segunda-feira, 25 de março de 2019

‘O presidente precisa descer do palanque’, diz Marcos Pereira, OESP

Denúncias de tortura em presídios disparam no estado de São Paulo

Governador João Doria vetou projeto de lei que previa comitê independente para apurar maus-tratos

A mulher e a filha de sete anos de Michael, 33, que morreu após passar 15 dias como preso provisório no sistema penitenciário paulista - Adriano Vizoni/Folhapress
Thaiza Pauluze
SÃO PAULO
Denúncias de tortura em presídios paulistas dispararam em janeiro e fevereiro. Até o dia 12 do fevereiro, 73 casos foram registrados, sendo 66 referentes ao Centro de Detenção Provisória 2, em Osasco, na Grande São Paulo. 
Nos últimos dez anos, nenhum presídio teve tantas denúncias na ouvidoria da SAP (Secretaria de Administração Penitenciária). A recordista até então era a Penitenciária 1, de Potim, no interior do estado, com 20 casos anotados em 2013.
O total de 73 já é superior à metade do volume de reclamações (142) feitas em todo o ano passado.
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A fila em dias de visita em Osasco começa a se formar às 5h, com mulheres vestindo rosa e vermelho. Cores como preto, branco, cáqui e azul são proibidas aos visitantes já que se confundiriam com os uniformes dos agentes penitenciários e dos detentos.
Nos ombros, elas carregam o jumbo, como é chamada a bolsa plástica transparente que leva comida, água, refrigerantes, pratos de plástico e cigarro para dentro das celas.
Mas não é só a roupa e o jumbo que se repetem na entrada no CDP 2. Lá, multiplicam-se relatos de uma rotina de tratamento degradante. 
Segundo familiares de detentos ouvidos pela reportagem, agentes cortam a água e a luz durante dias, e a comida frequentemente está estragada. Nos pratos já apareceu de barata a gilete. De castigo, em celas popularmente conhecidas como solitárias, presos passam semanas sem ver o sol.
Folha teve acesso ao número de denúncias feitas à ouvidoria desde 2009 e, neste ano, de 1º de janeiro a 12 de fevereiro. Trata-se da véspera do dia em que o chefe máximo do PCC, Marco Camacho, o Marcola, e outros 21 membros da facção criminosa foram transferidos de um presídio paulista para um federal.
No período da operação, a SAP realizou revistas em todas as unidades do estado para tentar inibir eventuais rebeliões.
Foi nessa época que as famílias dizem que o GIR, ou Grupo de Intervenção Rápida, entrou no CDP 2. “Eles ficaram uns três ou quatro dias lá, quebraram as coisas dos presos, agrediram vários. Quando eles chegam é um tsunami, saem destruindo tudo”, diz Débora (nome fictício para preservar sua segurança), repetindo relato do marido encarcerado.
Os números da ouvidoria, no entanto, não dão a dimensão dos casos de tortura em presídios no estado, segundo Mateus Moro, coordenador do Nesc (Núcleo Especializado de Situação Carcerária) da Defensoria Pública de São Paulo.
Primeiro, porque o canal não é o único que recebe os relatos. Há possibilidade de denunciar à Pastoral Carcerária, ao Ministério Público, ao Instituto de Defesa do Direito de Defesa, ao disque 100 do Ministério da Justiça, à associação Amparar (criada por familiares de detentos) ou diretamente à Defensoria. No ano passado, só o Nesc recebeu 500 denúncias.
Em segundo lugar, detentos e famílias temem retaliação, diz Priscila Pamela Santos, que preside a Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) paulista.
“Há uma imensa subnotificação, nós desconhecemos os números reais. O preso tem dificuldade de narrar, já que é o Estado que perpetua a tortura e é ele mesmo quem fiscaliza", afirma.
 Mateus Moro (sem parentesco com o ministro) diz que a superlotação“é a mãe de todos os problemas". "Ela gera mais tortura e violência e menos possibilidade de trabalho ou educação aos presos”, afirma.
Em Osasco, a quantidade de detentos é quase o dobro da capacidade do presídio —há 1.641 pessoas presas em um lugar com 833 vagas.
“Não é só infringir sofrimento físico, mas a insalubridade, as ameaças, a falta de atendimento médico”, diz Santos.
