segunda-feira, 29 de abril de 2019

A parte engoliu o todo, Ruy Castro , FSP



Jorge Pontes, ex-delegado da Polícia Federal e coautor do livro “Crime.gov.”, que acaba de sair, disse ao jornal O Globo uma frase que permite extrapolações: “Não há uma fraude no Brasil. Há um país dentro de uma fraude”. 
A parte engoliu o todo, interpreto eu, e isso está à vista em qualquer lado para que se olhe. Atragédia da Muzema, por exemplo, em que dois prédios desabaram no dia 12 último matando 24 pessoas, não foi uma fatalidade provocada pela chuva e pelos deslizamentos. Foi normal. O que espanta é que tragédias semelhantes não aconteçam todo dia e em toda parte. Parafraseando Jorge Pontes, o Brasil de que a Muzema fazia parte parece estar agora se reduzindo a um quisto na grande Muzema.
É um país que cresce à margem das estradas, das vias expressas e das lagoas, sobe pelas encostas ou se espalha pelas periferias das cidades. Só o conhecemos pela janela do carro, quando passamos por ele em velocidade. É formado por predinhos de tijolo aparente, todos com puxadinhos de dois ou mais andares, construídos pelos próprios moradores —cada qual servindo de engenheiro, arquiteto, mestre de obras e pedreiro. Os tetos sustentam as paredes. O Brasil mora neles.   
Mas engana-se quem pensar que ali é terra de ninguém, onde qualquer um pode chegar e erguer sua casinha. Cada centímetro já foi mapeado por alguém que chegou primeiro, fincou seu marco e criou sua versão de um mercado imobiliário, com entrada, prestações e parcelas intermediárias. Há valores diferentes em função da localização e de quantos andares.
A Muzema propriamente dita, a que caiu, é apenas uma sofisticação desse processo. Não são predinhos de tijolos, mas edifícios de seis andares, com 24 ou 40 apartamentos, construídos e explorados pelas milícias —as quais têm no bolso a polícia, as associações de moradores, os moradores, a simpatia do poder e, daí, o país. 

    Ruy Castro
    Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

    Casa à mingua, Opinião FSP

    Esgotamento de recursos ameaça programa de moradias e a construção civil

    Obra da MRV em Pirituba, projeto do Minha Casa Minha Vida, terá ciclovia, centro comercial, creche e base da PM
    Obra da MRV em Pirituba, projeto do Minha Casa Minha Vida, terá ciclovia, centro comercial, creche e base da PM - Gabriel Cabral/Folhapress
    As verbas para o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) estão à míngua, como, aliás, ocorre com as dos investimentos federais em geral.
    O programa já chegou a contar com mais de R$ 20 bilhões anuais do Tesouro Nacional, em valores corrigidos. Embora tal gasto talvez estivesse superdimensionado, como costumava ocorrer no governo de Dilma Rousseff (PT), o corte desde então foi expressivo.
    [ x ]
    No ano passado, a despesa orçamentária foi de pouco mais de R$ 4 bilhões. Neste 2019, não deve chegar a tanto. O ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, disse que o dinheiro disponível deve se esgotar até junho.
    Trata-se de recursos que se tornaram vitais para a construção civil, um dos setores mais afetados pela recessão de 2014-16. Basta dizer que dois terços dos imóveis vendidos no ano passado eram do MCMV. Cada R$ 1 de subsídio do Tesouro e do FGTS ao programa gera investimento direto, na construção das casas, de outro R$ 1,50.
    Cabe observar, ainda mais neste momento de crise, que as deficiências não se restringem a financiamento. Há custos subdimensionados e defeitos urbanísticos graves.
    Os problemas são mais sérios nos conjuntos habitacionais de moradias para a baixa renda, que contam com subsídio médio de 95%. São construídos em regiões distantes do centro das cidades, quando não em zonas rurais disfarçadas.
    O preço em si das casas pode ser baixo, mas não reflete o custo total do empreendimento, que inclui serviços de obras viárias, água, energia, transporte e segurança, maiores devido à distância.
    Há mais, porém. O tempo de deslocamento até o trabalho dos moradores desses conjuntos remotos é relevante; os novos bairros não raro ficam sujeitos à opressão de milícias e traficantes.
    As cidades assim se horizontalizam, quando urbanistas recomendam a verticalização em regiões de infraestrutura urbana melhor.
    Parece evidente a falta de planejamento, de reforma urbana, de uso de imóveis vazios no centro das cidades. Aparentemente mais custosas, tais soluções podem ser social e economicamente mais eficientes. Implementá-las exige mais inteligência na política pública.
    As cidades precisam ter planos para tanto: para ser adequado, o projeto tem de ser local. Caso o governo federal ou estadual tenha capacidade de financiamento, deve discutir a concessão de recursos de acordo com diretrizes gerais de qualidade urbanística.
    É um trabalho que exige articulação entre administrações. O modelo simplório de construção em massa, industrial, outra vez se revelou problemático, como o foi nos tempos da ditadura militar.
    O Minha Casa teve o sucesso bruto de entregar mais de 4 milhões de residências em uma década. Um eventual sucessor tem de fazê-lo com mais eficiência social.

    Para PDT e PSB, Lula reafirmou hegemonia do PT e tese que dificulta aliança de siglas de esquerda, FSP

    Painel
    Tudo de novo Dirigentes do PSB e do PDT avaliam que na entrevista à Folha e ao El Pais, o ex-presidente Lula falhou na mensagem de união da esquerda. Para essas siglas, ele manteve o discurso de hegemonia do PT e provou que a falta de autocrítica no partido vem de cima para baixo.
    Tudo de novo 2 Na entrevista, semana passada, Lula disse que não se pode exigir que uma legenda com os índices de votação do PT comece a negociar alianças “abrindo mão de sua candidatura”. Essa tese, avaliam integrantes da cúpula do PSB e do PDT, será “sempre um grande empecilho para a união das esquerdas”.
    O fio que resta Dirigentes do PC do B discordam e acham que Lula mostrou resistência e força. Tanto líderes desta como de outras siglas viram em trechos da fala do petista acenos ao STF –próximo estágio dos recursos contra sua condenação no caso do tríplex.
    Leia mais notícias do Painel aqui.