sábado, 8 de fevereiro de 2020

Setor privado poderá fazer shopping em terreno do governo em troca de casa popular, FSP

Novo ministro pode sepultar voucher e implantar projeto em que Estado dá terreno e incorporadora assume subsídio

BRASÍLIA
A promoção de Rogério Marinho ao comando do Ministério do Desenvolvimento Regional abre caminho para o sepultamento de um sistema de distribuição de vouchers habitacionais. A medida estava em estudo na pasta.
Em seu lugar, deverá ser lançado um programa para oferecer moradias de baixo custo em regiões centrais de médias e grandes cidades. A ideia é atuar em pareceria com a iniciativa privada.
Batizado de Aproxima, o projeto não vai gerar custo direto ao Orçamento federal. A União, porém, vai ceder terrenos próprios sem uso para incorporadoras em áreas valorizadas de municípios com mais de 100 mil habitantes.
O governo pretende criar uma alternativa ao Minha Casa Minha Vida. O programa da era petista, com faixas subsidiadas, sofre com a falta de recursos públicos.
O novo modelo foi desenvolvido sob o guarda-chuva do ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele vinha se queixando da gestão do então ministro Gustavo Canuto, substituído por Marinho na quinta-feira (6).
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Segundo auxiliares da Economia, apesar de o governo enfrentar forte aperto fiscal, Canuto insistia em pedir mais dinheiro.
O modelo de vouchers começou a ser desenvolvido por Canuto com a Economia e outras pastas. Mas divergências entre as equipes fizeram com que ele seguisse sozinho com os planos. O programa demandaria injeção direta de recursos do Orçamento.
Em Marinho, Guedes tem um aliado de primeira ordem na pasta, o que deve destravar os planos. Marinho discute com assessores a formação da equipe e ainda não se aprofundou nos detalhes de cada programa da pasta.
Formulador do Aproxima, o secretário de Desenvolvimento de Infraestrutura do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, afirmou à Folha que o programa está formatado. Ele já entrou em contato com Marinho.
Mapeamento do governo detectou 300 terrenos. 
A proposta prevê a abertura de licitações para que essas áreas sejam entregues à iniciativa privada.
Vencerá a disputa a construtora que oferecer o maior número de moradias populares por empreendimento. A quantidade dessas unidade será definida em cada projeto.
De acordo com Mac Cord, o programa será direcionado a pessoas com rendimento familiar de 2 a 5 salários mínimos. Os beneficiários pagarão o imóvel em 20 anos, com parcelas de 20% da renda bruta.
O subsídio parcial será arcado pela própria incorporadora, sem ajuda do governo. As controladoras das obras vão compensar a despesa em outras áreas do empreendimento, com a obtenção de lucro.
O secretário explica que, respeitando o número mínimo de moradias direcionadas ao programa, a incorporadora terá liberdade para elaborar o projeto com outros tipos de moradia, pontos comerciais ou shoppings.
Segundo ele, o novo programa terá lógica inversa à do Minha Casa, que, muitas vezes, leva as famílias de baixa renda para complexos residenciais em áreas isoladas e sem infraestrutura urbana.
“Muitos terrenos da União estão sendo invadidos, desvalorizados. A gente vai trazer essa população que não conseguiria comprar um imóvel na região central, com acesso aos serviços públicos”, disse.
“No Minha Casa Minha Vida, você promove segregação social, isola as famílias.”
Para atrair as empresas, o governo federal vai negociar com as prefeituras a flexibilização de regras de construção na área. A intenção é que os imóveis possam ser maiores. As alterações dependem de aprovação de projetos de lei nas Câmaras Municipais.
Na indústria, a medida, desenhada dentro do plano nacional de habitação, não pode ser tratada como substituta ao Minha Casa. 
“Existem ações isoladas que podem ser entendidas como ações isoladas, e nada mais do que isso”, afirma José Carlos Martins, presidente da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção). 
“Não é com voucher ou entrega de terrenos públicos que vou resolver o problema de 7 milhões de moradias.”
Ele considera engessada a proposta do governo de conceder terrenos. “É um desperdício. Você pode construir, mas não necessariamente no mesmo lugar. Ou você pode construir em um terreno e revitalizar um prédio público. Não é preciso criar amarras”, diz Martins. 
Canuto propunha um voucher de cerca de R$ 60 mil para famílias com renda até R$ 1.200 investirem na compra, construção ou reforma do imóvel. O dinheiro seria entregue ao responsável pela obra, e não à família. A equipe econômica, contudo, teme que haja desvio de recursos.
Outro entrave é a falta de interesse dos bancos em operacionalizar o programa. Canuto havia sugerido descontar do valor do voucher os custos que a instituição financeira teria na operação.
Auxiliares de Guedes afirmam que o Aproxima foi concebido porque o governo não tem recurso para subsídios.
Esse é o caso da faixa 1 do Minha Casa, com até 90% de subsídio, e do sistema de vouchers, que demandaria verba federal. Enquanto o sistema de vouchers é visto com ressalvas por Guedes, o ministro defende o modelo na educação, dando liberdade aos pais para escolherem a escola que acharem melhor para o filho.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Luis Fernando Verissimo Teste OESP