Foi a falta de assistência que resultou na morte de Michael Jachson Araújo da Silva, 33, em fevereiro, no presídio em Osasco, segundo sua família.
Ele foi detido no dia 5 daquele mês acusado de roubo. Após audiência de custódia, foi para o CDP de Pinheiros, onde ficou três dias. Lá, “ele apanhou várias vezes dos agentes penitenciários”, afirma Josineide Martins, 30, com quem Michael era casado e tinha uma filha de sete anos.
Transferido ao CDP 2 de Osasco, foi colocado em uma cela isolada, onde começou a passar mal. Em poucos dias, com febre alta, já não comia e precisava de ajuda dos outros presos para tomar banho. “Pediram socorro para ele várias vezes. Num dia disseram que não dava porque era feriado e não tinha escolta para a ambulância”, diz Josineide.
Em 19 de fevereiro, Michael teve convulsão e paradas respiratórias. “Ele ficou lá agonizando até os presos sacudirem a cadeia. Aí mandaram uma maca.” Isso ocorreu às 21h. O laudo médico aponta que Michael deu entrada no Hospital Regional de Osasco às 4h do dia 20, embora a Secretaria de Administração Penitenciária afirme que levou o detento imediatamente para o pronto-socorro.
Às 6h30, ele morreu após ficar ficar 15 dias preso e sem nenhum exame realizado. O laudo do IML atesta pericardite (infecção em membrana do coração causada por vírus ou por ataque cardíaco) e meningite infecciosa. Mas, no presídio, os presos não foram isolados para evitar o contágio.
“Meu marido entrou lá saudável, não tinha problema algum, mas entregaram ele morto para gente”, diz a mulher de Michael. Segundo a família, ele trabalhava com frete e não sabia que a carga era roubada. “Fico imaginando o sofrimento que ele passou. Foi negligência do Estado.”
Dias antes de morrer, Michael escreveu uma carta à família. “Tô até hoje aqui sem ver o sol, no castigo da casa. Mandem uma bíblia e um prestobarba. Vou deixando um beijo com muitas saudades. Logo tô por aí.” O bilhete chegou depois da notícia fúnebre.
Um em cada dez casos de tortura teve como resultado a morte de uma pessoa presa, segundo pesquisa da Pastoral carcerária com 175 relatos de maus-tratos em presídios brasileiros denunciados a organização. A maioria das queixas partiu de São Paulo, que tem cerca de 240 mil presidiários, um terço da população carcerária do país.
A agressão física é relatada em 58% do total dos casos. Condições degradantes de aprisionamento, em 41%, e a negligência na prestação de assistência à saúde, 33%. 
Em 46% dos casos, são agentes penitenciários os acusados de estar envolvidos nas violações de direitos e, segundo a Pastoral, cresceu o número de denúncias envolvendo batalhões de choque e grupos especiais de intervenção. Nos presídios paulistas, 45% dos detentos dizem já ter sido agredidos pelo GIR, segundo levantamento do Nesc. 
Em janeiro, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), vetou integralmente a lei que criaria um órgão para apurar casos de torturaem locais de privação de liberdade. O texto havia sido aprovado em dezembro pelos deputados estaduais, e instituía o Comitê e o Mecanismo Estadual de Prevenção e Enfrentamento à Tortura. 
A ideia era ter peritos independentes com acesso a presídios, Fundação Casa, hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas, sem aviso prévio. Eles averiguariam a prática, além de elaborar relatórios e propor políticas públicas.
A formação desses comitês a nível estadual está prevista na lei federal sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2013, quando foi criado o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Rio de Janeiro, Pernambuco, Rondônia, Paraíba e Distrito Federal já têm ações do tipo.
A aprovação também responderia à obrigação legal internacional do Brasil. O país ratificou, em 2007, o Protocolo Facultativo à Convenção da ONU Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
Doria, no entanto, fala em inconstitucionalidade e alega fiscalização indevida do Legislativo sobre o trabalho do Executivo. O texto voltou àAssembleia Legislativa, onde os parlamentares poderão derrubar ou manter o veto do governador.

