domingo, 17 de março de 2019

O STF quebrou um pé da Lava Jato. Elio Gaspari, FSP (definitivo)


Chamar roubalheiras de políticos de caixa 2 sempre foi um sonho de consumo


Por 6 a 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os delitos de caixa dois e as práticas que lhes são conexas devem ficar no âmbito da Justiça Eleitoral. Jogo jogado.
Em 2006, por unanimidade, o mesmo Supremo decidiu que a cláusula de barreira era inconstitucional. Ao fazer isso, as togas dos 11 ministros serviram de cobertura para pequenos partidos que mamavam recursos do fundo partidário e o tempo dos horários gratuito de televisão. Veio a Lava Jato e, com ela, escancarou-se a roubalheira nacional. Graças ao clima que Curitiba criou, o Congresso aprovou uma nova
modalidade de barreira.
Em 2017, o ministro Gilmar Mendes, que estava na unanimidade de 2006, disse que “hoje muitos de nós fazemos um mea-culpa, reconhecemos que foi uma intervenção indevida, inclusive pela multiplicação de partidos”. (Ele foi o único a fazer o mea-culpa, mas deixa pra lá.)
O 6 a 5 de quinta-feira poderá ser avaliado daqui a anos. Entre a unanimidade de 2006 e o mea-culpa de 2017 passaram-se nove anos.

Estátua representativa da Justiça, em frente à sede do STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília
Estátua representativa da Justiça, em frente à sede do STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília - Sergio Lima - 17.set.2013/Folhapress
Chamar de caixa dois as roubalheiras de políticos sempre foi um sonho de consumo. Esse truque saiu da cartola de Lula em 2005, quando surgiu o escândalo do mensalão.
Quando o Supremo matou a cláusula de barreira, os ministros sabiam que, junto com a defesa da liberdade de expressão, abriam a porteira para otras cositas más. Hoje, na estrada do caixa dois há 50 tons de capilés. Numa ponta está o candidato que aceita uma ajuda (monetária ou não) e deixa de registrá-la junto à Justiça Eleitoral. Na outra, está o magnífico Sérgio Cabral. Até bem pouco tempo ele dizia que amealhara dezenas de milhões de dólares valendo-se do desvio de dinheiro eleitoral. 
Era mentira. Num exagero, mandar para a Justiça Eleitoral o processo de um coletor de propinas porque ele diz que tudo era caixa dois seria o mesmo que começar numa Vara de Família o processo do assassino de um casal que deixou quatro filhos, tornando-os órfãos.
Num voto seco, técnico, o ministro Luis Roberto Barroso sintetizou a questão: o que importa não é para onde o dinheiro vai, mas de onde ele vem. Se ele vem de propinas, o delito não é eleitoral, mas corrupção.
Barroso ficou na minoria.
A sessão do Supremo teve um momento de teatralidade com Gilmar Mendes chamando procuradores de “gângsters”, mas foi ele quem melhor definiu o debate: ”O que se trava aqui é uma disputa de poder”. Saiu satisfeito o lado de quem tenta esconder suas roubalheiras atrás do caixa dois, e quem perdeu foi a turma da Lava Jato. 
O tempo mostrará as consequências do 6 a 5. Em cinco anos, a República de Curitiba destampou a panela da corrupção nacional como nenhum grupo de procuradores ou tribunal conseguiu fazê-lo desde que a Terra dos Papagaios chama-se Brasil. 
A turma da Lava Jato acertou muito e errou pouco, mas tropeçou na soberba.
Sergio Moro não deveria ter divulgado o grampo de uma conversa de Dilma Rousseff com Lula sabendo que ela ocorreu fora do prazo autorizado pela Justiça. Também não deveria ter divulgado um anexo irrelevante e inconclusivo da colaboração do comissário Antonio Palocci no calor da campanha eleitoral do ano passado. Talvez não devesse ter deixado a Vara de Curitiba, e certamente os 12 procuradores signatários do acordo que criaria uma fundação de direito privado com recursos da Petrobras deveriam ter medido melhor os riscos que corriam.
Tanto a turma de Curitiba como os seis ministros do STF acharam que são supremos.

