quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Uma boa notícia: Elizabeth Warren, Elio Gaspari, FSP

Nunca um grande partido dos EUA teve candidato tão crítico dos privilégios e das mumunhas do andar de cima

Elizabeth Warren poderá ser a candidata do Partido Democrata à Presidência dos Estados Unidos. Numa pesquisa que mediu as preferências dos eleitores da primeira prévia do ano que vem, ela bateu o ex-vice-presidente Joseph Biden. Em sete outras, em seis ela derrota Donald Trump e numa empata. "Ele é essencialmente corrupto", diz.
A candidatura da senadora pelo Massachusetts tem uma luminosa originalidade. É mulher, mas nada deve ao marido. Chegou ao Senado sem jamais ter disputado uma eleição, catapultada pela ferocidade com que denunciou os privilégios e as maracutaias da banca.
Elizabeth Warren, pré-candidata democrata à Presidência dos EUA, fala em evento no estado de Iowa no último dia 21
Elizabeth Warren, pré-candidata democrata à Presidência dos EUA, fala em evento no estado de Iowa no último dia 21 - Scott Olson/AFP
Para Wall Street ela é uma bruxa perfeita e acabada. Conhece Washington com o olhar do andar de baixo porque esteve numa comissão da Câmara e criou a Agência de Proteção Financeira do Consumidor.
Sua bandeira era simples: se você compra uma torradeira e ela bota fogo na sua cozinha, existem agências do governo a quem você pode se queixar. Se você compra uma casa e vai à bancarrota, não tem para quem reclamar. Estudando a lei das falências pelo lado dos fracos, acabou tornando-se professora da Universidade Harvard.
Para chegar à Casa Branca, a senadora Warren precisa criar uma onda semelhante à que elegeu Barack Obama em 2008, e isso pode acontecer. Em 2007, um ano antes da eleição, Hillary Clinton batia Obama por 40 a 28. Deu no que deu.
Na semana passada Warren discursou por quase uma hora (mais quatro de selfies) na Union Square, em Nova York. Se em 2008 Obama foi à ponte de Selma, onde em 1965 a polícia botou cachorros em cima dos negros, ela foi mais contundente e atual.
Lembrou que na tarde do dia 25 de março de 1911, uma senhora tomava chá naquela praça, quando a poucos quarteirões dali pegou fogo o prédio onde centenas de mulheres trabalhavam numa confecção. 
As portas para as escadas estavam fechadas e 146 pessoas morreram queimadas, algumas atiraram-se das janelas. A mulher que tomava chá e viu as cenas chamava-se Frances Perkins. Ela se tornou a campeã da reforma das relações trabalhistas nos Estados Unidos. Em 1933 o presidente Franklin Roosevelt nomeou-a secretária do Trabalho e, sempre de chapéu, ficou no cargo até 1945.
Perkins morreu em 1965, aos 84 anos, sem patrimônio, enxergando mal e ouvindo pouco. Nessa época, Elizabeth Warren era uma adolescente que vivia no Oklahoma, numa família de classe média estruturada e arruinada. Seu pai tornara-se zelador de um edifício e a mãe foi trabalhar numa loja. Ela era garçonete 
e costurava para as tias.
Elizabeth conseguiu uma bolsa de estudos para cursar a faculdade e foi a primeira de sua família a conseguir um diploma de curso superior, de fonoaudióloga. Só mais tarde tornou-se advogada.
A presença de Elizabeth Warren na disputa pela Presidência dos Estados Unidos será uma lufada de inteligência num tempo de debates com personagens medíocres. Mais que isso: nunca um grande partido americano teve candidato tão crítico dos privilégios e das mumunhas do andar de cima. Em 2012 ela arrecadou US$ 42 milhões na sua campanha para o Senado —80% das doações foram de até US$ 50.
Serviço: A autobiografia de Warren —“Uma Chance de Lutar”— está nas livrarias. Lá se aprende muito, inclusive que ela nunca pensou que viraria loura e que se apaixonou pelo marido porque ele tinha bonitas pernas.
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

Equação difícil, Delfim FSP

93% do Orçamento é regulado por decisões derivadas da Constituição de 1988

O grande dilema nacional é como chegamos ao Orçamento proposto para 2020, no qual Executivo e Legislativo controlam, juntos, apenas 7% dos gastos totais. Os outros 93% são regulados por decisões tomadas ou derivadas das prescrições dos oniscientes constituintes de 1988, entre os quais, confesso, estive cego. Convencidos de que conheciam o "futuro" (coisa fácil para quem acreditava que "leis governavam a história"), decidiram impor aos futuros governantes o seu caminho para atingi-lo. Indexaram, para todo o sempre, algumas despesas públicas como percentagem da receita total.
Tais "iluminados", produtos do maior estelionato eleitoral que a história pátria conheceu, negavam-se a reconhecer a crítica de alguns "fascistas reacionários" que advertiam que o desconhecido crescimento endógeno das despesas que estavam maquinando poderia conter, em si, um formidável desastre fiscal. O caminho para a desintegração fiscal seria lento, mas incontornável, a não ser que algum mecanismo impedisse o aumento endógeno das despesas.
Não há nenhuma novidade. A solução é trivial: cortar gastos, com o que todos concordam, desde que sejam os do vizinho! Quando perguntaram ao gigante Einstein qual a equação mais difícil que teve de resolver na vida, ele respondeu prontamente: a dos juros compostos! Pois ela é o retrato perfeito do crescimento endógeno...
A atração do canto da sereia do "populismo" gastador só pode ser vencida se cada cidadão aceitar que os limites físicos são finitos e que o aumento do seu "bem-estar" (aumento do PIB com redução das desigualdades) exige uma sofisticada acomodação política que reconheça um fato: o que se "consome" e o que se "poupa" hoje é que determina o "consumo possível" de amanhã. Parecia que, lentamente, as instituições públicas haviam introjetado a mensagem de que não há solução sem a redução do gasto público. Ledo engano.
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Charge em alusão à fala do procurador de Minas Gerais Leonardo Azeredo dos Santos, que ganha R$ 24 mil e reclamou desse 'miserê' - Claudio Mor/Folhapress
Na última semana, o país assistiu, decepcionado, a um vigoroso aumento da insensibilidade do Congresso para reduzir gastos (o abuso em matéria eleitoral); do Judiciário (penduricalhos cada vez mais sofisticados para enganar a sociedade); do "miserê" do Ministério Público e, afinal, do Executivo (o aumento para as Forças Armadas). Uma assustadora avalanche de aumento dos gastos públicos!
É essa a equação que o ministro Guedes terá de enfrentar e resolver com inteligência e equidade. Não seremos uma sociedade civilizada se procurarmos a saída cômoda e fácil para um problema complexo que mexe com o bem-estar de todos.
 
