segunda-feira, 29 de abril de 2019

Bolsonaro gravou vídeo após ser cobrado por líderes evangélicos sobre fala de secretário, FSP

Talita Fernandes
BRASÍLIA
Eleito com grande apoio da bancada evangélica, o presidente Jair Bolsonaro gravou um vídeo negando que seu governo cobrará impostos das igrejas após ser questionado por líderes do grupo na manhã desta segunda-feira (29).
Bolsonaro recebeu ligações de representantes da bancada após o Secretário da Receita, Marcos Cintra, ter dito em entrevista à Folha que um novo tributo, que deve ser criado para simplificar o modelo de arrecadação no país, teria ampla abrangência, recaindo inclusive sobre igrejas. Essas instituições hoje são isentas.
O presidente disse aos parlamentares que foi pego de surpresa com a declaração e informou que gravaria um vídeo para negar a cobrança de impostos. 
Da base área de Brasília, de onde embarcou na manhã desta segunda para Ribeirão Preto (SP), Bolsonaro gravou um vídeo no qual diz ter sido surpreendido com a declaração de Cintra de que até fiéis pagariam impostos sobre o dízimo. Em uma mensagem de 41 segundos, Bolsonaro disse duas vezes que nenhum imposto será criado para as igrejas.
“Quero me dirigir a todos vocês, dizendo que essa declaração não procede. Quero dizer que em nosso governo nenhum novo imposto será criado, em especial contra as igrejas, que, além de terem um excelente trabalho social prestado a toda a comunidade, reclamam eles, em parte com razão ao meu entendimento, que há uma bitributação nessa área”, afirmou.
Ao final da mensagem, Bolsonaro fez questão de reforçar: "Então, bem claro: não haverá novo imposto para as igrejas. Bom dia a todos. E fiquem com Deus”.
O vídeo foi então distribuído para os líderes pelo WhatsApp antes mesmo de ser divulgado nas redes sociais do presidente. 
Antes de fazer a gravação, Bolsonaro telefonou para o ministro da Economia, Paulo Guedes, questionando a declaração do secretário e avisando que desautorizaria sua fala.
À tarde, após retornar da abertura de um evento do Agronegócio no interior paulista, o presidente terá reuniões com Guedes e Cintra. A agenda já estava prevista desde sexta-feira (26).
A aliados, Guedes defende que a fala de Cintra foi descontextualizada e vai trabalhar pela manutenção do secretário no cargo, argumentando o conhecimento técnico dele na área que comanda. 
O governo trabalha em paralelo à reforma da Previdência com a construção de um projeto para modificar a estrutura tributária do país. 
Em entrevista à Folha, o secretário da Receita falou sobre a criação de um novo imposto que acabaria com a contribuição previdenciária que incide sobre a folha de pagamento.
O novo tributo incidiria sobre todas as transações financeiras, bancárias ou não, com alíquota de 0,9% e rateado entre as duas pontas da operação (quem paga e quem recebe).
"Isso vai ser polêmico", reconheceu. "A base da CP é universal, todo o mundo vai pagar esse imposto, igreja, a economia informal, até o contrabando", afirmou Cintra.
Na reforma tributária que está elaborando, o novo tributo substituiria a contribuição previdenciária sobre os salários, que drena R$ 350 bilhões por ano de empresas e trabalhadores.
"Vai ser pecado tributar salário no Brasil", disse.

Sem 1ª dama à frente, fundo do governo Doria adota ‘assistencialismo liberal’ FSP