VENDA DE ALMA

Enunciando mais um pilar de sua diplomacia paleolítica, o chanceler Ernesto Araújo informou que “nós queremos vender soja e minério de ferro, mas não vamos vender nossa alma”.
Resta saber se alguém quer comprar essa alma.

RADIOATIVIDADE

O Ministério Público não quer ouvir o sobrenome Bolsonaro no caso do assassinato de Marielle Franco.
Antes que se pense que há nisso alguma forma de blindagem, o motivo real da preocupação é técnico. Se algum Bolsonaro entrar na roda, o foro do caso sai da alçada do MP. A prisão de Ronnie Lessa e Élcio
Queiroz mostra que as promotoras pegaram o fio da meada. 

TESTE

Como ficariam as coisas se:
1) Adélio Bispo, o autor da facada contra Jair Bolsonaro, fosse vizinho de Fernando Haddad no condomínio Vivendas da Barra.
2) Se um delegado informasse que a filha de Adélio namorara um filho de Fernando Haddad.
3) Se Adélio tivesse chegado ao local junto com um
cidadão filiado ao PT.
4) Se a polícia encontrasse 117 fuzis pertencentes a Adélio na casa de um amigo dele.

CRIME DE ÓDIO

O delegado Giniton Lages, que investigava o assassinato de Marielle Franco, atribuiu o provável motivo da ação atribuída ao ex-PM Ronnie Lessa a “uma obsessão por determinadas personalidades que militam à esquerda política”. Crime de ódio, enfim. Essa é forte.
Adélio Bispo diz que esse foi o motivo que o levou a esfaquear Jair Bolsonaro. Até hoje não apareceu pista de mandante.
O Brasil teve outros três famosos atentados movidos pelo ódio político.
Em 1897, Marcelino Bispo atentou contra a vida de do presidente Prudente de Moraes e matou o ministro da Guerra. Em 1915, Manso de Paiva matou o senador Pinheiro Machado com uma facada. Eram lobos solitários.
No terceiro caso, tratava-se de ódio alugado, pois havia mandante. Em 1954, a guarda pessoal de Getúlio Vargas tentou matar o jornalista Carlos Lacerda e assassinou um major da Aeronáutica. Deu no que deu.
Quatro presidentes americanos foram assassinados por ódio político. Em três casos, foram ações de lobos solitários (John Kennedy, William McKinley e James Garfield). No quarto, o de Abraham Lincoln, houve quadrilha, mas não houve mandante.
Juntando-se todos esses atentados, jamais os criminosos tiveram negócios com o jogo clandestino e com milícias. Somando-se todas as armas dos atentados brasileiros e americanos, não se chega nem perto do arsenal de 117 fuzis de Ronnie Lessa.Conta outra, doutor.

RECORDAR É VIVER

Para que os operadores políticos de Bolsonaro percebam o peso que os políticos dão aos seus pedidos.
Em 1962, o vice-presidente americano Lyndon Johnson pediu a John Kennedy a nomeação de uma juíza para Dallas. Nada feito. Johnson era um protegido do presidente da Câmara e ele avisou ao governo: enquanto ela não for nomeada, a sua pauta está trancada. A nomeação saiu no dia seguinte.
No início da tarde de 22 de novembro de 1963, diante de um mundo perplexo, Kennedy estava morto e Johnson foi levado para o avião presidencial, onde deveria prestar juramento diante de um juiz federal. 
O ar refrigerado do Air Force One estava desligado e fazia um calor horrível em Dallas. O novo presidente pediu que achassem a juíza Sarah Hughes, pois queria que ela presidisse a cerimônia de sua posse.
Poucas pessoas notaram que ele fora à forra.
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

levi




Resistência do presidente do BNDES ao plano é criticada por equipe econômica






Renata Agostini e Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo
17 de março de 2019 | 04h00
BRASÍLIA - Como ministro de Dilma, Joaquim Levy tentou emplacar austeridade numa administração que gastava o que não tinha. Tentou tanto que caiu. O plano malogrado incluía cobrar do BNDES dinheiro de volta. Para os petistas, Levy era liberal demais. Agora, à frente do banco num governo que tem Paulo Guedes como czar da economia, Levy parece, para muitos na gestão Bolsonaro, liberal de menos. Parte da equipe econômica reclama, sob reserva, que Levy parece não querer mandar tanto dinheiro de volta assim.
Nem Guedes disfarça. “Não sei se ele quer, mas vai ter de devolver”, disse ao Estado em sua primeira entrevista exclusiva à imprensa nacional, reafirmando ali que espera ver a remessa ao Tesouro de ao menos R$ 50 bilhões até junho. Levy havia dito dias antes que ainda era “cedo” para dizer o quanto o banco devolveria.

