terça-feira, 15 de outubro de 2019

Sexo, poder e dinheiro, FSP


Os programas do SBT são um refúgio para a turma da moral e dos bons costumes


A porta de entrada, geralmente, era um inocente episódio de “Chaves” reprisado pela milésima vez. Cedo ou tarde, a criança dos anos 1990 seria sugada para dentro daquele mundo que desafiava a lógica e o bom senso: a programação do SBT.
Uma banheira redonda se transformava em um ringue onde um convidado famoso se lançava em uma escorregadia batalha corporal contra uma modelo de biquíni, disposta a qualquer coisa para impedi-lo de resgatar sabonetes do fundo das águas espumosas.

Silvio Santos fazendo arminha com a mão e óculos escuros dizendo "haha-i má-oê"
Silvis/Folhapress
Os sabonetes só não eram mais importantes do que as partes íntimas que escapuliam das roupas de banho e a “mão boba” dos participantes —no caso, episódios de assédio sexual transmitidos ao vivo que arrancavam gargalhadas do apresentador.
A saga nonsense passava pelo Concurso da Gata Molhada, no qual mulheres de roupa branca sensualizavam embaixo de um chuveiro montado no palco; testes de paternidade que acabavam em trocas de insultos e agressões físicas; e o clássico Topa Tudo por Dinheiro, em que o dono da emissora
humilhava participantes e membros da plateia com provas estapafúrdias, pegadinhas e comentários preconceituosos.
Por sorte, a criança dos anos 1990 consegue escapar de tudo aquilo e se tornar um adulto funcional, com algum senso crítico. É quando ele descobre, pelos trending topics do Twitter, que A Fantástica Fábrica de Absurdos ainda opera a todo vapor.
Recentemente, um concurso de miss infantil exibiu meninas de dez anos desfilando de maiô, submetidas a uma votação que avaliava qual delas tinha o colo e as pernas mais bonitas.
A emissora chegou a exibir o telejornal estrangeiro Alarma TV, considerado um dos mais violentos do mundo, no horário matinal, antes de um programa infantil. Enquanto os espectadores mirins esperavam os desenhos animados, uma matéria acompanhava um procedimento médico no qual um brinquedo erótico era retirado do ânus de um paciente.
Os programas do SBT hoje são um alegre refúgio para a família Bolsonaro e a turma da família, da moral e dos bons costumes. No ápice da Vaza Jato, Sergio Moro foi reclamar da imprensa sensacionalista justo no Programa do Ratinho (o  mesmo Ratinho que recebeu R$ 268 mil para fazer merchan da reforma da Previdência).
Em um vídeo de 2016 que voltou a circular na internet, Silvio Santos cruza a linha mais uma vez quando pergunta a uma criança se ela prefere sexo, poder ou dinheiro. Um questionamento que deve assombrá-lo, já que ele parece gostar muito dos três.
Manuela Cantuária
Roteirista e escritora, faz parte da equipe do canal Porta dos Fundos

Relator vai propor redução de subsídio para painéis de energia solar a partir de 2020, OESP

