domingo, 15 de setembro de 2019

PT se aproxima de PSOL, mas frente de esquerda para 2020 ainda patina, FSP

Fábio Zanini
SÃO PAULO
A um ano da eleição municipal, as legendas de esquerda se preparam para tentar evitar uma segunda onda conservadora do tamanho da que surpreendeu o mundo político em 2018.
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O deputado federal Marcelo Freixo, do PSOL, que deve ter apoio do PT para disputar a Prefeitura do Rio - Filipe Cordon - 10.mai.2019/Folhapress
Tradicionalmente acusado de não abrir mão de sua hegemonia no campo progressista, o PT promete que desta vez vai ceder espaço a nomes de outros partidos em cidades importantes. Mas os potenciais aliados ainda se mostram céticos.
Curiosamente, a aproximação mais intensa ocorre com o PSOL, uma dissidência petista. Em ao menos três capitais, psolistas devem liderar coligações com apoio do PT: Rio de Janeiro, com Marcelo Freixo, Belém, com Edmilson Rodrigues, e Florianópolis, com Elson Pereira.
"A gente surgiu como oposição ao governo Lula, mas isso já faz 15 anos. Agora somos todos oposição a Bolsonaro", diz Juliano Medeiros, presidente nacional do PSOL. O apoio petista pode se repetir em outras cidades importantes, como Santo André (SP) e Sorocaba (SP). 
"Temos uma relação boa com o PSOL, até porque muitos deles nos conhecem, são ex-petistas", afirma a ex-senadora Ideli Salvatti. 
Ex-responsável pela articulação política no governo Dilma Rousseff, ela faz parte de um conselho político que o PT montou para auxiliar a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, a elaborar a estratégia eleitoral, fazer diagnósticos e mapear aliados.
Compõem também a instância as ex-ministras Miriam Belchior (Planejamento) e Márcia Lopes (Desenvolvimento Social), o deputado federal José Guimarães (CE) e o ex-assessor da Casa Civil Vicente Trevas, além de ex-prefeitos em diversos estados.
"No momento existe uma forte tendência a buscar construir frentes. Em alguns lugares, isso está relativamente avançado. Mas ainda estamos na fase de ouvir os aliados", afirma Ideli.
Outra capital importante em que o PT pode apoiar um aliado é Porto Alegre, onde Manuela D'Ávila deve ser candidata pelo PC do B.
Em São Paulo, um cenário de união da esquerda no momento parece mais distante. O PT não tem candidato forte, uma vez que o ex-prefeito Fernando Haddad descarta concorrer.
À Folha Haddad disse que até 2022 quer se dedicar a fortalecer a Fundação Perseu Abramo, centro de discussão partidária, e transformá-lo numa espécie de think tank. "Pretendo chamar economistas, sociólogos, educadores e especialistas de diversas áreas para criar uma antessala de discussão programática para o partido", diz.
Mesmo com o ex-prefeito fora do páreo, o PT insiste em encabeçar chapa numa cidade que já governou três vezes.
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José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça e preferido de Lula, também resiste a disputar, deixando o campo aberto para possíveis candidaturas vistas como menos competitivas, como as dos deputados Carlos Zarattini e Paulo Teixeira, do ex-deputado Jilmar Tatto e do vereador Eduardo Suplicy.
O PSB lançará o ex-governador Márcio França, o PC do B apresentou o deputado federal Orlando Silva, e o PSOL pode lançar a deputada Sâmia Bomfim.
"A eleição será muito pautada pela polarização nacional, sobretudo nos grandes centros. Temos que construir um campo democrático de diálogo, até maior que a esquerda. Unir a esquerda é pouco", diz Orlando Silva. 
Ele defende, contudo, que uma aliança da esquerda na maior cidade do país ocorra no segundo turno e aponta as novas regras eleitorais como um estímulo para que seu partido lance o maior número possível de candidatos a prefeito.
Uma regra aprovada em 2017 e que vale a partir de 2020 veda a celebração de coligações nas eleições ao Legislativo.
"O fim das coligações proporcionais vai estimular a pulverização das candidaturas a prefeito", aposta.
Historicamente, o PC do B sempre elegeu vereadores em chapas com o PT, possibilidade que agora não existirá mais, obrigando a legenda comunista a caminhar pelas próprias pernas. Por isso, diz Silva, ter candidato próprio para prefeito passa a ser questão de sobrevivência.
No PSB, a possibilidade de aliança com outros partidos de esquerda é vista como algo pontual, não como uma regra geral.

"Pode acontecer em alguns lugares, mas não vejo como isso poderia ser uma coisa orgânica", diz o deputado federal Julio Delgado (MG), que almeja disputar a Prefeitura de Belo Horizonte pelo partido. Ele diz não ter muita esperança de contar com o apoio de PT e PSOL.
Além da dificuldade de uma frente em São Paulo, o PSB também deve lançar nome próprio no Rio de Janeiro, o deputado federal Alessandro Molon, e assim não aderir à aliança em torno de Freixo.
A ameaça representada por Bolsonaro, segundo Delgado, ainda existirá, mas sem a mesma força de antes. "Nossa avaliação é que Bolsonaro não chegará no ano que vem com a força de 2018. Mas ele ainda tem um terço do eleitorado, é muita coisa", afirma.
No caso do PDT, as conversas com o PT ainda são contaminadas pelo mal-estar entre os partidos deixado pela eleição presidencial, quando Ciro Gomes deu apenas apoio protocolar a Fernando Haddad no segundo turno.
"Creio que as alianças com o PT serão pontuais", diz o líder pedetista na Câmara, André Figueiredo (CE). Um gesto positivo para uma aliança entre as legendas seria o PT dar apoio à legenda em Fortaleza, cidade que o PDT administra. Mas os petistas devem lançar candidatura própria.

