Luis Fernando Verissimo, O Estado de S. Paulo
06 de fevereiro de 2020 | 03h00
Quanto mais se pensa na evocação do Goebbels feita pelo então secretário Roberto Alvim na apresentação dos seus planos para a cultura brasileira, mais estranha ela fica. A estranheza não teve a cobertura que merecia. O que foi aquilo, afinal? Existir, como a Cajuína do Caetano, a que será que se destinava? Foi ingenuidade do moço Alvim, que literalmente não sabia o que estava dizendo e confiou demais em maus conselheiros com más leituras? Mas as citações de Goebbels não foram as únicas alusões ao nazismo no pronunciamento do secretário. O próprio cenário despojado da sua fala, os adereços em cena, como o crucifixo medieval sobre a mesa, a posição do retrato do chefe na parede e da bandeira nacional num canto da tela, tudo era mensagem, e o primeiro exemplo da cultura “imperativa” que Alvim, se continuasse no cargo, nos imporia, sabe-se lá como. A música de fundo escolhida por Alvim para seu discurso foi a ópera de Richard Wagner preferida de Hitler, para ninguém ter dúvida que as referências ao Terceiro Reich foram deliberadas e não – como Alvim chegou a dizer depois de exonerado – coincidências urdidas pelo demônio. A música de fundo da ascensão triunfal do nazismo, da sua derrocada e das suas atrocidades, foi de Wagner, do começo ao fim.
Se o discurso do Alvim era mensagem, cabe recorrer ao Caetano e tentar descobrir a que, no caso a quem, se destinava. Uma tese: a apresentação dos planos para a Cultura seria uma espécie de balão de ensaio para saber qual seria a reação a uma manifestação francamente fascista dentro do governo, com Alvim sendo imolado como um bode no teste. Se ninguém se desse conta da adaptação do discurso de Goebbels pelo Alvim e a da escolha de Wagner para a trilha sonora, tudo bem. Alvim continuaria no posto, autorizado a fazer as loucuras que quisesse para transformar a arte brasileira de acordo com a vontade de Bolsonaro, e começariam as guerras culturais. Como Alvim foi descoberto, abortaram o plano e ele caiu. A mensagem explícita da encenação do Alvim era para a ala do governo que defende uma experienciazinha fascista. A mensagem do Alvim foi: ainda não é a hora, esperem mais um pouquinho.
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