segunda-feira, 9 de março de 2020

Os efeitos do coliving, novo estilo de moradia compartilhada, Claudio Bernardes, FSP

Produto imobiliário pode ajudar a atrair talentos para as cidades e promover conexões sociais

população mundial deve atingir 8,6 bilhões de pessoas em 2030, e isso transforma o desenvolvimento da produção habitacional em um dos maiores desafios do século 21. E se pudéssemos resolver pelo menos parte desse problema repensando a maneira como vivemos?
Talvez, os modelos de coabitação possam ser alternativa importante no atendimento da demanda por moradia.
A definição moderna de coliving envolve o trabalho de alguém que, de alguma forma, reúne pessoas diferentes para viverem em um mesmo imóvel, compartilhando ambientes que estimulam a socialização.
Esse conceito não é novo no Brasil. Desde a estruturação das antigas pensões, modelo semelhante foi utilizado pela locação de dormitórios ou camas, com o compartilhamento de outros espaços da casa, como salas, varandas e banheiros. As repúblicas estudantis, muito comuns em cidades com universidades, são modelos semelhantes ao do coliving.
Entretanto, o moderno conceito de coliving surgiu nos países escandinavos na década de 1960 e foi originado em função de três questões principais: falta de habitação acessível de qualidade, combate à solidão e criação de um senso comunitário nos locais de moradia.
Esse modelo vem se reestruturando ao longo dos anos e tem encontrado, em muitas cidades, entraves legais para o seu desenvolvimento. Apesar disso, teve maior impulso a partir de 2012 na China e nos EUA.
A evolução desse conceito como produto imobiliário de sucesso depende de uma série de fatores, entre eles uma legislação de uso e ocupação do solo compatível e novas formas de abordar os projetos arquitetônicos. Devemos nos afastar dos projetos compartimentados e criar edifícios com arranjos que possibilitem oportunidades para interação social. Comunidades não são commodities que podem ser manufaturadas facilmente. Para cada projeto específico, o equilíbrio entre o privado e o comunitário deve encontrar os níveis adequados e desejáveis de relacionamento entre as pessoas.
Na era do compartilhamento, o aumento expressivo de habitantes de grandes cidades morando em imóveis alugados reforça essa tendência. Londres, por exemplo, apresentava, no ano 2000, aproximadamente 40% dos habitantes morando em imóveis alugados, e há a expectativa de, em 2025, esse percentual chegar a 60%. Nos EUA, 27% da população morava de aluguel em 1996, número que subiu para 40% em 2019. Na cidade de Nova York, 67% dos domicílios são alugados.
Por outro lado, no Brasil, temos ainda muito espaço para crescer. Somente 19% dos domicílios são alugados e têm sua maior expressão na Grande de São Paulo, onde o total de domicílios nessa condição chega a 21%.
Há de se considerar, ainda, os efeitos positivos que esse novo produto imobiliário pode trazer para as cidades, como estímulo à atração de talentos, promoção da diversidade, incentivo a conexões sociais e, de alguma forma, tornar a cidade mais inclusiva. Esse modelo de moradia pode ajudar, ainda, a viabilizar o acesso à habitação por pessoas sem condições financeiras de morar em alguns locais da cidade, evitando, dessa forma, o processo de gentrificação nessas regiões.
Essa experiência comunitária deve ser expandida para a vizinhança. Para isso, o planejamento do produto deve incluir a compreensão da ambiência regional e das suas necessidades, além de promover o entendimento de como o empreendimento pode ser útil e quais os tipos de espaços ele deve conter para beneficiar o entorno.
Coliving pode se tornar uma alternativa importante no leque de opções para solução dos problemas habitacionais. Contudo, ele ainda carece de um pouco mais de entendimento quanto à sua estruturação pelo mercado, e de aperfeiçoamentos na legislação urbanística, para que esses marcos legais possibilitem a perfeita adaptação desse modelo ao regramento de uso e ocupação do solo.
Claudio Bernardes
Engenheiro civil e presidente do Conselho Consultivo do Sindicato da Habitação de São Paulo. Presidiu a entidade de 2012 a 2015.

