segunda-feira, 18 de março de 2019

Uma geração perdida, FSP

Luiz Felipe Pondé
O mercado de trabalho que se prepare porque as universidades estão gestando uma geração mimimi raivosa, que não vai prestar para muita coisa. Esse diagnóstico é feito por especialistas americanos sobre universidades americanas. Mas, como toda moda americana pega, ela já chegou aqui.
O fetiche com relação aos jovens serem “mais evoluídos” continua em ação. Um pouco pela vaidade dos pais, um pouco pelo marketing das escolas e universidades, um pouco porque pessoas mais velhas querem fazer sexo com esses jovens, e o blábláblá de que são legais funciona melhor quando você quer levar um deles ou uma delas para a cama.
Greg Lukianoff, psicólogo cognitivista, e Jonathan Haidt, psicólogo social, escreveram um livro em 2018 que está impactando não só o mundo acadêmico como o mundo corporativo. “The Coddling of the American Mind” (Mimando a mente americana, Penguin Press) é de urgente leitura para quem trabalha com jovens. Mas, se fôssemos medir o nível de leitura de quem trabalha em escolas e universidades, provavelmente não passariam de 10% aqueles que ainda têm tesão pelo estudo. 
“Coddling” significa mimar. A realidade desse processo já foi apontada, de formas diversas, por especialistas como Jean Twenge e Frank Furedi em livros recentes. Ela com o “iGen”(traduzido no Brasil) em 2017, ele com “What’s Happened to the University?” (sem tradução por aqui) em 2018.
A obra descreve casos recentes e escandalosos de universidades americanas que mergulharam no caos e na violência estudantil de esquerda a partir de emails nada especiais, enviados por seus professores, alunos ou por membros da administração.
Ilustração Ilustrada Cammarota
Ilustração Ilustrada Cammarota - Ricardo Cammarota
A pesquisa também relata provocações de membros da direita agressiva off-campus e o comportamento canalha de colegas professores que, apesar de no particular se solidarizarem com os colegas levados à fogueira por esse alunos furiosos, no público juram pureza ideológica a favor dessas mesmas fogueiras (universidades são um dos espaços onde canalhas crescem aos montes). Os autores se referem a esse fenômeno como “caça às bruxas” —quem já viu ou viveu esse tipo de ataque por parte de alunos e redes sociais sabe o que é.
As universidades americanas estão se transformando em tribunais da inquisição, muitas vezes liderados por professores e justificados por uma teoria conhecida como “interseccionalidade”. Segundo esta teoria, existem dois grupos básicos no mundo, os opressores e os oprimidos. Mas o gradiente é móvel: ele vai do mais opressor ao mais oprimido. 
Na ponta do opressor, homens brancos, heterossexuais, bem-sucedidos. Na ponta do mais oprimido, encontramos um “mau infinito”: talvez uma mulher, negra, lésbica, pobre. Bruce Bawer, crítico literário americano, já havia apontado esse “mau infinito” na sua obra “Victims’ Revolution”, em 2012. 
Um traço dessa tese é que, mesmo que o “agressor” não tenha tido a intenção de cometer a “agressão” de que o acusam, se a “vítima” se sente agredida, ele deve ser demitido, execrado em praça pública, 
condenado ao ostracismo. A tendência a desconvidar pessoas para conferências em universidades nasce dessa tese.
Um dos riscos desse fenômeno é que os alunos são estimulados a recusar o contato com questões das quais eles podem discordar, mas que deveriam ser estimulados a refletir e debater. As universidades mimam esses alunos, criando pequenos Torquemadas ofendidos.
Na parte dedicada a investigar as causas que nos levaram a essa situação, os autores elencam: polarização política, pais paranoicos superprotetores, obsessão por um mundo mais justo, ansiedade, suicídio e depressão em crescimento, o declínio do brincar em espaços abertos, mídias sociais e a burocracia para construção de um mundo cada vez mais “seguro psiquicamente” nas escolas e universidades. Você reconhece algumas dessas causas perto de você? 
Segundo os autores, a única solução será as universidades que quiserem apoiar um viés político claro se tornarem instituições como as religiosas, que pregam ao invés de formar adultos livres, assim como faculdades de teologia que assumem sua denominação religiosa. E aquelas que quiserem formar jovens que pensem o mundo livremente devem abandonar o projeto de confundir filosofia e ciências humanas com uma igreja a favor dos oprimidos.
Pensando nas universidades que conheço aqui no Brasil, só nos restarão as que optam por ser igrejas que se acham salvadoras do mundo.
Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