OUTRO LADO

Segundo a Secretaria da Administração Penitenciária, chefiada pelo coronel Nivaldo Restivo, ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo, e sob a gestão de João Doria, as denúncias “não têm a mínima procedência”.
“Não procede a informação de que não há água, luz elétrica ou banho de sol. Há, sim, o controle do uso racional de água. As unidades oferecem três refeições por dia ao reeducando. O cardápio é feito por nutricionistas e segue dieta balanceada”, afirma a pasta.
Ainda segundo a secretaria, todos os detentos têm atendimento de saúde garantido e, este ano, o presídio não recebeu visita do Grupo de Intervenção Rápida.
Sobre o castigo, a secretaria diz que as celas de regime de observação são usadas para novos presos por até 20 dias, com todos os direitos assegurados. Já para detentos que cometem atos de indisciplina, a internação em celas separadas do pavilhão comum chega a 30 dias.
Hoje, no CDP 2 de Osasco, apenas quatro presos cumprem pena de isolamento, de acordo com a pasta.
Sobre o caso de Michael, foi aberto um Processo de Apuração Preliminar para averiguar as circunstâncias da morte, e “não procede de forma alguma que tenha sofrido tortura” no CDP de Pinheiros, afirma a secretaria, em nota.
 
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‘O presidente precisa descer do palanque’, diz Marcos Pereira, Renata Agostini e Naira Trindade, O Estado de S.Paulo