Marcelo Leite Coronavírus é coisa séria, FSP


A epidemia mundial da síndrome respiratória covid-19 passou a marca de 100 mil infectados e mais de 3.500 mortes. No Brasil são duas dezenas de casos, já se registrou transmissão local e há pelo menos uma pessoa em estado grave.
 
É questão de tempo para que a doença se espalhe mais e as mortes comecem a acontecer também por aqui. Medidas que hoje parecem despropositadas, como fechamento de escolas, se tornarão mais comuns.
 
Se o vírus CoV chegar a casas de repouso, será devastador para idosos. Morrem até 15% dos infectados com mais de 80 anos.
 
Governo e comunicadores que tratam da doença têm a obrigação de repetir que não há, apesar de tudo, razão para pânico. Estocar máscaras e álcool gel é irracional, assim como arriscar-se a contrair o coronavírus em salas de espera de pronto-socorro, se a pessoa não tiver sintomas respiratórios graves ou febre alta.
 
Isso não quer dizer que a coisa não seja séria. É séria, sim, gente.
 
Ouve-se aqui e ali o argumento de que dengue, malária ou gripe (influenza) são coisas mais grave, que matam muito mais pessoas. Há alguma verdade aí. Morrem a cada ano no mundo uns 400 mil pacientes com influenza; no Brasil, em 2019, foram mais de 900 até o fim do inverno.
 
Engana-se quem concluir disso que não há motivo para se preocupar. No caso da gripe existem conhecimento sobre sua dinâmica epidemiológica, vacinas, antivirais eficazes e anticorpos na população, o que não a impede de ser um flagelo de saúde pública.
 
Nada disso está disponível no caso do coronavírus.
 
Quando surge um vírus novo como esse CoV, a humanidade inteira fica vulnerável. Ainda mais quando o período de incubação for longo, como no seu caso, durante o qual o portador segue infectando outros sem saber.
Além disso, muitos dos que contraem o novo vírus desenvolvem formas leves e benignas da doença. Esses portadores tendem a passar despercebidos, o que torna muito difícil saber com alguma margem de precisão quantos são os transmissores, efetivamente.
 
A nuvem de desconhecimento que paira sobre a covid-19 dificulta o planejamento de ações para combatê-la. Nos Estados Unidos, a distribuição inicial de kits para diagnóstico foi um desastre, motivada talvez pela hesitação do governo de Donald Trump, propenso a desconfiar das evidências e refratário ao princípio da precaução (como no caso da mudança climática).
 
A taxa de mortalidade da moléstia foi estimada em torno de 3,4%, mas ela se refere ao total de casos conhecidos no mundo, não aos realmente existentes, entre os quais talvez a maioria passe indetectada. Parece provável, se e quando houver dados mais fiéis, a futura constatação de que ela em realidade seja mais baixa, de 2% ou 1%.
 
Tranquilizador? Não exatamente. No ritmo atual, não será surpresa se a pandemia alcançar a casa dos milhões de afetados, afinal a covid-19 já chegou a 93 países. E a maioria deles não são ditaduras como a chinesa, que tem poder e meios para impor quarentenas a dezenas de milhões de cidadãos.
 
Nesse cenário com milhões de doentes, 1% ou 2% de mortes (para não falar de 15% entre os velhinhos) representará um número assustador. Cabe, portanto, levar o coronavírus a sério e lavar bem as mãos —com frequência, não com pânico.
Marcelo Leite
Jornalista especializado em ciência e ambiente, autor de “Ciência - Use com Cuidado”.