Covas sanciona lei na surdina e turbina salários de secretários de SP, FSP

Secretários que ocuparem conselhos de empresas públicas vão ganhar mais

Guilherme Seto
SÃO PAULO
O prefeito de São Paulo Bruno Covas (PSDB) sancionou em fevereiro uma lei que vai turbinar os vencimentos de seus secretários municipais. Os secretários, que recebem em torno de R$ 19 mil de salários brutos,  passarão a ter jetons de cerca de R$ 6 mil mensais ao ocuparem postos em conselhos administrativos de empresas públicas.
Há secretários que têm mais de uma cadeira nesses grupos de trabalho e de discussão. O secretário que fizer parte dos conselhos fiscais receberá valor menor, de R$ 3 mil. O jetom é uma gratificação paga pela participação dos membros dos governos em conselhos de empresas públicas, e é corrente nas esferas municipais, estaduais e federais.
A liberação para o pagamento desses valores foi feita sem discussão pública, tendo passado despercebida por quase todos. Em fevereiro, a prefeitura aproveitou a votação do projeto de lei 495/2015 na Câmara Municipal, que tratava do Conselho Municipal de Habitação, e incluiu a revogação de uma série de dispositivos de outras leis de temas variados. 
[ x ]
Nesse movimento foi revogado um inciso de uma lei de 2011 que proibia que os secretários que fizessem parte de conselhos acumulassem salários e os jetons. Desde então a gestão Covas nomeou diversos secretários para conselhos municipais, algumas vezes para mais de um. A prefeitura não respondeu à Folha se o acúmulo de cadeiras em conselhos implica na multiplicação dos jetons.
Nesta última quinta-feira (14), por exemplo, os secretários Mauro Ricardo (Governo), Orlando de Faria (Turismo) e Fernando Chucre (Desenvolvimento Urbano) foram nomeados por Covas para o conselho de administração da empresa SP Urbanismo. No mesmo dia, Mauro Ricardo, considerado o “supersecretário” de Covas por tratar dos temas prioritários da gestão, também foi nomeado para o conselho administrativo da SP Obras, assim como Rubens Rizek Junior (secretário de Justiça).
Também estão sendo nomeados para conselhos os secretários José Castro (Assistência Social), Alê Youssef (Cultura), Daniel Annenberg (Inovação), Berenice Gianella (Direitos Humanos), entre outros. A ideia é que a maior parte ou todos os secretários passem a receber esses valores. A prefeitura tem 25 secretarias. Caso todos os secretários sejam incluídos em conselhos administrativos, a prefeitura terá custos de ao menos R$ 1,8 milhão por ano apenas com os jetons de secretários.
Vale ressaltar que o gasto milionário não será inteiramente novo, já que o valor de R$ 6 mil ou R$ 3 mil já era pago para conselheiros, que deverão dar vagas para secretários. Nos casos em que secretários ocupem lugares anteriormente vagos em conselhos ou em que os secretários já faziam parte dos conselhos e não recebiam o jetom os gastos serão novos.
Na prefeitura, a avaliação é de que a remuneração bruta de R$ 19 mil tem dificultado a atração e a manutenção de quadros qualificados. Nos últimos meses, ao promover ampla reformulação nas secretarias da Prefeitura de São Paulo, a gestão Covas ouviu recusas de profissionais de relevo na iniciativa privada, que viram disparidade excessiva nos salários.
Antes disso, secretários deixaram a prefeitura para oportunidades mais vantajosas no setor privado. Foi o caso de Sérgio Avelleda, ex-secretário de Transportes e de Gestão, que em setembro de 2018 deixou o cargo de chefe de gabinete de Covas para trabalhar em uma empresa.
Políticos de oposição à gestão Covas criticaram o que foi visto como falta de transparência na aprovação da lei.“Eles burlaram a opinião pública, já que isso não foi discutido em momento algum. Foi um golpe na Câmara o aumento dos secretários de maneira invisível, por meio de um substitutivo colocado para votação aos 45 minutos do segundo tempo na Câmara. Nem os vereadores da base sabiam, muito menos os de oposição”, diz o vereador Antonio Donato (PT). “Já são mais de dez secretários nomeados em conselhos. Vamos tomar todas as medidas cabíveis, propondo a revogação do artigo, e, se necessário, vamos acionar o Ministério Público”, completa.
Em nota da assessoria de imprensa, a gestão Covas afirma que “os critérios de seleção dos conselheiros seguem regras estabelecidas na legislação vigente, entre outros: qualificação profissional, complementaridade de experiências e grau de instrução.”O texto ainda diz que “os pagamentos a todos os conselheiros são legais, baseados no STF e no STJ, que decidiram que o teto remuneratório deve ser aplicado de forma isolada para cada cargo público acumulado.” Dessa forma, conclui que “é legal o acúmulo de verbas pagas aos servidores decorrente da participação em conselhos.”