25 de março de 2019 | 05h00

BRASÍLIA - Após as críticas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (PRB-SP), diz que Jair Bolsonaro precisa “descer do palanque” e se colocar no papel de presidente. À frente do PRB e com forte ascendência sobre a bancada, que tem 31 deputados, ele reclama da falta de atenção do governo com os parlamentares, que não estão sendo recebidos nos ministérios.
“O novo Brasil tem de começar de onde o Brasil estava dando certo, não do zero. Eles parecem que querem começar o Brasil do zero.” 
Marcos Pereira
Marcos Pereira, vice-presidente da Câmara Foto: Dida Sampaio/Estadão
Ex-ministro de Indústria de Michel Temer, Pereira, que é advogado de formação e bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, avalia que o mal-estar no Congresso hoje é generalizado e que as reclamações lembram o governo Dilma. “É muito parecido. Política é diálogo, é atenção, são gestos. Não tenho visto gestos, atenção nem diálogo”. 
Incomoda o discurso do governo contra a política tradicional?
Evidentemente. O presidente não pode dizer que não é político estando há 28 anos na política. Ele se elegeu sem partido, porque o PSL praticamente não existia, e acha que não precisará dos partidos agora. Mas são os partidos que têm como dialogar e conversar com os parlamentares. Quando há fechamento de questão, o deputado tem de seguir a orientação sob pena de responder ao estatuto do partido. As frentes temáticas não têm como fechar questão. Quero deixar claro que não estou falando de troca-troca ou de “toma lá, dá cá”. Estou falando de diálogo. É isso que incomoda.
Respondendo a Rodrigo Maia, o presidente Jair Bolsonaro disse que seu trabalho na reforma da Previdência já estava feito.
O presidente parece não querer aprová-la. Como deputado, sempre votou contra todas as propostas de reforma. Como candidato, a criticou. Agora, como presidente, joga a responsabilidade no Parlamento. O Rodrigo está sendo muito proativo. O problema é que o governo não se ajuda. Ele constrói e o governo, do outro lado da rua, desconstrói. Nós não podemos negar a política. Ao negar, corremos o risco de voltarmos ao momento que o Brasil já teve e que não é bom: momentos autoritários.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a falar que só faltavam 48 votos para aprovar a reforma da Previdência. 
Hoje o governo não tem 50 votos. Nem o PSL vota 100%. Talvez o governo tenha sido amador por falta de experiência. O governo foi eleito em outubro. Teve todo o período de transição para dialogar e formar uma base mínima. Já era para o Congresso tomar posse com os líderes indicados. Essa morosidade… Esse timing é importante: de escolher as pessoas certas e empoderá-las. 
Bolsonaro pode inaugurar nova forma de negociação com o Congresso?
Precisamos avançar e sou favorável que a gente avance. O presidente disse que não tem mais indicação dos partidos nos ministérios. Okay. Disse que gostaria de resgatar o respeito à politica e aos políticos. Isso é tudo que eu gostaria e quero. Apoio. Ele quer empoderar o deputado. Ele disse que, ao anunciar determinada obra em determinado Estado, iria chamar os parlamentares que podem ser base do governo, levá-los junto e dizer à população que aquilo é possível graças a atuação do deputado tal. Isso se faz com diálogo, conversa, articulação politica. Não é “toma lá, dá cá". Liberar recursos para as bases dos parlamentares é natural. Se ele fizesse isso, empoderasse os deputados, colocasse os deputados na frente, junto às suas bases, o deputado se sensibilizaria. Eu, como deputado, não quero e não vou indicar para nenhum cargo do governo. Alguns deputados do PRB precisam e eu não vou impedir. Será uma decisão pessoal.
Mas o senhor recebeu oferta de cargos?
A informação que se tem é que a Joice Hasselmann (PSL-SP) está cuidando do assunto e tem alguns cargos que o governo vai dar possibilidade de os deputados apresentarem nomes desde que se cumpram os critérios do decreto nos Estados. E que isso vai ser discutido com bancas estaduais. É isso que tem colocado no Congresso via líder do governo.
Mas com os deputados aceitando cargos, o PRB não será cobrado a votar junto?