AS ALIANÇAS DA ESQUERDA PARA 2022

> Onde o PT deve apoiar candidatos de outros partidos
Rio de Janeiro  Marcelo Freixo (PSOL)
Belém  Edmilson Rodrigues (PSOL)
Florianópolis  Elson Pereira (PSOL)
Porto Alegre  Manuela D'Ávila (PC do B)
> Em São Paulo, a esquerda está dividida
PSB   Deve lançar Márcio França
PSOL   Deve lançar Sâmia Bomfim
PC do B  Deve lançar Orlando Silva
PT  Ainda não definiu um possível candidato; estão no páreo nomes como Carlos Zarattini, Paulo Teixeira, Jilmar Tatto, Eduardo Suplicy e Nabil Bonduki

Pinhão é a próxima vítima da crise do clima, Marcelo Leite, FSP

Estudo britânico indica que araucárias podem desaparecer até o ano 2070

Qual é a sua árvore preferida? Meu coração oscila entre os ipês (gênero Tabebuia) e as araucárias (Araucaria angustifolia), também chamadas de pinheiro-do-paraná. Na época do pinhão, porém, a dúvida desaparece.
Foi com alarme, portanto, que soube por Luís Fernando Tófoli do estudo de Oliver Wilson, da Universidade de Reading (Reino Unido), apontando o ano 2070 como prazo para a extinção das araucárias. Mais precisamente, para sua sobrevivência em poucos refúgios --isso se houver proteção adequada.
Poucos prazeres se comparam com caminhar numa trilha serrana do Sul e do Sudeste do Brasil e catar pinhões dispersos pelo chão úmido, recém-caídos da bola de 15-20 cm (pinha) que estoura com o calor do sol. Melhor que isso, só mesmo saborear uma farofa de pinhão fresco (receita no final do texto).
Pequenos roedores e pássaros se alimentam dos pinhões e ajudam a espalhar as sementes que darão origem a novas araucárias
Pequenos roedores e pássaros se alimentam dos pinhões e ajudam a espalhar as sementes que darão origem a novas araucárias - Vitor Pamplona / Flickr
Não faltam motivos para reverenciar araucárias. O porte imponente das árvores e o formato incomum de candelabro enfeitam algumas das paisagens mais bonitas do sul do Brasil. Pequenos roedores, como os serelepes, e pássaros, como a gralha-azul, se alimentam dos pinhões e ajudam a dispersar as sementes.
As araucárias estão por aí há 28 milhões de anos, um tipo de fóssil vivo. Como escreveu Wilson num artigo, se esse período fosse comparado a um dia de 24 horas, as Américas do Norte e do Sul só se uniriam às 21h30, e a espécie humana surgiria às 23h45.
Pinhões compunham parte crucial da dieta e dos rituais dos caingangues, que um dia vicejaram ao sul do rio Tietê, até as terras gaúchas. A rápida expansão das araucárias pela região, a partir do ano 1000, pode ter resultado do manejo da espécie por esses índios do grupo linguístico Jê.
Ainda hoje o pinhão tem papel de destaque na cultura e na culinária, como sabe quem já foi a uma festa junina em São Paulo. Em Santa Catarina, come-se o delicioso entrevero serrano. Estima-se que a produção comercial seja da ordem de 10 mil toneladas por ano, com valor de mais de R$ 20 milhões.
As araucárias gostam de frio e umidade, por isso só ocorrem nas áreas de mata atlântica mista das serras e suas grotas e nos campos de altitude, como em Campos do Jordão (SP) e São Joaquim (SC). Com o aquecimento paulatino da atmosfera em virtude da mudança do clima, seu habitat tende a desaparecer.
Área de mata atlântica na serra da Cantareira na zona norte de São Paulo. Entre suas diversidades de especies se pode observar diversas araucárias
Área de mata atlântica na serra da Cantareira na zona norte de São Paulo. Entre suas diversidades de especies se pode observar diversas araucárias - Eduardo Knapp/Folhapress
Habitat, aliás, que já perdeu para o desmatamento mais de 90% da superfície original, sobretudo pela extração da boa madeira do pinheiro entre 1870 e 1970. A espécie figura como ameaçada de extinção na lista do Ibama.
Wilson e seus colegas de Reading e do Brasil usaram várias simulações de computador para predizer que as áreas favoráveis remanescentes deverão encolher a quase zero nos próximos 50 anos.
Com ajuda de mapas topográficos, identificaram setores em que o sombreamento e a proximidade de cursos d'água devem criar condições locais, ou microclimas, para que sobrevivam. O galho é que só 2,5% desses refúgios se encontram protegidos como unidades de conservação (UCs).
Eis aí um bom motivo para criar novas UCs --salvar as araucárias. Mas ninguém acredita nisso em tempos de hegemonia rural-bolsonarista.
Agora, a receita prometida. Corte e jogue fora as pontas dos pinhões. Cozinhe-os na panela de pressão por 30 minutos, com sal. Deixe esfriar e descasque. Passe os grãos na parte do ralador que produz fios; há quem prefira transformar em pó, com ajuda de um processador.
Frite cebola picada e cubinhos de bacon na manteiga. Junte o pinhão ralado. Ponha mais manteiga, tempere com sal e mantenha no fogo até a farofa dourar. Vai bem com carne de porco, arroz e feijão.
Marcelo Leite
Jornalista especializado em ciência e ambiente, autor de “Ciência - Use com Cuidado”.