Luis Fernando Verissimo, O Estado de S. Paulo
06 de fevereiro de 2020 | 03h00

Quanto mais se pensa na evocação do Goebbels feita pelo então secretário Roberto Alvim na apresentação dos seus planos para a cultura brasileira, mais estranha ela fica. A estranheza não teve a cobertura que merecia. O que foi aquilo, afinal? Existir, como a Cajuína do Caetano, a que será que se destinava? Foi ingenuidade do moço Alvim, que literalmente não sabia o que estava dizendo e confiou demais em maus conselheiros com más leituras? Mas as citações de Goebbels não foram as únicas alusões ao nazismo no pronunciamento do secretário. O próprio cenário despojado da sua fala, os adereços em cena, como o crucifixo medieval sobre a mesa, a posição do retrato do chefe na parede e da bandeira nacional num canto da tela, tudo era mensagem, e o primeiro exemplo da cultura “imperativa” que Alvim, se continuasse no cargo, nos imporia, sabe-se lá como. A música de fundo escolhida por Alvim para seu discurso foi a ópera de Richard Wagner preferida de Hitler, para ninguém ter dúvida que as referências ao Terceiro Reich foram deliberadas e não – como Alvim chegou a dizer depois de exonerado – coincidências urdidas pelo demônio. A música de fundo da ascensão triunfal do nazismo, da sua derrocada e das suas atrocidades, foi de Wagner, do começo ao fim.
Se o discurso do Alvim era mensagem, cabe recorrer ao Caetano e tentar descobrir a que, no caso a quem, se destinava. Uma tese: a apresentação dos planos para a Cultura seria uma espécie de balão de ensaio para saber qual seria a reação a uma manifestação francamente fascista dentro do governo, com Alvim sendo imolado como um bode no teste. Se ninguém se desse conta da adaptação do discurso de Goebbels pelo Alvim e a da escolha de Wagner para a trilha sonora, tudo bem. Alvim continuaria no posto, autorizado a fazer as loucuras que quisesse para transformar a arte brasileira de acordo com a vontade de Bolsonaro, e começariam as guerras culturais. Como Alvim foi descoberto, abortaram o plano e ele caiu. A mensagem explícita da encenação do Alvim era para a ala do governo que defende uma experienciazinha fascista. A mensagem do Alvim foi: ainda não é a hora, esperem mais um pouquinho. 