domingo, 17 de março de 2019

O gênio disperso, Karnal, OESP

Em 1519, há meio milênio, faleceu Leonardo da Vinci. A morte do pintor da Monalisa abriu um rombo no Renascimento. O baque foi aumentado, menos de um ano depois, pelo desaparecimento de Rafael. Leonardo atingiu a idade de 67 anos. Rafael faleceu com 37. Restou Michelangelo e seu gênio difícil. O escultor da Pietá chegaria a 88 anos. 
Com razão a biografia Leonardo da Vinci (editora Intrínseca) está entre as mais vendidas no mundo. Walter Isaacson é um bom pesquisador e o texto tem uma narrativa quase magnética. Muitos especialistas torcem o nariz. Isaacson é jornalista e não um historiador ou especialista em arte. Seus trabalhos anteriores enfatizaram pessoas díspares como Henry Kissinger ou Steve Jobs. O livro Os Inovadores (Cia das Letras) tinha detalhado a atuação de líderes da Revolução Digital. De alguma forma, o autor foi empurrado para pensar o mesmo sobre os séculos 15 e 16. 
Mozart foi construído como o protótipo do gênio precoce com um dom que parecia exigir pouco esforço. Leonardo responde pelo posto de “gênio universal”, um polímata de curiosidade insaciável. É uma surpresa para os leitores do livro de Isaacson a análise dos defeitos expressivos da obra Anunciação (Galeria Uffizi, Florença). Tenho a experiência repetida de levar um grupo para admirar os encantos pela cena descrita no evangelho de Lucas. Depois que todos viveram a experiência estética, começo a indicar os problemas da obra, tantos que houve dúvidas permanentes se seria uma pintura do mestre (outras hipóteses: Ghirlandaio ou Verrocchio?). Se for mesmo obra de Leonardo, indica que gênios também aprendem e podem melhorar. Leonardo era perfectível, não perfeito. 
A República de Florença era um celeiro de talentos. Inteligência parece vir em doses coletivas em alguns momentos da história. Desconfio que a estupidez também. O século 15 italiano, o quattrocento, foi uma explosão de nomes. Havia liberdade criativa, porém, ainda estávamos em uma sociedade marcada por regras. Leonardo sofreu processo na juventude por sodomia, acusação que poderia levá-lo à morte. Foi absolvido por falta de provas ou influência de amigos. Suas futuras relações afetivas ou eróticas seriam mais cuidadosas ou platônicas. Até Freud especulou sobre a sexualidade do pintor. A relação tumultuada de Leonardo com Salai é vivamente descrita na biografia de Isaacson. O inquieto e pouco ético Salai fazia contraponto ao aristocrático Francesco Melzi, devotado ao mestre e herdeiro de muitas das suas obras e escritos. 
Leonardo viveu em Florença, Veneza, Milão e, por fim, seu destino final foi o vale do Loire. O rei Francisco I o venerava. Uma tradição do século 16 (retratada por Ingres no século 19) mostra o soberano segurando a cabeça de Leonardo no momento da sua morte. Talvez o fato nunca tenha ocorrido.
Da Vinci era inquieto e deixou muitos trabalhos inacabados. A Monalisa é sua obra mais popular e, possivelmente, o quadro mais conhecido da história. Sua sala, no Louvre, eclipsa outras obras-primas no mesmo espaço. O imenso e genial quadro de Veronese, por exemplo, fica em diálogo direto com a pequena obra de Leonardo. Pouca gente dá atenção ao Casamento em Caná. A maioria se aproxima de costas para pegar um bom ângulo para a Monalisa. Teria sido melhor que Napoleão não tivesse roubado o imenso quadro de Paolo Veronese. Os beneditinos de Veneza davam mais valor ao primeiro milagre de Jesus do que às hordas de turistas ao lado do Sena. É raro que a festa de Veronese (quase dez metros de largura) conste no Instagram da viagem média. É obrigatório que a sorridente moça de 77 cm de altura esteja na memória dos celulares. A propósito: obras extraordinárias do próprio Leonardo no Louvre como uma das versões da Virgem dos Rochedos ou A Virgem e o Menino com Santana a poucos metros da Monalisa não atraem tantos selfies. 
Monalisa é um ícone. Foi roubada em 1911. Poucos anos depois, com a obra já de volta ao Louvre, o dadaísta Marcel Duchamp colocou um bigodinho em uma reprodução e escreveu as iniciais L.H.O.O.Q., significando em francês algo como “ela tem muito calor em uma parte específica do corpo”. O ano era 1919, as cinzas da Grande Guerra ainda fumegavam, havia descrédito imenso com a Razão e, quando Duchamp decidiu atacar um ícone da popularidade artística, só poderia ter escolhido um cartão-postal da Monalisa.
Leonardo se foi há 500 anos. Foi um cientista, um artista, um filósofo, um apaixonado pelo corpo humano e sua anatomia. Lançou sua inquietude em todas as direções. Hoje, provavelmente, alguém daria um pouco de Ritalina para ele. Faltava o foco para levar adiante quadros como o São Jerônimo ou a Adoração dos Magos. Houve um tempo em que gente dispersa fazia obras-primas. Eu vivo no mundo em que os dispersos digitam a esmo pela rua. Amanheci um pouco saudosista dos perturbados que pintam girassóis como Van Gogh e dos violentos que produziam coisas assombrosas como Caravaggio. Houve uma era em que os muito religiosos compunham a Paixão Segundo São Mateus(Bach), gente muito doente esculpia como o Aleijadinho e padres tarados como Vivaldi encantavam os ouvidos de Veneza com sua genialidade. Que os próximos 500 anos sejam bons para a memória de Leonardo da Vinci. Bom domingo para todos nós. 
Mais c