O deputado Celso Russomanno (PRB-SP) aceitou ser vice-líder do governo, vice-líder da Joice. Ele conversou com o líder Johnathan de Jesus  (de RR, líder do PRB na Câmara), mas não conversou comigo, que sou presidente do partido. Então, entendo que é uma decisão pessoal. Isso não obriga o partido a ter de votar 100% as pautas do governo. Se o deputado aceitar certos cargos, em tese, ele deveria votar 100% com o governo. Aí vai da consciência dele. Eu não tenho interesse. Tenho interesse que o governo me ajude com liberação de recursos nos ministérios da Saúde, Educação, Desenvolvimento Regional, Infraestrutura - sobretudo porque sou deputado de primeiro mandato. Estive na semana passada em Francisco Morato para entrega de três ônibus que atuei para ajudar a liberar. Uma região extremamente necessitada. Isso eu quero e preciso. Mas não é isso que vai me fazer votar tema A ou B. 
O PRB descarta fazer parte da base do governo?
Da forma como está montado o governo hoje, acho muito difícil, porque não há diálogo. Com político, 50% é atenção e 50% é a solução, a resposta a demanda, que pode até ser não. Tem deputado reclamando que está demorando 15 dias para conseguir uma audiência com ministro. Esse deputado já tem pré-disposição de não votar com o governo. 
É um governo de má vontade?
É um governo hoje mal organizado. Pedi uma audiência no MEC com um secretário, porque o prefeito de uma cidade me pediu. Lá tem uma universidade particular que está se instalando na cidade, que será a primeira faculdade de lá. Já está tudo construído. Queríamos pedir para haver celeridade (na autorização) para que o vestibular já fosse colocado na rua. Depois, o prefeito me reportou que, quando o secretário chegou disse (ao dono da faculdade): “Você está aqui com o prefeito, veio com o deputado, mas não precisa de político aqui não, tá? Você poderia ter vindo sozinho”. Uma atitude como essa é negar a política. É uma ofensa, claro. Falta sensibilidade política. Um burocrata vem dizer que não tem política? O dia que ele tiver 140 mil pessoas apertando o nome dele nas urnas ele pode agir da forma que agiu. É falta de respeito com o cidadão. Estou representando o cidadão. É isso que estou falando, não é "toma lá, dá cá". O novo Brasil tem de começar de onde o Brasil estava dando certo, não do zero. Eles parecem que querem começar o Brasil do zero. 
É uma indelicadeza?
Falta tato político. Aí não pedi audiência com mais nenhum ministro. Não quero passar pelo constrangimento de ter que esperar 15, 20 dias ou, de repente, nem ser atendido. Isso não vai ficar bom. O presidente da Caixa Econômica (Pedro Guimarães): tenho informação de várias pessoas que têm pedido audiência e ele não está atendendo. Eu, vice-presidente da Câmara, presidente de um partido que tem 31 deputados, pedi uma audiência para esse senhor para levar lá a Fundação Doutor Amaral Carvalho, de hospitais filantrópicos. Pedi essa audiência há duas semanas. Foi marcada somente para o dia 3 de abril. Sei que ele tem muitas atividades, mas... 
E o Congresso? 
O Congresso já está com má vontade. Porque a má vontade está vindo do lado de lá. O mal-estar é generalizado. O senador Fernando Bezerra (líder do governo no Senado) é muito jeitoso, tem toda a experiência. O Major Vitor Hugo (líder do governo na Câmara) é dedicado, é boa pessoa, mas não tem experiência. A impressão que ele passa é que não tem força. O líder do governo na Casa tem de pegar o telefone ligar para o presidente ou para qualquer ministro e ser atendido na hora. É assim que funciona. Ao menos para passar impressão que ele tem influência, que consegue resolver as coisas, as demandas. Não estou falando de troca-troca, estou falando de atender as demandas da população.
Era uma reclamação que se ouvia no governo Dilma. É parecido?
Tinha dificuldade também. É muito parecido. Muito parecido. Política é diálogo. É atenção. São gestos. E eu não tenho visto gestos, atenção nem diálogo. 
É o caminho que Dilma Rousseff tomou?