Fábio Zanini
O liberalismo está na moda na economia, basta ver o time que o ministro da área, Paulo Guedes, montou. Privatização, desburocratização e Estado mínimo deixaram de ser palavrões.
Na área social, contudo, a esquerda continua nadando de braçada. Um raro liberal puro sangue a fazer desta temática sua bandeira é Filipe Sabará, 35, presidente do Fundo Social do Estado de São Paulo.
Filiado ao Partido Novo e cria política do governador João Doria (PSDB), Sabará é pré-candidato a prefeito de São Paulo no ano que vem, num campo que já está coalhado de possíveis nomes da direita: Joice Hasselmann (PSL), Arthur “Mamãe Falei” do Val (DEM) e, de novo, José Luiz Datena (DEM).
Mas ele desconversa sobre a possível candidatura e o apoio de Doria (que, teoricamente, deveria respaldar a reeleição de seu colega de partido Bruno Covas, hoje mais próximo da centro-esquerda). “Não é o momento de discutir esse tema”, afirma.
Se realmente for candidato, Sabará deverá basear sua campanha na ideia de que pobreza não se combate com assistencialismo e programas sociais, mas se elimina com empreendedorismo. “Não queremos lutar contra a pobreza, queremos resolver a pobreza”, afirma.
É um processo de convencimento que não é dos mais simples, ele admite. A população, afinal, vê a presença do Estado como algo necessário e benéfico. “O que estamos passando para as pessoas é uma pauta de liberalismo, de mostrar que a presença do Estado mantém perenizada a situação de pobreza”, afirma.
Antes de assumir o Fundo Social, em janeiro, Sabará era secretário municipal de Assistência Social na capital. Seu programa mais vistoso foi a contratação de moradores de rua por empresas, sendo a mais chamativa delas o Mc Donald’s. Foram 3.000 pessoas empregadas por 191 empresas, o que, para ele, é um exemplo de programa social duradouro e de caráter liberal. Covas, no entanto, interrompeu o programa.
Como sua primeira medida ao assumir a entidade, ele pediu a Doria que mudasse o nome do antigo Fundo Social de Solidariedade para apenas Fundo Social. “A solidariedade tem de estar presente em todos os atos do governo”, justifica.
Outra diferença está no organograma: pela primeira vez em 51 anos, o órgão não é presidido pela primeira-dama. Bia Doria está à frente apenas do conselho do Fundo.
Com dotação orçamentária de R$ 40 milhões, mais R$ 20 milhões obtidos de doações empresariais, o Fundo tem como uma de suas principais atribuições gerenciar 700 escolas pelo estado em que são oferecidos cursos profissionalizantes como gastronomia, estética, moda, computação e mecânica.
Entre os novos projetos em gestação está a implementação de escolas nas chamadas “Praças da Cidadania”, para fomentar o empreendedorismo. No parque da Água Branca, zona oeste de SP, onde fica a sede do Fundo, haverá uma escola de permacultura, conceito de ambientalismo popular entre os liberais que busca engajar a comunidade em todo o processo ecológico, do plantio de mudas ao descarte de resíduos.
“Esse negócio de que proteger o ambiente é coisa da esquerda é uma falácia”, diz Sabará. Mas a culpa, ele reconhece, é em grande medida dos próprios liberais.
“Economia e ecologia são pautas liberais, mas faltam líderes que façam essa ponte”, afirma. Da mesma forma, prega, o liberalismo econômico e o social precisam estar conectados. “É como dizia Ronald Reagan [ex-presidente americano], a melhor política social é o emprego”, diz.
Fundador da ONG Arcah, que se dedica a reinserir moradores de rua no mercado de trabalho, Sabará diz que se sente preparado para dar essa cara mais social e ecológica ao liberalismo. “A esquerda é uma bolha, desconectada do empreendedorismo. As pessoas estão cansadas do atual modelo, elas querem ser donas de suas vidas, querem se emancipar”, diz.
Se esse discurso será ou não bem-sucedido saberemos em pouco mais de um ano.

Os expulsos do Banco do Brasil, Eugenio Bucci, FSP

Sexismo virou critério para a estética publicitária

Eugenio Bucci, professor de jornalismo da ECA-USP - Reinaldo Canato 11.set.18/Folhapress
Eugênio Bucci
presidente da República já deu mostras enfáticas, reiteradas e indisfarçáveis de que não hesita em atear fogo no interesse público para promover suas predileções moralistas, antiquadas e fascistizantes.
 
