quarta-feira, 13 de março de 2019

Hiato de representatividade, Heni Ozi Cukier, FSP

Ano novo, presidente novo, governador novo, Legislativo antigo

Heni Ozi Cukier
Esta é a realidade no Congresso Nacional e nas Assembleias estaduais neste começo de ano. Uma das tantas inconsistências de nosso sistema político é a incompatibilidade entre as datas de posse do Executivo e do Legislativo. A incoerência começa na Constituição, que determina a posse em 1º de janeiro para presidentes e governadores e em 1º de fevereiro para deputados federais —além de não determinar um dia para a posse dos deputados estaduais, deixa a escolha a critério de cada unidade federativa.
No estado de São Paulo, por exemplo, enquanto o governador João Doria tomou posse no dia 1º de janeiro, os deputados estaduais eleitos começam a trabalhar apenas na próxima sexta (15), a data mais tardia do país! Esse intervalo, de 75 dias, causa problemas políticos e financeiros para o estado. Da mesma forma, a lacuna de 31 dias na esfera federal causa problemas para o país.
Os problemas políticos abalam a essência de uma democracia com equilíbrio entre os três Poderes. Enquanto o Executivo já está formado e representa a escolha mais recente do eleitor, o Legislativo ainda tem a configuração antiga, o que, somado ao recesso tradicional de início de ano, causa um descompasso latente entre os Poderes. Essa falta de sintonia prejudica tanto a aprovação de projetos do novo governo quanto a fiscalização por parte do Legislativo.
Com o Legislativo defasado e sem a mesma representatividade, o processo político como um todo fica estancado, fazendo com que as possíveis soluções para os anseios populares sejam postergadas ou fiquem sem a devida discussão. Outra parte primordial do processo democrático é o papel da oposição, que também é prejudicado tendo em vista que seus integrantes ainda não possuem o fórum adequado para contestar o governo, além de não terem os poderes de fiscalização e obstrução necessários para o pleno funcionamento do sistema de “freios e contrapesos”.
O período entre as eleições e a posse é fértil na aprovação de pautas-bomba e outras medidas prejudiciais ao estado e ao país. Com as Casas legislativas coalhadas de deputados que já perderam as eleições, ou de suplentes com mandatos “tampões”, os políticos, sabendo que não terão continuidade no cargo, muitas vezes legislam com menos responsabilidade e sem a pressão popular, outro dano à democracia representativa.
Não podemos esquecer também que no começo dos mandatos do Executivo existe a famosa "lua de mel", em que os governantes têm mais facilidade e apoio da população para apresentar projetos e propor soluções. Esse período acaba prejudicado pela falta de sincronia e, portanto, as reformas importantes, como a da Previdência, por exemplo, acabam enfrentando mais resistência.
Os desequilíbrios financeiros não são menores: as já citadas pautas-bombas prejudicam o Orçamento, e em tempos de déficit nas contas públicas podem ser mortais para o próximo governo. Outra questão importante é a conta referente às contratações de equipe para os suplentes que assumem por poucos meses. Apesar de já ser um gasto previsto, gastam-se muito tempo, energia e recursos com as diversas contratações e demissões geradas por esse troca-troca.
Tendo em vista todo esse quadro, precisamos pensar em mudanças na legislação eleitoral para o próximo ciclo. Para acabar com as assimetrias, precisamos determinar uma data de posse para todos os cargos, do Legislativo e do Executivo, sejam eles federais, sejam eles estaduais. Isso só pode ser feito por meio de uma emenda à Constituição, que seria parte da tão desejada reforma política. Essa medida está longe de resolver todos os nossos problemas, mas seria um pequeno passo em direção a um sistema político mais funcional e harmônico, desejo de todos os brasileiros.
Heni Ozi Cukier
Deputado estadual eleito pelo Novo, professor de risco político da ESPM e cientista político

    O vizinho do poder, FSP, Ruy Castro

    Durante anos, os presidentes passearam sob as janelas do Novo Mundo

    Entre as muitas perdas que o Rio está tendo de suportar, esta é historicamente dolorosa. Fecha hoje o Hotel Novo Mundo, há 69 anos na esquina de Praia do Flamengo com a rua Silveira Martins. De suas janelas laterais, a cinco metros do Museu da República, antigo Palácio do Catete, os hóspedes podiam observar o movimento em torno dos presidentes da República que trabalhavam ali antes da mudança da capital para Brasília —pela ordem, Getulio (1950-54), Café Filho (1954-55) e Juscelino (1956-60).
    Acho que a ninguém jamais ocorreu alugar um apartamento num dos andares mais altos do hotel e matar a tiros o presidente quando este saísse com alguém pelos jardins do palácio para conversarem a sós. Quero crer que a segurança oficial também nunca se preocupou com isso. Empresários, ministros, embaixadores, políticos e repórteres entravam e saíam do palácio à vontade. O Brasil era mais franco, seus bambambãs ainda não se escondiam em castelos inacessíveis e, em caso de conchavo, o bar do hotel estava ali ao lado, bem à mão.
    Para mim, o fim do Novo Mundo é particularmente triste. Cidadão da Glória e do Flamengo durante anos, passei muitas vezes pela sua entrada sóbria e elegante. Mas só comecei a frequentá-lo nos anos 90, a convite de Carlos Heitor Cony, que trabalhava na Manchete, ali perto, e gostava de almoçar nele. 
    Certo dia, Cony, já colunista da Folha, estava me dizendo no Novo Mundo que lhe repudiava escrever sobre políticos e assemelhados. Achava que eles tiravam a dignidade da coluna. E citou o sindicalista paulista Vicentinho, então em evidência no noticiário. Assim que Cony acabou a frase, alguém entrou no restaurante. Era o Vicentinho.  
    Mas o importante é o Novo Mundo na literatura. Foi no balcão de sua recepção que o personagem de Cony recebeu aquele embrulho que daria início a um imortal romance —“Quase Memória”.
    Hotel Novo Mundo, no Rio de Janeiro
    Hotel Novo Mundo, cenário de um imortal romance, 'Quase Memória' - Tomaz Silva/Agência Brasil