Cedo para afirmar. O presidente precisa dar um comando. Dizer que atender parlamentar é prioridade. Se eu não puder levar um prefeito em certo ministério, como vou justificar para o meu eleitor naquela cidade? Outra coisa: o governo diz que montou um ministério técnico, mas não é verdade. Você vai me dizer que Onyx Lorenzoni, Luiz Henrique Mandetta, Osmar Terra, Tereza Cristina e Marcelo Álvaro Antônio são técnicos? Não estou falando isso para pedir cargo. Não é minha intenção indicar ministro do governo. Pelo menos por ora. Se as coisas mudarem, tudo é diálogo. Se for construído, não descarto 100%, mas também por ora não tenho interesse. Mas, ao você colocar ministros de determinados partidos e esses partidos não reconhecem os ministros como indicação deles… não parece um negócio amador? No mínimo, amador. 
Em qual sentido?
Um partido tem ministros na Esplanada e, pelo que li, só um quarto dos presentes votaram em apoiar o governo. O governo erra nesse tipo de postura. Não estou falando das pessoas. Tereza Cristina tem competência, toda condição de tocar. Mandetta idem. Marcelo não conheço. Osmar Terra é meu amigo, tem toda competência. Estou falando do modus operandi do governo.
Por que isso está acontecendo?
Eles estão sendo vítimas da retórica da campanha. O governo precisa entender que ele não está mais em campanha. O presidente precisa descer do palanque. Até porque ele não tem essa ampla vantagem, não. Dos 57 milhões de votos, foram 10 milhões de diferença para o candidato derrotado Isso, numa majoritária, significa uma diferença de 5 milhões de votos, porque um voto para um lado é menos um voto para o outro. Ele tem que governar para 210 milhões de brasileiros.
A pauta ideológica do presidente tem atrapalhado?
Esse ativismo do presidente nas redes sociais... Ele tem de entender que agora é o presidente da República, então tem temas que ele não pode abordar porque causam instabilidade. O presidente precisa tirar a senha do Twitter do Carlos (filho de Bolsonaro, vereador no Rio de Janeiro) e se colocar na função de presidente. Parece que, às vezes, Bolsonaro atua na função de presidente e às vezes atua como candidato. Militares reclamam de Carlos Bolsonaro. Gustavo Bebianno (ex-ministro de Bolsonaro) reclamou de Carlos. Congresso reclama de Carlos. Aliados reclamam de Carlos. PSL reclama de Carlos. Imprensa reclama de Carlos. Agora Paulo Guedes reclamou de Carlos. Na cabeça do pai, Carlinhos tem razão e é incompreendido. O governo tem de se concentrar agora. O que acrescenta o presidente postar aquele vídeo do Carnaval? O que acrescenta para o País? A opinião dele até concordo. Não concordo ter postado. São cenas fortes e ele não precisa se expor a esse nível. Olha o que gerou. 
As notícias em relação ao ex-assessor de Flávio Bolsonaro atrapalharam a relação com o governo?
Isso já está minimizado, não está mais na ordem do dia. Claro, gerou desgaste, mas não é o que atrapalha o governo em sua essência. O que mais atrapalha o governo é a falta de diálogo, de sensibilidade na pauta política.
O PRB está apurando as denúncias de casos de “laranjas” em candidaturas femininas?
Em 2018, tivemos de cumprir a determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o tempo foi muito curto para poder atrair mulheres competitivas. Tinha de designar 30% para mulheres competitivas. Imagine você enviar R$ 800 mil para mulheres que têm 300 votos, em tese vão dizer que é laranja, mas não necessariamente é laranja. É preciso diferenciar o candidato que recebeu recursos e tem poucos votos daquele que vendeu a candidatura para ser laranja de outro candidato. Pode ter acontecido e isso já vinha acontecendo com a cota. A Justiça Eleitoral já vinha apurando laranjas para cumprir cotas. Agora, se ele recebeu recursos, teve poucos votos, e pegou o dinheiro para outra candidatura, aí pode configurar laranja. No PRB, fizemos uma resolução muito enfática sobre a responsabilidade da aplicação dos recursos ser exclusivamente do candidato que recebeu. O artigo 6° dessa resolução isenta o diretório nacional do partido de toda responsabilidade após a transferência do recurso.
Na apuração do voto 82 do Senado, lançaram suspeita sobre o senador do PRB, Mecias de Jesus. O senhor, como presidente do partido, está tratando sobre o assunto?
Acho que não foi ele, tenho confiança nele. Mas qual prejuízo disso? A eleição foi anulada. Acho que os senadores erraram ao triturar as cédulas, porque destruiu a prova material. Então, isso prejudicou a apuração (do ocorrido). Estou muito tranquilo quanto a isso. Acho que não houve dolo nem prejuízo.

