sábado, 1 de junho de 2019

As universidades públicas deveriam cobrar mensalidade dos alunos mais ricos? NÃO, FSP

Marcelo Knobel
Além de formar profissionais nas mais diversas áreas, as universidades públicas brasileiras têm um diferencial: respondem por 95% da pesquisa científica realizada no país. Pesquisa científica é essencial para gerar inovação, impulsionar o crescimento econômico e resolver questões críticas do nosso desenvolvimento. E aqui, como em outros países, a atividade de pesquisa é financiada com verbas públicas.

Em nenhuma parte do mundo a cobrança de mensalidades representa recurso significativo para universidades de pesquisa. No Massachussets Institute of Technology (MIT), por exemplo, as anuidades equivalem a cerca de 10% do orçamento da instituição. Esse percentual é similar em outras universidades de pesquisa do mundo, públicas ou privadas.

O financiamento das universidades públicas é um problema complexo, para o qual a cobrança de mensalidades está longe de ser uma solução, sequer parcial. Na verdade, a adoção de tal medida poderia gerar problemas adicionais, contaminando instituições públicas com a lógica mercantilista mais primária. Carreiras em alta no mercado de trabalho —que, em princípio, poderiam render mensalidades mais polpudas— tenderiam a ser priorizadas em detrimento de áreas igualmente fundamentais para o desenvolvimento intelectual, tecnológico e cultural do país.

Ademais, não é verdade que nas universidades públicas predominam alunos com condições de pagar por seus estudos. Na Unicamp, por exemplo, 68% dos alunos que ingressaram na graduação neste ano integram famílias com renda de até dois salários mínimos per capita. Jovens com esse perfil dificilmente seriam capazes de arcar com o custo de uma mensalidade, à qual se somariam ainda gastos com transporte, alimentação e moradia.
Supor que a pesquisa, a extensão e a assistência nas áreas de saúde realizadas nas universidades devam ser subvencionadas pela cobrança de mensalidades, além de ser um erro grosseiro de cálculo e uma prova de desconhecimento da composição do orçamento das instituições, é, ao mesmo tempo, um incentivo à elitização, à divisão dos estudantes em duas classes (os que podem pagar e os que não podem) e à exclusão de uma parcela significativa da população brasileira do melhor ensino e formação que o país tem a oferecer.

Outro argumento correlato à defesa da cobrança, e confusamente associado à crítica da gratuidade, é o de que as universidades públicas deveriam buscar mais recursos fora do seu orçamento. Também esse é promovido pelo desconhecimento de que as universidades já se dedicam à captação externa. Citando novamente a Unicamp, vale ressaltar que os recursos extraorçamentários captados pela instituição já equivalem a cerca de 30% do repasse estatal, percentual comparável aos melhores índices mundiais.

As universidades públicas brasileiras são bens públicos construídos com recursos da sociedade à custa de muito esforço coletivo. Constituem um dos poucos exemplos de sucesso na educação brasileira, com amplo reconhecimento internacional, justamente por serem produtivas, inclusivas, gratuitas e bem conduzidas, atendendo de forma responsável às demandas que recebem da sociedade.

Que elas precisam aprimorar sua governança e gestão, e enfrentar dificuldades de financiamento decorrentes da crise econômica sem precedentes, é certo. Errado é propor soluções simplistas, demagógicas e sem fundamento nos fatos, que podem pôr a perder também esse patrimônio nacional.
Marcelo Knobel
Reitor da Unicamp e presidente do Cruesp (Conselho de Reitores das Universidades do Estado de São Paulo)

As universidades públicas deveriam cobrar mensalidade dos alunos mais ricos? SIM, FSP

Sergio Firpo
O quadro fiscal brasileiro é grave e torna premente fazer com que as despesas do governo sejam direcionadas para financiar políticas públicas que gerem maior impacto social e que reduzam as desigualdades.

As universidades públicas brasileiras refletem o setor público: gastos que crescem, sobretudo com pessoal, numa velocidade maior do que a das receitas. A restrição orçamentária tem imposto contingenciamentos ou cortes inesperados, os quais podem comprometer decisivamente o funcionamento de laboratórios e o andamento das pesquisas nas universidades públicas, responsáveis pela maior parte da produção científica brasileira.

O quadro fiscal ameaça a excelência das universidades públicas brasileiras. Nesse cenário, questiona-se se não seria o caso de se cobrar mensalidades dos alunos nessas universidades, tal como é feito em diversos outros países. Há aqui, ao menos, três perguntas a serem postas. 

A primeira é o inverso da original: por que o ensino superior público deveria ser gratuito como é hoje? As famílias estão dispostas a pagar pelo ensino superior, e a expansão do setor privado nos últimos 20 anos atesta isso. Elas pagam, pois percebem que o retorno esperado paga o investimento feito, sobretudo na formação para o exercício de atividades profissionais bem remuneradas. Há certamente ocupações não tão bem pagas, mas socialmente valorizadas. Para essas, a sociedade pode querer oferecer subsídios para a formação de profissionais. Esses subsídios deveriam ser explícitos, contextualizados e variar ao longo do tempo e geograficamente. De maneira geral, não parece haver motivos baseados em eficiência econômica para a gratuidade universal no ensino superior.
A segunda pergunta é: quais são os alunos das universidades públicas? Há quase 20 anos, essa resposta seria: jovens brancos vindos do ensino médio privado cujos pais tinham alta escolaridade e renda. Por exemplo: em 2002, a probabilidade de um jovem de 17 a 24 anos vindo de uma família entre as 10% mais ricas ser aluno de uma universidade pública era pelo menos 15 vezes maior do que a de um jovem de mesma idade vindo de uma família entre as 10% mais pobres. Esses números mudaram e, em 2015, por exemplo, essa razão caiu de 15 para 4,5. Entre os fatores que explicam o aumento do acesso às universidades públicas pelos mais pobres estão o crescimento da renda das famílias mais pobres, as cotas e o aumento no número de jovens com ensino médio. Contudo, a despeito dos enormes avanços, os mais pobres da população permanecem sub-representados e, os mais ricos, sobrerrepresentados na universidade pública.

A terceira pergunta é: ainda que fosse desejável, pelos argumentos econômicos de eficiência e equidade, o custo operacional de se avaliar capacidade de pagamento compensa o esforço? Aqui vale lembrar que o escrutínio da capacidade de pagamento tem sido feito sistematicamente nos programas existentes do governo federal voltados para o ensino superior privado, como Fies e Prouni. A mesma tecnologia poderia ser aplicada para as universidades públicas, diluindo os custos de verificação de elegibilidade.

A situação fiscal nos força a refletir sobre como usamos recursos governamentais. A cobrança de mensalidade nas universidades públicas para alunos que podem pagar parece ser uma política que aumenta eficiência econômica, promove equidade e reduz as necessidades de financiamento público nas universidades.