quarta-feira, 11 de março de 2020

Economia ensina que esperança não é estratégia, Elio Gaspari, FSP

Guedes deve ter seus motivos para estar tranquilo, mesmo que seja um dos poucos com essa serenidade

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A Bolsa de Nova York teve a maior queda desde a crise de 2008, a de São Paulo suspendeu o pregão, fechou com um tombo de 12% e o dólar bateu em R$ 4,73. Diante desse quadro, o doutor Paulo Guedes disse que "estamos absolutamente tranquilos", pois sua equipe "é serena, experiente". Nada contra, salvo os precedentes.
Em 2008, Lula disse que a grande recessão americana chegaria ao Brasil como uma "marola". Deu no que deu. Em 1979 e 1980, diante de uma alta do petróleo e dos juros americanos, o governo brasileiro (e o FMI) garantiam que a dívida externa seria administrável. O país quebrou, entrando na sua década perdida. Em 1973, quando o mundo sofreu o primeiro choque do petróleo, o Brasil era apresentado com uma "ilha de tranquilidade".
Paulo Guedes deve ter seus motivos para estar tranquilo, mesmo que seja um dos poucos ministros da Economia com essa serenidade. Seus antecessores acreditaram que crises podiam ser mitigadas com otimismo. Como ensinou Tim Geithner, o ex-diretor do Federal Reserve Bank de Nova York e ex-secretário do Tesouro americano, que toureou a crise de 2008, "esperança não é estratégia".
Ninguém explicou a origem do pânico financeiro das últimas semanas. Atribuí-lo ao coronavírus é pouco. Se for só isso, a economia mundial tomará um tombo em 2020. Em 1973, quando os países exportadores de petróleo começaram a aumentar o preço do barril, poucos se deram conta do tamanho da encrenca. Seis anos depois, quando o aiatolá Khomeini derrubou o Xá do Irã e provocou a segunda alta do petróleo, muita gente achava que ele era um velhinho bondoso de barbas brancas. Em 2008, quando o economista Nouriel Roubini previa a crise bancária, chamavam-no de "Doutor Fim do Mundo". Ele virou profeta e, na segunda-feira (9), diante da queda do preço do petróleo somada ao coronavírus, tuitou: "recessão e crise à vista".
A serenidade de Guedes inquieta quando ele diz que "a democracia brasileira vai reagir, transformando essa crise em avanço das reformas". Uma coisa tem muito pouco a ver com a outra. Viu-se isso com o pibinho que se seguiu à reforma da Previdência. Essa e todas as propostas de Guedes podem melhorar a situação da economia, mas são mudanças de médio prazo. Democracia não reage, apenas existe ou deixa de existir. Misturando-se banana com laranja consegue-se apenas travestir um mau cenário econômico, fantasiando-o como questão política.
A crise de 2008 deveu muito a um clima de festa da banca, mas quando um sujeito é responsável pela administração de uma economia deve conhecer seus limites. Em março daquele ano, quando a banca não falava em crise, o presidente George Bush submeteu ao seu secretário do Tesouro, Henry Paulson, um discurso no qual diria que o governo não salvaria empresas. Paulson surpreendeu-o pedindo-lhe que cortasse a afirmação. Em setembro o mundo caiu. Ele conhecia o mercado e evitou que o presidente dissesse algo que poderia obrigá-lo a desmentir-se.
O Fed de Nova York tem hoje uma caçadora de encrencas potenciais no comportamento e nas certezas dos banqueiros. Ela se chama Margaret McConnell e ensina: "Nós gastamos tempo procurando pelo risco sistêmico, mas é ele quem tende a nos achar." 
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

FÁBIO TOFIC SIMANTOB A quem interessam os vazamentos criminosos? FSP


A preocupação com a cobertura jornalística acrítica da Lava Jato já foi muito bem externada em dois textos escritos por duas ombudsman desta Folha, Paula Cesarino Costa ("Um jato de água fria”), e Flavia Lima (“A lava Jato e a imprensa”).
A grande questão é como equilibrar a liberdade de imprensa de um lado, que não merece qualquer relativização, com a forma como algumas autoridades inescrupulosas usam os jornais para transformar meras suspeitas contra alguém em culpa consumada, causando danos irreparáveis não só a indivíduos, mas ao próprio país. Cito, propositalmente, exemplos diferenciados.
O advogado Fábio Tofic Simantob no jantar em homenagem aos juristas Celso Antonio Bandeira de Mello e Weida Zancaner - Zanone Fraissat - 25.nov.19/Folhapress
No dia 17 de maio de 2017, o grupo Globo divulgou que, em conversa gravada por Joesley Batista, o ex-presidente Michel Temer (MDB) teria avalizado o pagamento pelo silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha.
A notícia foi divulgada sem o áudio da gravação. No dia seguinte descobriu-se que a informação não era exatamente aquela da véspera. A cobertura maciça transformou a versão em fato e criou o ambiente para a abertura de inquérito contra o ex-presidente. Recentemente, a Justiça recusou-se a receber a denúncia apresentada contra Michel Temer, reconhecendo que a versão do diálogo legitimada por setores da mídia e do Ministério Público não correspondia à realidade. Tarde demais.
A leviandade vai além. Em abril de 2017, a revista Veja publicou uma matéria de capa informando que, em delação premiada, à qual a revista teve acesso com exclusividade, um executivo da Odebrecht teria revelado a existência de uma conta bancária em Nova York ligada ao deputado Aécio Neves e movimentada pela sua irmã, Andrea Neves.
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No dia 9 de agosto de 2019, a Procuradoria-Geral da República, já na gestão de Raquel Dodge, em documento oficial, atestou que o nome dela nunca foi citado em qualquer delação feita pelo executivo. A delação à qual a Veja afirma ter tido acesso com exclusividade simplesmente nunca existiu. Não existia a delação, a acusação, a conta bancária, nada. Ainda que sem nenhum documento que a comprovasse, a acusação, inexistente, foi capa da revista.
Agora é a vez do filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Fábio Luís. Documentos esparsos e fora de contexto são vazados propositadamente para embalar a opinião pública em julgamentos tão precipitados quanto equivocados.
A estratégia é a mesma de sempre. Buscar no calor da opinião pública o combustível artificial para subsidiar medidas espetaculosas, medidas que apenas pela força dos elementos do processo não teriam condições de prosperar. E com o Judiciário colocado de joelhos pela pressão popular, as ilegalidades ficam mais difíceis de serem anuladas pelos tribunais. É a receita que deu certo por muito tempo, e sua utilização foi admitida em artigo pelo próprio personagem principal da Operação Lava Jato, o hoje ministro Sergio Moro.
É o que se chama de publicidade opressiva do processo penal, já objeto de regulamentação legal em diversos países, como Inglaterra e França.
No Brasil, não há mais dúvida de que a conduta é crime previsto no artigo 38 da lei sobre abuso de autoridade. Resta saber qual o órgão de persecução penal terá a coragem de aplicar a lei, cortando na própria carne.
Fábio Tofic Simantob
Advogado, defende Andrea Neves e Fábio Luís Lula da Silva