domingo, 24 de março de 2019

A geração dos millennials, esses nativos digitais, Celso Ming, OESP


Os pais precisam entender melhor o que passa na cabeça dos jovens quando se fecham no quarto e não largam o celular

Celso Ming e Guilherme Guerra, O Estado de S.Paulo
23 de março de 2019 | 21h00
O celular é tão importante quanto um plano de saúde – ao menos para os brasileiros nascidos nas décadas de 1980 e 1990. E eles consideram um computador portátil tão essencial quanto há alguns anos era o carrão, sonho de consumo de qualquer garotão e, hoje, já não é mais. Não é achismo: trata-se do resultado de levantamento feito pelo instituto de pesquisa digital MindMiners, em 2016, com 1.300 brasileiros entre 17 e 31 anos. (Veja o gráfico.)
Versos de uma canção de Bob Dylan (1963) fazem dura advertência a mães e pais: “Não critiquem o que vocês não conseguem entender; seus filhos e filhas estão fora do comando de vocês”. Quer dizer, pelo menos para não passar os dias reclamando, os pais precisam entender melhor o que passa na cabeça dos jovens quando se fecham no quarto e não largam o celular.
Estamos falando da faixa etária mundialmente conhecida como “millennials” (ou Geração Y), por terem crescido na virada do milênio, quando começou a perder importância o mundo analógico das fitas e dos telefones fixos e se iniciou a popularização da internet e dos celulares. Porque vivem na virada dos mundos “offline” e “online”, eles são hoje nativos digitais, com perfil exigente no consumo e flexível no mercado de trabalho. É por isso que as agências de publicidade procuram vasculhar o comportamento dessa faixa de consumidores com até mais empenho do que mães e pais movidos pela aflição por não conseguirem acompanhar a geração seguinte.
O levantamento do MindMiners mostrou que, entre os jovens satisfeitos com sua ocupação no momento da pesquisa, um terço pretendia mudar de emprego em menos de dois anos. Enquanto isso, o mesmo segmento de “satisfeitos” da geração anterior, conhecida como X (nascidos entre 1960 e 1980), revelou que apenas 20% pretendiam mudar de emprego. Ou seja, estar feliz na vida profissional não é necessariamente sinal de que o millennial quer permanecer no mesmo posto de trabalho nos cinco anos seguintes.
Assim, os millennials são geração mais propensa ao empreendedorismo e ao trabalho por conta própria. A pesquisa do MindMiners mostrou, ainda, que os interessados em sair do emprego pretendiam abrir seu próprio negócio ou trabalhar em empresas de tecnologia. Isso coincide com o “boom” das startups, como as fintechs.
Estudo da Deloitte de 2018 sobre essa mesma faixa de público verificou que, entre aqueles que não têm condições de abrir uma empresa, 84% já atuam ou pretendem atuar em atividades informais, com o objetivo de complementar a renda obtida em emprego com jornada diária de 8 horas.
Mas não basta captar os impulsos dessa gente. É preciso entender sua alma. Depois de estudá-la, os observadores entenderam que os millennials são mimados demais, materialistas, egoístas, preguiçosos e arrogantes. Levantamento com mais de 18 mil jovens de todo o mundo por outro instituto importante, o Ipsos, mostrou que segmentos de outras gerações têm essa mesma percepção dos millennials e que estes concordam em que transmitem essa imagem aos demais.
A pesquisa acrescenta que, pela primeira vez nas economias de alta renda do mundo ocidental, a geração dos millennials vive em condições financeiras mais precárias do que a de seus pais ou avós. Eles têm salários estagnados, renda mais baixa e, no entanto, enfrentam custo de vida bem mais alto. Estados Unidos e países da Europa estão aí para comprovar essa percepção. A exceção, diz o estudo, está nos mercados emergentes – dentre eles, o Brasil.
Os millennials já ingressaram na idade adulta e, depois dela, vem surgindo a geração que estudiosos vêm chamando de geração centennial (ou Geração Z). A esta altura convém perguntar como fica a relação dessas faixas de pessoas que começam a ser marcadas por outro determinismo demográfico: o do envelhecimento da população mundial. Uma população preponderantemente de coroas reluta em passar o bastão da corrida de revezamento para os que vêm atrás e, nos costumes e na política, tende a ser mais conservadora. Estamos, por acaso, na iminência de novos conflitos entre gerações? O recado de Bob Dylan pode não estar sendo ouvido.
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