segunda-feira, 16 de março de 2020

O QUE A FOLHA PENSA Furou o pneu do trem

Os usuários do já saturado sistema de transporte público de São Paulo enfrentam há inacreditáveis duas semanas mais um transtorno —a paralisia da linha 15-prata, operada pelo Metrô, que liga a Vila Prudente a São Mateus, ambos na zona leste da capital paulista.
Os 57 mil passageiros que usam esse monotrilho (trem com pneus sobre uma estrutura elevada) diariamente agora têm de seguir por outro trajeto ou usar os ônibus do sistema emergencial Paese, o que significa demora, filas e lotação.
A parada da linha foi causada pelo estouro de um pneu, o que levou uma peça a cair do elevado sobre o qual circula o trem, a cerca de 15 metros de altura, na rua abaixo.
Ainda não se sabe o que causou a falha e há dúvidas sobre a segurança dos comboios. Daí a decisão acertada de paralisar a circulação até que se entenda o que aconteceu.
A demora em retomar os serviços ou explicar o que está ocorrendo, no entanto, é inaceitável. O secretário estadual de Transportes Metropolitanos, Alexandre Baldy, diz que vai cobrar das empresas que construíram a linha (OAS, Queiroz Galvão e Bombardier) pelo prejuízo com a paralisação do modal, estimado em R$ 1 milhão por dia.
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Nem ao menos está claro se o problema foi causado pela manutenção dos equipamentos (caso em que a responsabilidade seria do Metrô) ou pela construção. Técnicos vêm analisando os trens parados e os trilhos, mas não se conhecem conclusões até aqui.
Há tempos os usuários relatam transtornos na linha, como trepidação excessiva. Já houve ali outros incidentes graves: em um deles, trens se chocaram; em outro, um terceiro trilho se soltou.
Especialistas questionam o modelo desde seu anúncio pelo então governador José Serra (PSDB), em 2009. Prometida para o ano seguinte, a linha começou a ser testada em 2014 e só começou a circular sem restrições no ano passado.
No restante do mundo, essa modalidade de de monotrilho é utilizada apenas para trajetos curtos e com número de usuários bem mais restrito. Difícil imaginar que o sistema de transporte público paulistano seria capaz de promover uma exceção bem-sucedida à regra.


domingo, 15 de março de 2020

Elio Gaspari A realidade paralela de Bolsonaro, FSP

Presidente foi o único governante a minimizar o risco do coronavírus

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— Eu acho... eu não sou médico, não sou infectologista. Do que eu vi até o momento, outras gripes mataram mais do que essa.
Que Jair Bolsonaro não é médico, todo mundo sabia. Sendo presidente da República, podia ter acompanhado a serenidade de seu ministro da Saúde, do governador de São Paulo e de David Uip, que é infectologista, e há semanas lidam com o caso do coronavírus. Outras gripes mataram mais que essa, inclusive a espanhola, que em 1919 levou o presidente Rodrigues Alves. (Como Tancredo Neves, ele foi eleito mas não assumiu.)
Presidente Jair Bolsonaro faz transmissão ao vivo com máscara - Reprodução Facebook
Noves fora papagaios do Irã, Bolsonaro foi o único governante a minimizar o risco do coronavírus. Contrariou quem é médico, a Organização Mundial da Saúde e seu ídolo Donald Trump.
Desde moço o capitão Bolsonaro abriga-se numa realidade paralela. Ele tinha 32 anos quando se encrencou na carreira militar. Deixou o Exército pela porta lateral de uma carreira política num episódio que envolvia a autoria de um croqui primitivo de um atentado a bomba contra uma adutora. Dois laudos periciais disseram que ele havia sido o autor do desenho. O Superior Tribunal Militar entendeu que os laudos eram quatro e exonerou-o, sabendo que ele passaria para a reserva. Essa história está contada e documentada no livro “O Cadete e o Capitão”, de Luiz Maklouf Carvalho.
Passou o tempo e Jair Bolsonaro elegeu-se presidente da República. Logo no início do seu mandato, ele se viu assombrado pelas traficâncias de seu chevalier servant Fabrício Queiroz, protetor do miliciano Adriano da Nóbrega. Dele nada se ouviu, salvo que “sou um homem de negócios, eu faço dinheiro”. Em mais de um ano, todos os envolvidos nessa trama recorreram a uma constrangedora blindagem. Nos dois casos, a realidade paralela foi uma forma de defesa.
Na Presidência, Bolsonaro desenvolveu o que parece ser um folclore diversionista que vai do “golden shower” ao negacionismo das queimadas da Amazônia. Quando o estoque parece esgotado, ele volta a duvidar da lisura das urnas eletrônicas. No caso do coronavírus, o folclore atravessou a rua, misturando-se com a voz do presidente da República numa questão de saúde pública. Continua sendo folclore, mas foi uma atitude pessoal, pois o governo está trabalhando noutra direção, a certa.
Bolsonaro abriga-se numa realidade paralela onde se misturam crenças, manias e até mesmo visões. Em um exemplo, no início do ano ele disse o seguinte: “Em fevereiro vou estar nos Estados Unidos, vou lá visitar empresários, que são militares... vão me apresentar transmissão de energia elétrica sem meios físicos. Se for real, de acordo com a distância, que maravilha! Vamos resolver o problema de energia elétrica de Roraima passando por cima da floresta”.
Ele foi aos Estados Unidos e não visitou os empresários “que são militares”. (Abracadabra.) Era tudo fantasia, coisa que lhe foi contada por algum maluco. Nesse caso, a viagem de Bolsonaro pela realidade paralela não era contra ninguém. Se fosse coisa real, seria até a favor de Roraima. Eletricidade passando por cima da floresta era uma visão, semelhante à de que pode existir um “Posto Ipiranga” capaz de servir a um governante quando ele precisar de rumo para a economia do país.

FIOCRUZ

pandemia do coronavírus poderia levar o ministro Luiz Henrique Mandetta a dar uma olhada no caso dos pesquisadores aprovados num concurso de 2016 para preencher vagas na Fiocruz.
Eles foram aprovados, mas excederam as vagas disponíveis. Como a Fiocruz teve seu quadro de servidores drenado, bastaria preencher com esses profissionais as novas vagas.
No INSS, acharam que preencher vagas era bobagem. Deu no que deu.

A velha chama, Luis Fernando Verissimo, OESP

De vez em quando, levamos esses sustos, entre enternecedores e horrorizados, com a descoberta de que alguém que julgávamos morto continua existindo

Luis Fernando Verissimo, O Estado de S.Paulo
15 de março de 2020 | 03h00
O galês Dylan Thomas rebelou-se contra a morte iminente do pai, pedindo, num poema famoso, para ele não se entregar mansamente à grande noite, mas rugir, rugir contra o apagar da luz. Ou o apagar da velha chama, que foi como o Tom Jobim descreveu a morte.
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A velha chama às vezes custa a apagar. Certa vez fui a uma homenagem ao Jorge Amado, em São Paulo, e descobri na chegada, que haveria outro homenageado na noite: o poeta Menotti del Picchia. Que eu pensava que não apenas estivesse morto, mas morto há muito tempo. O velho nunca ficou sabendo quem eu era e por que o abraçava com aquela alegria. Nem que meus parabéns entusiasmados não eram pelo seu prêmio, eram por ele ainda estar tão inesperadamente vivo, e de pé.
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Viajando pelo interior da França, pegamos no rádio do carro um programa só com músicas do Charles Trenet. Justa homenagem, pensei eu: um programa inteiro em memória do cantor e compositor, falecido há quanto tempo mesmo? No fim do programa entrou uma entrevista com o próprio Trenet, ao vivo. Vivíssimo. Não me lembro de ter notícia da sua morte. O que sugere que ele ainda pode estar vivo, e cantando Douce France.
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De vez em quando, levamos esses sustos, entre enternecedores e horrorizados, com a descoberta de que alguém que julgávamos morto continua existindo. O susto se repete principalmente com velhos astros de cinema. Alguém sai do túmulo – ou pelo menos do túmulo em que o colocamos, prematuramente – para receber um Oscar ou coisa parecida, e todos têm a oportunidade de dizer “Não é possível!”. 
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No fim, cada um que nos surpreende por ainda não ter partido é uma vitória do nosso lado: mais um que sonegamos do adversário. Uma espécie de ponto que julgávamos perdido, recuperado. Mais um que resistiu mais do que imaginávamos, e não se entregou mansamente à grande noite. E para quem a velha chama ainda brilha.