domingo, 8 de março de 2020

O encanto quebrou, José Roberto de Mendonça de Barros, O Estado de S. Paulo


08 de março de 2020 | 05h00

Logo após a aprovação da reforma da Previdência, em 23 de outubro passado, um nítido entusiasmo tomou conta de muitos observadores, empresas e mercados em geral. A volta de um crescimento robusto, de até 3%, em 2020 seria consequência do avanço esperado do programa econômico de Paulo Guedes.
Em certa medida, essa reação não era fora de propósito, pois ficou evidente que o atual Congresso simpatizava, como de resto até hoje, com a pauta reformista. Esta contava com várias emendas constitucionais e projetos de lei que tratavam de questões necessárias para destravar de vez o crescimento, especialmente aquelas que reforçam o ajuste fiscal (PEC emergencial e do pacto federativo), e as pautas necessárias para estimular o investimento e a eficiência, como a reforma tributária, o marco do saneamento, o das Parcerias Público Privadas e outras. 
Além disso, os resultados do PIB do segundo e terceiro trimestres haviam mostrado números robustos, de 0,6% em cada um deles, e alguma retomada em vários setores, como a construção civil. O ano de 2019 deveria apresentar um final bem melhor, também reforçado pela queda dos juros a patamares historicamente baixos.
O avanço da Bolsa de Valores, especialmente empurrada pela crescente presença das pessoas físicas, foi também uma consequência lógica dessa queda, contribuindo para um certo entusiasmo. 
Entretanto, a venda de bens duráveis na Black Friday foi a última boa notícia do final do ano. A partir daí, o ambiente começou a se turvar e o encanto com a política econômica e o crescimento se quebrou, já antes do aparecimento do coronavírus. 
A questão é saber por quê.
Sem dúvida, as expectativas começaram a mudar devido à permanente postura bélica do presidente, que tumultua o ambiente político e gera uma percepção de crise permanente, que não estimula o investimento, especialmente o estrangeiro. A acusação feita por muitos governistas e seus apoiadores de que o Congresso não aprova nada é totalmente equivocada, pois a lista de projetos aprovados recentemente é longa e vai muito além da reforma da Previdência, incluindo, por exemplo, a MP da liberdade econômica, o cadastro positivo, a nova lei das teles, a lei das agências reguladoras e outras. 
O Executivo insiste em não trabalhar com suas prioridades, o que dificulta o andamento da pauta, num comportamento oposto do ocorrido com a Previdência, na qual o sucesso da aprovação se deveu muito ao foco dado ao projeto. 
Em consequência, a consolidação fiscal andou pouco, embora os números do ano passado tenham sido bons. Aqui na MB, continuamos com a ideia de que a PEC emergencial (talvez a menos complexa de todas) deveria ser prioridade por sinalizar continuidade no ajuste.
As privatizações não andaram nada e muito pouco com as concessões. É significativo que o maior caso levado à leilão tenha sido um do Estado de São Paulo, com a concessão da estrada de 1.200 km de extensão, de Piracicaba à Panorama. Esse projeto foi vendido por R$ 1,1 bilhão e receberá R$ 14 bilhões de investimentos nos próximos anos. Na área federal, houve a concessão de trecho da BR-101, de 220 km e R$ 3,4 bilhões de investimento.
A pobreza das concessões e a falta de recursos para o Minha Casa Minha Vida devem explicar a queda da construção civil no último trimestre do ano passado. 
Como já coloquei muitas vezes neste espaço, o peso do desemprego, do subemprego e do desalento impedem melhoras mais significativas no consumo. Da mesma forma, o grande número de empresas “zumbis”, em recuperação judicial, endividadas e estagnadas, também funciona como um enorme peso de arrasto que retarda o crescimento. 
Em consequência dos pontos anteriores, os índices de confiança e de expectativas de consumidores, dos serviços e da construção civil começaram a cair desde o ano passado.
É nessa situação que aparece o coronavírus, que está gerando uma balbúrdia na economia global e uma enorme incerteza sobre o futuro. 
A divulgação do modesto crescimento do ano passado e a impropriedade de muitas falas do ministro da Economia (câmbio a R$5,00???) quebraram definitivamente o encanto.
O caminho a ser trilhado pelo País ficou muito mais árduo.
ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE