do vírus vem aumentando exponencialmente ao redor do mundo, enquanto cai na China, epicentro do surto.
Na Itália, o país europeu mais afetado, toda a população está em autoisolamento. Espanha e França também restringiram fortemente a movimentação das pessoas.
Já no Reino Unido, Chris Whitty, chefe médico do Departamento de Saúde do Reino Unido, disse esperar que "teremos 50% de todos casos num período de três semanas e 95% deles num período de nove semanas se (a taxa de contágio) seguir a trajetória que pensamos que ela seguirá". Atualmente, o país tem 1.140 casos da doença.

Coronavírus na Coreia do SulDireito de imagemEPA
Image captionCoronavírus já infectou mais de 150 mil pessoas no mundo

'Pânico injustificável'

A infectologista Rosana Richtmann, do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo, diz que é importante precaver-se, mas não deixar o pânico "tomar conta".
Richtmann lembra ainda que "em nenhuma epidemia anterior, tínhamos informações em tempo real" o que contribui para "elevar a preocupação" sobre a doença.
"Não há um momento sequer que não ouvimos falar de coronavírus. As chances de termos um grande número de casos é razoável. Mas isso não significa que devemos ceder ao pânico generalizado", diz ela à BBC News Brasil.
"Higienizar as mãos é sempre bom não só para combater coronavírus, mas outras doenças. Mas o pânico é injustificável. Temos visto desabastecimento de insumos, como máscaras, por exemplo. Precisamos nos conscientizar de nossas ações. Se compramos máscaras sem necessidade, deixamos doentes e profissionais de saúde sem elas", acrescenta.