Os caminhos da energia, OESP

Guy Perelmuter*, O Estado de S.Paulo
06 de fevereiro de 2020 | 05h00

Manter a infraestrutura que nos atende em funcionamento permanente não é apenas necessário, mas crítico para nossa sobrevivência. Ruas, bairros, cidades, estados e países dependem de redes de comunicação de dados eficientes e robustas, que atendem serviços de utilidade pública como água, luz, esgoto, energia, transportes e telecomunicações e, ao mesmo tempo, servem como espinha dorsal para negócios nos setores financeiro, logístico, de manufatura e de serviços. Nosso destino está inexoravelmente conectado ao sucesso desse complexo emaranhado de sistemas operacionais, protocolos de comunicação, microprocessadores, sensores, dispositivos de armazenamento, bancos de dados, fios, cabos, baterias, geradores e linhas de transmissão.
Desde a eletrificação do mundo, que praticamente definiu a Segunda Revolução Industrial, assumimos que praticamente em qualquer lugar teremos energia elétrica à nossa disposição. De fato, segundo as Nações Unidas a quase totalidade dos cerca de 12% da população mundial ainda privados de eletricidade em 2016 viviam em áreas rurais, em particular nos países em desenvolvimento. Mais do que um insumo para nossos equipamentos, eletrodomésticos, máquinas e cidades, a geração de energia tornou-se uma dependência incontornável imposta por um mundo ancorado em vastas redes de comunicação de dados.
Em junho de 2016, pesquisadores da área de Tecnologias em Energia do Berkeley Lab – estabelecido em 1931 e operado pela Universidade da Califórnia em  nome do Departamento de Energia do governo dos Estados Unidos – publicaram um relatório sobre o uso de energia nos “data centers” daquele país. Os “centros de dados” são uma criação da nova ordem mundial, regida pela Informação. Os computadores que fazem parte de um data center podem pertencer a uma empresa ou podem servir a múltiplos usuários finais, e são a representação física do conceito da “nuvem de computação”: coleções gigantescas de máquinas, trabalhando 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano e literalmente fazendo a Internet funcionar. É muito provável que tudo ou quase tudo que você faça utilizando seu computador pessoal, seu smartphone, seu tablet ou seu televisor conectado utilize algumas das máquinas alojadas em data centers para atender seus comandos.
A estimativa da energia consumida pelos data centers norte-americanos – cerca de 70 bilhões de quilowatts-hora em 2014, segundo relatório da área de Tecnologias em Energia do Berkeley Lab, nos Estados Unidos – nos dá alguma ideia do custo energético que viabiliza nosso novo estilo de vida. Trata-se de aproximadamente 2% do consumo total de energia elétrica do país, ou 0,35% do consumo global. O número inclui os servidores, unidades de armazenamento de dados, equipamento de rede e infraestrutura, mas não considera os equipamentos que utilizamos em casa, nas indústrias, escritórios ou nas ruas.
De acordo com o relatório do Berkeley Lab, o consumo de eletricidade aumentou apenas cerca de 4% entre 2010-2014 (mesma taxa de crescimento esperada até o final de 2020), uma grande mudança em relação aos 24% do aumento estimado ocorrido para o período 2005-2010 e dos quase 90% do aumento estimado ocorrido entre 2000-2005. Este crescimento reduzido se deve, ainda segundo o relatório, principalmente pela redução no número de servidores utilizados, que cresce a modestos 3% ao ano. Os servidores são geralmente alocados a grandes data centers, otimizados para apresentarem altas taxas de utilização e uso eficiente de energia (apesar de mais potentes, os servidores necessitam de praticamente a mesma energia desde 2005). Outro vetor de consumo de energia importante, o aumento na capacidade dos dispositivos de armazenamento reduz a quantidade de drives físicos necessários.
A implementação de maneiras mais eficientes de manter a temperatura das máquinas sob controle também é alvo de ajustes: desde a escolha de localizações com ar mais frio para instalação de data centers, até o uso de Inteligência Artificial. Em 2016, a Google começou a utilizar o sistema DeepMind para simular ajustes nos sistemas de refrigeração de seus data centers, e desde agosto de 2018 começou a deixar o algoritmo realizar as mudanças de temperatura. Como estamos usando a tecnologia para endereçar questões criadas pela própria tecnologia é nosso tema para próxima coluna. Até lá.
*Fundador da GRIDS Capital e autor do livro Futuro Presente - o mundo movido à tecnologia, é Engenheiro de Computação e Mestre em Inteligência Artificial