sábado, 16 de março de 2019

Tempo perdido em Alcântara, OESP

É fundamental que questões ideológicas não limitem a atuação internacional do País

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
16 de março de 2019 | 03h00
A conclusão do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) entre Brasil e Estados Unidos, que permite o uso comercial da base de Alcântara, no Maranhão, mostra como uma falsa polêmica pode gerar prejuízos ao interesse nacional. Em 2001, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, um acordo semelhante foi assinado, mas a oposição vendeu o discurso de que os termos do tratado feriam a soberania nacional e, no ano seguinte, o Congresso acabou por rejeitá-lo.
Desde então, o Brasil tentou reabrir as negociações com os Estados Unidos, mas as rodadas de conversa sobre o tema intensificaram-se em maio do ano passado. Agora, quase 20 anos depois, os dois países chegaram a um consenso sobre a nova redação do acordo. A previsão é de que seja assinado pelos presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump em Washington, no próximo dia 19 de março. Como se vê, trata-se de mais um tema que ficou atravancado durante os governos petistas e que o governo de Michel Temer conseguiu com êxito destravar.
O AST refere-se à proteção de conteúdo com tecnologia americana usado no lançamento de foguetes e mísseis a partir da base de Alcântara. Tendo em vista que 80% do mercado espacial usa tecnologia americana, o uso da base brasileira, sem o acordo, estava muito limitado. O texto inclui também o compromisso de não proliferação de tecnologias de uso dual - aquelas que podem ser usadas tanto para fins civis como militares.
Ao ampliar o uso da base de Alcântara e promover investimentos no setor, o AST possibilita uma série de parcerias empresariais e insere o País no âmbito da cooperação espacial. “Essa negociação encerra quase 20 anos em que estamos tentando lançar da base de Alcântara mísseis de maior capacidade, de maior porte e que podem ser utilizados no uso comercial, sobretudo de lançamento de satélite”, afirmou Sérgio Amaral, embaixador do Brasil nos EUA, ao Estado.
O AST deixa claro que não haverá segregação de uma área da base de Alcântara em favor dos Estados Unidos, como se o Brasil estivesse cedendo soberania sobre o território nacional. A previsão é de restrição de acesso. “Teremos em Alcântara um espaço para proteção de tecnologia americana, mas continua sendo espaço de jurisdição brasileira. Não é cessão de território para ninguém, é um espaço que foi transformado em área de acesso restrito”, explicou Sérgio Amaral.
O acordo prevê que a área ficará restrita a pessoas credenciadas pelos dois governos ou sob consulta pelo governo americano ao brasileiro. A nova redação também limitou o escopo do tratado. Antes, a proteção recaía sobre toda a tecnologia utilizada. Agora, ela está restrita a mísseis, foguetes, artefatos e satélites que utilizem tecnologia americana.
Cada vez mais, o aproveitamento do potencial de um país em muitas áreas exige estabelecer acordos e parcerias com outras nações. O desenvolvimento tecnológico envolve integração internacional. Por sua localização geográfica, a base de Alcântara possibilita, por exemplo, uma economia de até 30% de combustível no lançamento de satélites. Essa vantagem competitiva era desperdiçada, no entanto, pela ausência de acordo, e o tema ficou parado por quase 20 anos também por limitações ideológicas do PT. Afinal, era o mesmo partido que fez oposição ao acordo durante o governo FHC.
Um país fechado, encerrado numa ideia equivocada de soberania, desperdiça muitas oportunidades. É fundamental que questões ideológicas não limitem a atuação internacional do País. Seja para exportar, seja para realizar parcerias em projetos de vanguarda tecnológica e em tantas outras possíveis áreas de cooperação, não faz sentido que o Brasil restrinja opções por suposta falta de sintonia ideológica. Esse modo de atuar - tão presente nos anos petistas e que, agora, com sinal trocado, se vê em algumas manifestações do governo Bolsonaro - causa enorme prejuízo para o País. O critério a reger os acordos internacionais deve ser sempre o interesse nacional, não as limitações ideológicas de quem está no poder.

Visionária Virginia, Sergio Augusto,OESP


Virginia Woolf sabia como unir as mulheres contra a violência e a guerra: um novo tipo de educação, para uma nova e revolucionária faculdade feminina