Antonio Delfim Netto
Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

Com preço alto, consumidor começa a trocar gás encanado por botijão, FSP


Disparada acontece em meio a esforços do governo para tentar reduzir valor do insumo


Nicola Pamplona
RIO DE JANEIRO
Depois de mais de dez anos usando gás encanado para alimentar os fogões de seu restaurante em Campinas, o empresário Alexandre Rodrigues Gomes decidiu migrar de volta para o gás de botijão. “Faz tempo que estamos pagando caro e chega uma hora que tem que apertar o cinto”, afirma.
Ele conta que sua conta na Comgás girava em torno de R$ 20 mil a R$ 22 mil por mês. Com a instalação de grandes botijões de gás de cozinha, vai economizar entre R$ 7.000 e R$ 8.000. “É uma diferença gritante”, comenta.
A decisão do empresário mostra que clientes comerciais e residenciais já vêm sentindo na pele problema enfrentado também pela indústria: com o aumento das cotações internacionais do petróleo e a desvalorização cambial, o preço do gás natural disparou no país.

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“O custo-benefício hoje do GLP [gás liquefeito de petróleo, o nome do gás de cozinha] é muito melhor do que o do gás natural”, diz Francisco França, que administra um hotel em São Paulo e já trocou de combustível, com economia estimada em 60%.

Disparada do gás acontece em meio a esforços do governo para tentar reduzir valor do insumo - Reinaldo Canato - 9.nov.2012/Folhapress
O problema não está restrito a São Paulo: de acordo com dados do MME (Ministério de Minas e Energia), entre junho de 2018 e junho de 2019, o preço do gás entregue a distribuidoras subiu, em média no país, quase 30%.O preço do gás natural vendido pela Petrobras acompanha a variação das cotações internacionais de óleos combustíveis e a taxa de câmbio.
É ajustado a cada três meses, de acordo com a evolução dos indicadores em trimestres anteriores.
A alta em 2019 tem forte impacto da escalada do dólar a partir do período eleitoral, quando a moeda norte-americana chegou a bater a casa dos R$ 4,10.
Considerando que a cotação atual continua em torno desse patamar, a expectativa do mercado é que o gás continue caro.
Em São Paulo, o baque foi maior em 2019, já que os contratos de concessão preveem reajustes anuais —há estados em que os repasses são trimestrais. Por ter prazo mais longo, o contrato paulista tem um gatilho que pode disparar reajustes extraordinários quando o preço do insumo subir muito durante o ano.
O gatilho foi disparado em fevereiro. Em maio, durante a revisão anual, a Arsesp (Agência Reguladora de Saneamento e Energia de São Paulo) autorizou novo aumento. 
Em um ano, a tarifa de gás para residências na área da Comgás com consumo entre 34 e 600 metros cúbicos subiu 43%. Para clientes comerciais com consumo entre 500 e 2.000 metros cúbicos, a alta foi de 29%.
Insatisfeitos, consumidores inundam a página do Facebook da companhia de reclamações. A empresa afirma, por meio de sua assessoria de imprensa, que os ajustes têm por objetivo repassar aumento de custos do insumo e podem ser para baixo, como em 2016, quando o petróleo e o dólar caíram.
Já a Arsesp alega que parte do aumento na conta de gás reflete também elevação no consumo durante o inverno, com uso maior de água quente no chuveiro.
“As tarifas de gás natural da Comgás são atualizadas conforme contrato de concessão”, afirma a agência.
A Petrobras não divulga os preços de venda por distribuidora.
Em seus balanços trimestrais, porém, a empresa mostra que o valor de venda do gás natural no Brasil atingiu este ano o maior valor desde 2014, quando também houve pressão da disparada do dólar na eleição do ano anterior.
No segundo trimestre de 2019, a empresa vendia o combustível ao preço médio de US$ 47,97 por barril (a companhia não usa metros cúbicos em seu balanço), alta de 19,8% em um ano e de 60% com relação ao segundo trimestre de 2016, quando o preço atingiu seu menor patamar desde o pico de 2014.
A empresa diz que a fórmula de reajuste de preços é “prática internacional consagrada” e que aumentos na tarifa de distribuidoras podem refletir também outros custos além do gás.
Apesar dos esforços do governo para reduzir o preço, negociações para renovar os contratos de fornecimento de distribuidoras do Sul e do Nordeste mostram que a competição ainda não virá no curto prazo: segundo fontes, a Petrobras é, por enquanto, a única ofertante, com preços maiores do que os atuais, diante da dificuldade de outros fornecedores para acessar a malha de gasodutos.