Joaquim Levy
Levy acha que ainda é cedo para definir devolução de dinheiro para o Tesouro. Foto: André Dusek|Estadão
Com a declaração, o chefe da Economia do governo Jair Bolsonaro tornava público um embate já em curso no ministério. Após a declaração de Levy de que o valor da devolução não estava definida, Guedes autorizara o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues Júnior, a redigir ofício, exigindo R$ 100 bilhões até o fim do ano.
A previsão era que o banco estatal pagasse R$ 26,6 bilhões em 2019, de acordo com cronograma definido durante o governo Temer – desde 2015, já foram devolvidos mais de R$ 300 bilhões. Mas Guedes quer mais. “Despedalar” o BNDES, como gosta de repetir o ministro, foi assunto na campanha e se tornou meta de governo.
A medida, que reduz o tamanho do banco, se encaixa no plano liberal de Guedes e contribui para baixar a dívida pública federal. Também cai muito bem na turma bolsonarista, que vê no BNDES um símbolo da era petista. Para esse grupo, o banco estatal que emprestou bilhões à Venezuela, a Cuba e a empreiteiras como a Odebrecht precisa quitar o quanto antes sua conta com a União. 
Ciente do apelo do banco para sua base, no Palácio do Planalto, uma das primeiras promessas de Bolsonaro foi abrir a “caixa preta do BNDES”. Por ora, o esforço limitou-se à reedição de uma lista já conhecida de maiores devedores. Mas causou barulho nas redes sociais.

Surpresa

O desgaste de Levy é surpreendente para alguns integrantes do ministério. Levy foi o mentor da estratégia de desmontar o “super BNDES” no governo Dilma. Segundo uma fonte da equipe econômica, não parecia haver dúvida de que Levy, uma vez à frente do banco, seguiria orientações de Guedes.
Responsável pelo convite a Levy, que deixou o posto de diretor no Banco Mundial para assumir o comando do BNDES, Guedes costuma reforçar a interlocutores que o tem em boa conta. Bancou seu nome junto a Bolsonaro, que não gostou da ideia de ter um ministro “petista”. Os dois chegaram a discutir durante uma reunião na casa de Bolsonaro no Rio. O presidente eleito resistiu, mas, diante da posição firme de Guedes, capitulou ao Posto Ipiranga.
O ministro elogia com frequência a formação técnica de Levy – ambos têm doutorado pela Universidade de Chicago. A pessoas próximas já disse que ele seria um bom nome para a presidência do Banco Mundial caso o Brasil tivesse o direito de indicar o próximo mandatário da instituição. Preocupa o ministro, contudo, que Levy esteja influenciado pelas pressões do que chama de “burocracia do banco”, segundo relatou recentemente a pessoas próximas.
Levy não tem argumentado contra a devolução de recursos, mas vem dizendo que é preciso cautela antes de uma decisão final. Assim que chegou ao banco, solicitou um estudo de sustentabilidade para analisar a situação do BNDES frente a um cronograma mais radical de pagamentos. Servidores do banco têm dito que seguir o Plano Guedes poderia significar, na prática, o fim do banco estatal.
Segundo fontes do BNDES, Levy deixou claro aos técnicos que devolverá o que for possível, mas sem sacrificar os projetos da instituição. Ele também já dividiu preocupação sobre possíveis questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU) caso o BNDES comece a remeter muito mais dinheiro que o previsto. De acordo com Levy, isso poderia ser visto pelo TCU como uma forma de financiamento do Tesouro pelo banco, trazendo problemas no futuro a ele e outros integrantes da equipe econômica.
Uma fonte da área técnica do TCU diz que não há essa restrição e que o banco já poderia ter devolvido mais recursos a Brasília sem comprometer sua saúde financeira. A depender de Guedes, esse dinheiro não demorará a chegar à capital.