Foi assim quando, para bajular o governo de extrema-direita de Israel, criou uma enorme confusão nas relações comerciais do Brasil com os países árabes. Foi assim quando abriu mão do princípio da reciprocidade e, unilateralmente, dispensou os americanos de terem visto para entrar no Brasil(embora os brasileiros sigam obrigados a trilhar as catacumbas da burocracia para ter um carimbo no passaporte que lhes permita pisar em solo estadunidense) --tudo para prestar vassalagem ao seu ídolo Donald Trump, eleito pelas falanges bolsonáricas como o farol do conservadorismo mundial. Foi assim, de novo, quando interveio atabalhoadamente numa decisão interna da Petrobras e travou o reajuste do preço do diesel e derrubou o valor da companhia em dezenas de bilhões de reais.
 
A mesma coisa aconteceu na semana passada, quando Bolsonaro ordenou que o Banco do Brasil tirasse do ar um anúncio de TV dirigido ao público jovem, cujos hábitos são menos caretas do que preconiza o discurso hoje em voga no Planalto. 
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De uma tacada, o presidente desrespeitou a Petrobras, enxovalhou (de novo) suas vãs promessas liberais, humilhou gays, trans, bissexuais e jovens em geral, feriu a dignidade de todos e todas que não cultivam intolerância sexual de nenhuma espécie e decretou a expulsão simbólica do Banco do Brasil de todos os homens que não se definam por usar apartamentos funcionais para "comer gente" e de todas as mulheres que não achem que as meninas devam se vestir de rosa e os meninos de azul.

Para o presidente, qualquer pessoa que não partilhe de sua doutrina de gênero é "persona non grata" no Banco do Brasil. Com ele, o sexismo se tornou critério ordenador da estética publicitária e filtro de seleção de correntistas de uma casa bancária que se definia como pública. Ele quer um Banco do Brasil em que somente os heterossexuais possam abrir conta, e se isso implicar perda de clientes, de valor, de capital, não importa. Para ele, o patrimônio do povo brasileiro está hierarquicamente subordinado à moral sexual que ele professa (ou acha que professa).

Sigmund Freud, certa vez, em correspondência ao amigo suíço Oskar Pfister, escreveu que às vezes era preciso agir como o artista que compra suas tintas com o dinheiro do orçamento doméstico e depois, ao pintar suas telas, põem fogo nos móveis para que sua (ou seu) modelo não sinta frio. Freud via nessa atitude do pintor um compromisso radical com a arte. O artista, porém, queima os móveis da casa dele, particular. Freud jamais fez a mesma recomendação a um governante.

Já tivemos por aqui presidentes que vendiam estatais para pagar salários correntes e outros assaltavam o erário para comprar gravata de butique e financiar divertimentos de pouco decoro. Mais raros são os que põem fogo na coisa pública. O imperador romano Nero fez isso em Roma, já sabemos, mas ele pelo menos achava bonito ver a cidade em chamas. O caso presente está mais para a feiura do que para a beleza. O presidente não se deleita ao ver as cifras em combustão, apenas acha feia, repulsiva, a imagem de quem não é como ele acha que é, acha feio o marcador sexual que não é igual ao que ele julga ser o seu.
 
O chefe de governo age como se precisasse, doentiamente, extirpar de seu horizonte visual qualquer signo de sexualidades não convencionalíssimas. Contemplá-las, para ele, parece ser insuportável. Freud certamente não o classificaria como um "artista" doido. Talvez tivesse outra pista para interpretar tamanha obsessão, mas isso não é da nossa conta.

Voltando então ao estrito interesse público, é o caso de alertar: se deixarmos --e até aqui estamos "médio" deixando--, esse governante vai seguir usando o Estado como combustível de suas fogueiras inquisitoriais. Primeiro, vai lançar suas labaredas obscurantistas (que as há) para expulsar a homoafetividade do Banco do Brasil. Depois, vai passar aos expurgos mais definitivos.
Eugênio Bucci
Jornalista e professor da ECA-USP
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