Anne Warth, O Estado de S.Paulo
15 de outubro de 2019 | 09h00


O subsídio para instalação de painéis fotovoltaicos em residências será revisto no ano que vem, diz o diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Rodrigo Limp. Ele, que é relator do processo sobre geração distribuída no órgão regulador, deve apresentar sua proposta na reunião na terça-feira, dia 15.
Criada em 2012 para incentivar a instalação dos painéis, a norma atual confere redução de 80% a 90% nas contas de luz desses usuários. Para isso, basta ter espaço e dinheiro - um sistema residencial custa de R$ 15 mil a R$ 25 mil. Parte dessa economia é repassada para as tarifas de energia dos demais usuários que não fazem esse investimento, um benefício considerado "perverso" por alguns especialistas.
Energia solar
Ainda que gerem toda a energia que consomem, os 'prosumidores'  dependem das distribuidoras Foto: Chandan Khanna / AFP
A maior parte do subsídio é dada na taxa de uso da rede. Esses consumidores, também chamados de "prosumidores", têm acesso a um sistema de compensação: a energia que geram cria créditos, que são descontados do consumo efetivo. Nos sistemas remotos, é possível gerar energia em uma fazenda e usar os créditos no local e em um apartamento a quilômetros de distância, por exemplo.
Por mais que gerem toda a energia que consomem, os "prosumidores"  dependem das distribuidoras, cujas redes funcionam, na prática, como armazenadoras do volume gerado e não consumido. Para injetar a energia gerada pelos painéis de dia, é preciso utilizar a rede de postes e a fiação das empresas, assim como para receber eletricidade à noite.
O valor pago por esses consumidores às distribuidoras corresponde ao consumo líquido - ou seja, a diferença entre o que foi gerado e o que foi consumido. Quem gera mais do que consome paga às empresas apenas uma taxa de disponibilidade da rede, de cerca de R$ 50 mensais, valor menor do que a remuneração que deveria ser paga pelo uso das redes.
É justamente esse modelo de compensação que deve ser revisto, disse Limp ao Estadão/Broadcast. Ele destacou algumas de suas conclusões sobre a proposta, que ainda precisa passar por audiência pública antes de entrar em vigor. Se antes ele defendia a manutenção do modelo até o atingimento de alguns marcos ou gatilhos para a mudança da norma, hoje ele considera que é preciso corrigir, desde já, as distorções do sistema - principalmente na geração remota, de forma que não haja transferência de custos para os demais consumidores.
"De forma alguma queremos impedir o desenvolvimento da geração solar distribuída. Mas isso deve ocorrer de forma sustentável, sem naturalmente onerar aqueles consumidores que não possuem a micro e mini geração", disse ele.
O diretor respondeu a uma campanha realizada por empresários da geração distribuída, para os quais a Aneel quer "taxar o sol". "Isso não está correto. É preciso trazer equilíbrio no desenvolvimento, com alocação de custos para aqueles que utilizam a rede. A geração distribuída hoje acaba utilizando a rede e não está remunerando adequadamente a rede."
Limp admite que a nova proposta pode trazer dificuldades para a geração distribuída remota. "Para a geração local, mesmo com as propostas que estamos estudando, a geração distribuída continuará bem atrativa e crescendo de forma sustentável", disse. "A pergunta que temos que fazer é: vale a pena transferir os custos para os demais consumidores para manter a geração remota atrativa? A princípios entendemos que não, mas temos que discutir." 
Uma série de fatores levou a uma corrida por investimentos em painéis fotovoltaicos - inclusive a própria revisão da normal pela Aneel. Além do potencial de radiação solar, os preços dos equipamentos caíram, enquanto as tarifas de energia cobradas pelas distribuidoras subiram.
Para se ter uma ideia, em janeiro, quando a Aneel começou a discutir a proposta, eram 53 mil sistemas conectados e 661 megawatts de potência instalada. Nove meses depois, os números mais que dobraram: são 119 mil sistemas e 1,449 MW de potência instalada - o suficiente para atender 4 milhões de habitantes, como a população que vive em todo o Distrito Federal e no entorno. Quanto maior o número de usuários com painéis solares, maior a conta dos demais consumidores. 
De acordo com Limp, quem já fez o investimento terá uma regra de transição para a nova norma - inferior aos 25 anos inicialmente propostos. Segundo ele, o retorno dos investimentos em geração local se dá, em média, em 4,7 anos. "Consideramos alguns fatores: a vida útil dos equipamentos e a taxa de retorno. Talvez buscar uma ponderação entre esses fatores", disse.  

O Nobel do encanador, Pedro Fernando Nery*, O Estado de S.Paulo

O encanador é apontado pela ganhadora do prêmio Nobel de Economia como aquele que de fato instala o que é projetado pelo engenheiro, vê como está funcionando e ajusta para o uso

