Estudo britânico indica que araucárias podem desaparecer até o ano 2070
Qual é a sua árvore preferida? Meu coração oscila entre os ipês (gênero Tabebuia) e as araucárias (Araucaria angustifolia), também chamadas de pinheiro-do-paraná. Na época do pinhão, porém, a dúvida desaparece.
Foi com alarme, portanto, que soube por Luís Fernando Tófoli do estudo de Oliver Wilson, da Universidade de Reading (Reino Unido), apontando o ano 2070 como prazo para a extinção das araucárias. Mais precisamente, para sua sobrevivência em poucos refúgios --isso se houver proteção adequada.
Poucos prazeres se comparam com caminhar numa trilha serrana do Sul e do Sudeste do Brasil e catar pinhões dispersos pelo chão úmido, recém-caídos da bola de 15-20 cm (pinha) que estoura com o calor do sol. Melhor que isso, só mesmo saborear uma farofa de pinhão fresco (receita no final do texto).
Não faltam motivos para reverenciar araucárias. O porte imponente das árvores e o formato incomum de candelabro enfeitam algumas das paisagens mais bonitas do sul do Brasil. Pequenos roedores, como os serelepes, e pássaros, como a gralha-azul, se alimentam dos pinhões e ajudam a dispersar as sementes.
As araucárias estão por aí há 28 milhões de anos, um tipo de fóssil vivo. Como escreveu Wilson num artigo, se esse período fosse comparado a um dia de 24 horas, as Américas do Norte e do Sul só se uniriam às 21h30, e a espécie humana surgiria às 23h45.
Pinhões compunham parte crucial da dieta e dos rituais dos caingangues, que um dia vicejaram ao sul do rio Tietê, até as terras gaúchas. A rápida expansão das araucárias pela região, a partir do ano 1000, pode ter resultado do manejo da espécie por esses índios do grupo linguístico Jê.
Ainda hoje o pinhão tem papel de destaque na cultura e na culinária, como sabe quem já foi a uma festa junina em São Paulo. Em Santa Catarina, come-se o delicioso entrevero serrano. Estima-se que a produção comercial seja da ordem de 10 mil toneladas por ano, com valor de mais de R$ 20 milhões.
As araucárias gostam de frio e umidade, por isso só ocorrem nas áreas de mata atlântica mista das serras e suas grotas e nos campos de altitude, como em Campos do Jordão (SP) e São Joaquim (SC). Com o aquecimento paulatino da atmosfera em virtude da mudança do clima, seu habitat tende a desaparecer.
Habitat, aliás, que já perdeu para o desmatamento mais de 90% da superfície original, sobretudo pela extração da boa madeira do pinheiro entre 1870 e 1970. A espécie figura como ameaçada de extinção na lista do Ibama.
Wilson e seus colegas de Reading e do Brasil usaram várias simulações de computador para predizer que as áreas favoráveis remanescentes deverão encolher a quase zero nos próximos 50 anos.
Com ajuda de mapas topográficos, identificaram setores em que o sombreamento e a proximidade de cursos d'água devem criar condições locais, ou microclimas, para que sobrevivam. O galho é que só 2,5% desses refúgios se encontram protegidos como unidades de conservação (UCs).
Eis aí um bom motivo para criar novas UCs --salvar as araucárias. Mas ninguém acredita nisso em tempos de hegemonia rural-bolsonarista.
Agora, a receita prometida. Corte e jogue fora as pontas dos pinhões. Cozinhe-os na panela de pressão por 30 minutos, com sal. Deixe esfriar e descasque. Passe os grãos na parte do ralador que produz fios; há quem prefira transformar em pó, com ajuda de um processador.
Frite cebola picada e cubinhos de bacon na manteiga. Junte o pinhão ralado. Ponha mais manteiga, tempere com sal e mantenha no fogo até a farofa dourar. Vai bem com carne de porco, arroz e feijão.
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