Sérgio Augusto, O Estado de S. Paulo
16 de março de 2019 | 02h00
Quando tomo conhecimento de uma cafajestada dos filhos do presidente, eu me lembro de Virginia Woolf – de quem eles, assim como o pai, não devem ter medo, pois talvez nem de nome a conheçam. Quando soube da prisão dos assassinos de Marielle e Anderson, terça-feira passada, também me lembrei de Virginia Woolf. Não por causa de seu lesbianismo, mas por suas irrefutáveis reflexões sobre a tendência dos homens à prática e à curtição da violência. 
As mulheres podem não ser de Vênus, mas muitos homens, definitivamente, são de Marte e de morte. Quantos atentados e chacinas, como a de Suzano, foram praticados por mulheres, nos últimos tempos? Ou melhor, em qualquer tempo. Será que alguém ainda duvida que a maioria esmagadora dos haters em atividade na internet seja do sexo masculino? A gente conhece miliciano e feminicídio, mas nunca ouvi falar de miliciana e masculinicídio.
Quem sabe por uma diferença de glândulas, de hormônios, ou por deformação psicológica causada pela educação, o fato, estatisticamente comprovado, é que o homem mata mais – gente e animais. Existe uma estreita conexão entre masculinismo e militarismo, entre patriarcado e regimes ditatoriais, argumentou Virginia Woolf em Três Guinéus, que, acho, só agora será traduzido aqui, e pela mesma editora (Autêntica) que há dias lançou uma pequena antologia de textos feministas dela: As Mulheres Devem Chorar... Ou se Unir Contra a Guerra – Patriarcado e Militarismo
O reticente título é insípido, mas isso é o de menos. Muito bem organizado, traduzido e enriquecido com notas contextualizadoras de Tomaz Tadeu, o livro entrelaça em 160 páginas um conto (de 1920), uma palestra (de 1931), duas cartas fictícias e um ensaio de 1930. O conto, Society (que tanto pode significar sociedade como associação), antecipa certos temas mais tarde desenvolvidos em Os Três Guinéus e Um Teto Todo Seu, e um deles é a necessidade de as mulheres pesquisarem as razões últimas da dominação masculina. 
A palestra foi para uma guilda destinada a promover o acesso das mulheres ao mercado de trabalho. O ensaio examina o papel da classe operária no processo de transformação social e o relacionamento nada paternalístico (ok, maternalístico) da escritora, “filha de um pai instruído”, com as mulheres de uma classe social inferior à sua.
“Embora muitos instintos sejam tidos, em maior ou menor grau, como comuns a ambos sexos, guerrear tem sido, desde sempre, hábito de homem, não da mulher”, escreveu Virginia, respondendo à consulta de um fictício “homem instruído” sobre qual seria a melhor maneira de evitar a guerra. A consulta foi feita há exatos cem anos, com os traumas e as feridas da Grande Guerra ainda latejando e a desconfiança geral de que outra sobreviria – o que afinal ocorreu 20 anos mais tarde, quando Hitler, outro varão (e ex-soldado) incendiou a Europa.
Resulta dessa indagação uma estimulante conversa sobre as pessoas e a política, a guerra e a paz, o barbarismo e a civilização. Pinçando trechos de memórias de soldados e do poeta britânico Wilfrid Owen (morto em ação, uma semana antes da assinatura do armistício), Virginia mostra como os homens procuram, no ato de guerrear, alguma glória, alguma necessidade, alguma satisfação, que as mulheres nunca sentiram. Mas a elas não cabe apenas chorar em casa, à espera de um cadáver trazido dos campos de batalha. Virginia sabe como uni-las contra a violência e a guerra: um novo tipo de educação, para uma nova e revolucionária faculdade feminina. 
Quem desconfiou que as ideias dela sobre “o tipo de educação que se faz necessário” me trouxeram à memória aquele colombiano obscurantista entronizado no ministério da Educação, desconfiou certo. 
Virginia tinha em mente uma faculdade experimental, ousada, construída de acordo com diretrizes próprias, “não com pedras esculpidas e vitrais”, mas algum material barato, para evitar, sinta a ironia, o acúmulo de poeira e a perpetuação de paralisantes tradições. E nada de capelas, museus e bibliotecas com limitado acesso a determinados livros. 
Nela “não se ensinaria a arte de dominar outras pessoas, de mandar, de matar, de acumular terra e capital, artes que exigem muitíssimas despesas extraordinárias, soldos, uniformes e cerimônias”. Só haveria lugar para o que pode ser ensinado de maneira barata e praticado por pessoas pobres, tais como medicina, matemática, música, pintura e literatura. Vale dizer, a arte das relações humanas, de compreender a vida, a mente e os hábitos de outros povos, a arte de combinar, miscigenar, jamais segregar, explorando, em suma, as formas pelas quais “a mente e o corpo podem ser postos a cooperar, a descobrir que combinações novas produzem totalidades novas na vida humana”.
Professoras seriam recrutadas tanto entre as pessoas que sabem viver quanto entre as que sabem pensar. A competição seria abolida. As pessoas que gostam de aprender por aprender iriam para lá com prazer. Musicistas, pintoras e escritoras dariam aulas cobrando pouco, porque elas também iriam aprender. Seria livre a associação entre as pessoas, não mais divididas pelas “deploráveis distinções entre rico e pobre, inteligente e estúpido”, em que “todos os diferentes graus e tipos de mente, corpo e alma seriam considerados dignos de dar sua contribuição”.
Virginia, quero crer, anteviu a educação sonhada por Paulo Freire e Darcy Ribeiro. Aqui seria massacrada, diariamente, pelos Cro-Magnons das redes sociais. 

Como a indústria do tabaco viciou crianças em bebidas açucaradas,F5


Fabricantes de cigarros usaram seus truques de marketing

Fábrica de bebidas em Franca
Fábrica de bebidas em Franca - Edson Silva /Folhapress

Descrição de chapéuNew York Times
​ANDREW JACOBS
O que os anúncios estrelados por Joe Camel, o Kool-Aid Man e o mascote maníaco do Hawaiian Punch têm em comum?
Todos foram criados para grandes empresas de tabaco nas décadas em que os fabricantes de cigarros tentaram diversificar suas linhas de produtos e adquiriram algumas das marcas de bebidas mais emblemáticas dos Estados Unidos. As empresas usaram sua experiência com sabores e colorações artificiais e seus conhecimentos de marketing para reforçar os atrativos dos produtos adquiridos, direcionados ao público infantil.
Que os fabricantes de cigarros tenham sido donos de bebidas açucaradas como Tang, Capri Sun e Kool-Aid não é exatamente novidade. Mas pesquisadores que estão estudando o vasto arquivo de documentos do setor de tabaco preservado na Universidade da Califórnia em San Francisco encontraram documentos reveladores: correspondência interna que mostra como os executivos dos fabricantes de cigarros, proibidos de dirigir publicidade de cigarros às crianças, empregaram seus conhecimentos de marketing para direcionar publicidade de bebidas açucaradas aos jovens de maneiras que nunca haviam sido usadas.
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