Pedro Fernando Nery*, O Estado de S.Paulo
15 de outubro de 2019 | 04h00
Ontem a franco-americana Esther Duflo se tornou a segunda mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Economia, fazendo história também por conquistá-lo mais cedo que qualquer outro. Esther tem somente 46 anos, e desbancou a marca anterior do gigante Kenneth Arrow (51). Seu trabalho é bem introduzido por sua visão: a de que o economista tem de ser mais parecido com um encanador.
“O economista como encanador” é literalmente o título de um artigo e de uma palestra seus que resumem sua pesquisa e a de outro agraciado com o Nobel ontem, o indiano Abhijit Banerjee (um terceiro vencedor foi o americano Michael Kremer). O economista precisaria ter a atenção ao detalhe que o encanador tem. Teria menos que se perguntar “o que fazer”, e mais “como fazer”.
No lugar das grandes ideias e narrativas, avaliações e dados. O encanador é apontado por Esther como aquele que de fato instala o que é projetado pelo engenheiro, vê como está funcionando e ajusta para o uso. O encanador é a vida real, o pragmatismo e o pé no chão.
Os trabalhos de Esther e Banerjee são predominantemente avaliações de políticas públicas, de combate à pobreza. Há a cuidadosa análise do que funciona e do que não funciona. É o encanador quem tem o olho para as engrenagens e as juntas, e que vai solucionar os problemas difíceis de antecipar, que só se apresentam quando a água é ligada. 
Esther Duflo e Abhijit Banerjee fizeram algo raro para economistas: fundaram um laboratório. É o J-LAB, um centro do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT) dedicado ao combate à pobreza informado por evidências científicas. 
A ênfase dos premiados não esteve imune a críticas: muitos consideram que a abordagem não consegue responder várias perguntas importantes, outros acham que o foco apequena a economia, que deveria ser área de ideias grandiosas.
Para estes, é de importância menor as perguntas que pesquisadores como Esther, Banerjee e Kremer se propõem a responder. Como incentivar os pais a vacinarem seus filhos? Qual a melhor forma de organizar alunos na sala de aula a fim de maximizar o aprendizado? Mosquiteiros contra a malária são mais usados quando comprados pelos pais ou dados de graça? Estes são alguns exemplos da linha premiada no Nobel (“abordagem experimental para aliviar a pobreza global”).
O Bolsa Família é talvez o melhor exemplo no Brasil de política de encanador: de ótima relação custo-efetividade, cautelosamente avaliado e aprimorado com atenção ao detalhe (no limite das restrições políticas). Marcos Lisboa é um exemplo de quem tem como bandeira o economista como encanador. 
Um exemplo da resistência é a que o próprio Lisboa enfrentava quando implantava o Bolsa Família. Pela ênfase na focalização, foi chamado de “débil mental” por Maria da Conceição Tavares, professora titular da Unicamp. Fica claro que a lógica do encanador rivaliza com a de um “plano nacional de desenvolvimento” (também conhecido como plano infalível do Cebolinha).
Na coluna da semana passada, tratamos do que seria a evolução natural do Bolsa Família: o benefício universal infantil, baseado em conjunto de dados sobre a cobertura do Bolsa e de outras políticas públicas, estudos sobre seus efeitos, e em aspectos práticos como o estigma da atual política. Isso é “como fazer”.
Esse é um exemplo da abordagem do encanador para política pública, com atenção para o detalhe. Um exemplo contrário, com atenção para a narrativa, típico do que temos chamado na coluna de lacroeconomia, é do Projeto de Lei 5.491. O novíssimo projeto do PSOL foi assim resumido por um assistente técnico do partido: “obriga o Estado a garantir desemprego involuntário ZERO”. Pela descrição formal, “institui o Fundo de Garantia do Emprego para assegurar o pleno emprego com estabilidade de preços e redução das desigualdades, bem como o desenvolvimento econômico, social e ambiental”. Isso é “o que fazer”, não “como fazer”.
No “como fazer”, o economista encanador vai achar vazamentos em leis, jurisprudência, trâmites orçamentários, realidade política, psicologia humana. E vai propor soluções.
Mas na política pública no Brasil ainda detestamos o “como fazer”. Gritamos nenhum direito a menos quando confrontados com um Estado que gasta R$ 1 trilhão por ano com Previdência em um país jovem. Achamos linda uma legislação trabalhista que multidões de trabalhadores miseráveis não consegue acessar. Preterimos na educação a fase da vida de maior neuroplasticidade, a primeira infância, mas brilhamos os olhos quando gastamos bilhões em um futurista acelerador de partículas entre Itu e Jaguariúna. Em vez de incentivar uma prática orçamentária que obrigue a confrontação de privilégios, preferimos gastar sem teto. Mais Esther, por favor.
*DOUTOR EM ECONOMIA E CONSULTOR LEGISLATIVO